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Álbuns 2021: Jason Moran, Tony Malaby, Carl Stone, Florian Arbenz, Mats Eilertsen, Amon Tobin, yMusic e etc...

***** - Jason Moran - The Sound Will Tell You (Yes, 2021) 
O piano solo é um formato particularmente interessante por dar voz ao conjunto de individualidades do pianista em um mosaico completo de melodias, harmonias e ritmos fluindo por entre 88 teclas. É o caso deste álbum do pianista Jason Moran: The Sound Will Tell You (Yes, 2021), seu terceiro álbum de piano solo. Como o seu primeiro álbum neste formato, Modernistic (Blue Note, 2001), este registro apresenta abordagens inéditas e ainda mais idiossincráticas ao se direcionar para uma vibe totalmente autoral e influenciada pelos estados de espírito de solidão e das reflexões culminados pela quarentena, imposta pela pandemia. Na verdade, além dos motivos pandêmicos -- que inspiraram Moran a compor temas lentos e meditativos, cheios de cores marcadas por sombreamentos díspares --, este álbum também é influenciado pela literatura de Toni Morrison, com a maioria dos títulos fazendo referência aos escritos desta premiada escritora, que sempre soube abordar as questões raciais e culturais americanas com histórias inteligentes, reflexivas e cativantes. Jason Moran relata que um dos seus retiros para se acostumar com a quarentena longe das estradas, dos shows, concertos, dos seus amigos músicos e do trabalho -- lembrando que ele é diretor artístico do programa de jazz do Kennedy Center --, foi mergulhar na literatura de Toni Morrison em casa, trazendo-lhe inspirações para um outro lado de complicações sociais agravados com a pandemia: as tensões raciais e políticas do seu país. É um álbum autoral com uma sequência de faixas que tentam seguir uma narrativa ou impor um discurso reflexivo em torno dos momentos sombrios pelos quais o povo americano passa -- só que Moran, acostumado a criar trilhas sonoras e inteligentes sinestesias entre música e arte, faz isso com a elegância de quem tem muito senso literário e artístico para criar canções e temas com cores e sombreamentos não menos que cativantes. Compondo um trabalho mais autoral e caricaturista -- com ecos nos sombreamentos harmônicos e melódicos de Thelonious Monk e Herbie Nichols, mas sempre à sua maneira --, Jason Moran foca-se aqui mais em apresentar as imagens melódicas, as melodias subjetivas dos temas, do que em aplicar longos improvisos sobre eles, tendo a maioria das faixas em desenvolvimentos curtos de mais ou menos três minutos. Para dar uma tratativa ainda mais contemporânea, Jason Moran se inspira no DJ Screw, de Houston, e aplica alguns efeitos eletrônicos conhecidos como "DRIP", um filtro que cria reflexos e sombras para cada nota emitida: e essas sombras e reflexos eletrônicos somados aos sombreamentos melódicos e harmônicos dos temas autorais conferem a este registro uma roupagem contemporânea e diferenciada.

**** Tony Malaby - Turnpike Diaries Volume 1 (Independent, 2021)
Em 06 de Julho de 2020, o saxofonista nova-iorquino Tony Malaby empunha-se dos seus dois saxofones e caminha para tocar numa ponte de autoestrada perto da sua casa, juntando-se a ele o baterista Billy Mintz e o contrabaixista John Hebert. O momento reflete o completo isolamento social em que os músicos ficam sem trabalho: sem shows, sem concertos, sem viagens, e com muitos estúdios de portas fechadas, por conta da pandemia. Para Tony Malaby, resta a experiência de tocar ao ar livre nesta ponte, apresentando livres improvisações aos espectadores que passam com seus veículos e aos poucos transeuntes que também caminham por ali, à distância. Essa experiência traz a possibilidade de se inspirar em tempo real com as pessoas, com a vista e as paisagens urbanas que dali da ponte podem ser avistadas. Posteriormente, outros músicos se uniram à Malaby em sua empreitada: o guitarrista Bill Frisell, o sax-altoísta Tim Berne, o contrabaixista Michael Formanek, o baterista Kenny Wolessen, entre outros. Após alguns meses reunindo alguns dos principais e mais criativos músicos para tocar em ruas e pontes, em Outubro Tonny Malaby traz estas inspirações urbanas pós-pandemia para o estúdio, dando luz a este álbum independente: Turnpike Diaries Volume 1 -- deixando a entender de que teremos, posteriormente, um segundo volume. Aqui estamos diante de um quinteto com Tony Malaby (saxofones tenor e soprano), Tim Berne (saxofone alto), Mark Helias (contrabaixo), Michael Formanek (contrabaixo) e Ches Smith (bateria). O grupo apresenta duas longas composições espontâneas em forma de livres improvisações com muitas cores, nuances, abstrações e individualidades entrelaçadas.

***¹/2 Michael & Peter Formaneck - Dyads (Out Of Your Head Records, 2021)
O duo de Michael e Peter Formaneck são de pai e filho, de contrabaixo e saxofone. Um dos mais célebres e mais criativos contrabaixistas da cena de São Francisco, Michael Formanek é conhecido por atuar ao lado de músicos tais como Tim Berne, Gerry Hemingway, Uri Caine, Tony Malaby, dentre muitos outros. Michael lembra que o filho já desde tenra idade ficava envolto das gigs domésticas quando parceiros como Tim Berne, Jim Black e Marty Ehrlich apareciam em São Francisco para visitá-los. Desta forma, Peter Formanek cresceu envolto de muita música e pôde escolher com certa facilidade o ofício a seguir, escolhendo a guitarra e, posteriormente, o saxofone como seu instrumento principal. Recentemente graduado na Universidade de Michigan, Peter Formanek já vinha se apresentando com o pai desde os 18 anos, tendo intensificado as turnês em dupla em 2019 e agora gravando o primeiro registro deles. Um registro de incomum sinergia com melodias refinadas e livres improvisos subjetivos que a dupla chama de "díades". Peter também toca clarinete, além do sax tenor. 

**** - Carl Stone - Stolen Car (Unseen Worlds, 2020)
 Ao lado de figuras como Steve Reich e Pauline Oliveros, Carl Stone é um dos pioneiros compositores e experimentalistas americanos a trabalhar com a manipulação de eletrônicos: primeiro por meio das fitas magnéticas nos anos 70, depois por meio dos áudios com interface MIDI proporcionados pelos primeiros computadores MacIntosh nos anos 80 e 90, e depois através dos sofisticados programas de laptop das últimas décadas. Suas obras usam as mais diversas técnicas de manipulação para criar peças eletrônicas não menos que surpreendentes: colagens, emendas, overdubs, distorções, efeitos vários. Este álbum, particularmente, reflete uma busca que Carl Stone vinha sintetizando já há algum tempo: unir elementos da eletrônica pop com as eletroacústicas erudita e experimental, num processo de elaboração mais demorada que exprima, cada vez mais, a direção acadêmica a que o compositor adentrou nas últimas décadas -- é o pop inserido na formalidade do experimentalismo acadêmico. E o resultado é fantástico: nos proporciona uma obra de cores joviais e entrelaces intricados e complexos, ao mesmo tempo. Este álbum foi gravado na maior parte do tempo em seu isolamento na sua casa de descanso, no Japão: tendo muito material reunido dos últimos anos, o compositor retira-se para longe de tudo e de todos e começa a elaborar suas colagens e manipulações por meio de um laptop, usando a linguagem de programação de áudio conhecida como MAX / MSP. Em sua página na plataforma Bandcamp, o compositor ratifica sua intenção de trabalhar com materiais de teores comerciais em processos criativos que fazem uso da subversão e da ironia artística: "These tracks were all made in late 2019 and 2020, much of when I was in pandemic isolation about 5000 miles from my home base of Tokyo. All are made using my favorite programming language MAX. However distinct these two groupings might be they share some common and long-held musical concerns. I seek to explore the inner workings of the music we listen to using techniques of magnification, dissection, granulation,, anagramization, and others. I like to hijack the surface values of commercial music and re-purpose them offer a newer, different meaning, via irony and subversion". 

**** - Florian Arbenz - Conversation # 1 (Independent) 
Se o leitor deste humilde blog atentar-se para a tag "Álbuns 2020" disposta no cabeçalho, irá verificar que já abordamos um registro recente do baterista suíço Florian Arbenz: na ocasião abordamos um interessantíssimo álbum Reflections Of The Eternal Line (Inner Circle Music, 2020), gravado em duo com o saxofonista americano Greg Osby, apenas com bateria/percussão e saxofone. Agora voltamos a abordá-lo enfatizando que o baterista começa um 2021 realmente ousado: ele pretende lançar uma série 12 álbuns -- numa abordagem de conversações interativas e improvisativas -- com 12 grupos ou combinações de músicos de nacionalidades e estilos radicalmente diferentes. O primeiro registro desta série, é este: gravado em seu estúdio em Basel, o baterista se apresenta aqui ao lado do trompetista americano Hermon Mehari e do guitarrista brasileiro Nelson Veras. Para o leitor e ouvinte que gosta de combinações instrumentais inusitadas e inusuais no âmbito da música improvisada, os registros de Florian Arbenz são um deleite à parte -- a sina do baterista-percussionista é fazer uso de uma bateria harmônica e kits de percussão com tons coloridos para substituir a sensação da falta de um piano, um contrabaixo ou qualquer outro instrumento harmônico dentre das suas ocasionais formações instrumentais inusuais. E aqui, dependendo do nível de concentração, o ouvinte nem chega a sentir tal sensação: com uma bateria e uma percussão rica, harmônica e melódica, Florian funde seus sons de forma muito criativa ao trompete de Hermon Mehari e à guitarra de Nelson Veras. O guitarrista brasileiro, aliás, é um caso dos mais admiráveis no que diz respeito ao talento e à fluência com os quais aborda as misturas do jazz contemporâneo com aspectos da música improvisada, evidenciando sempre  um toque pessoal de bom humor e criatividade. 

****¹/2 Mats Eilertsen - Solitude Central (Hemli, 2021) 
Este álbum é o registro da fase de distanciamento social que o criativo contrabaixista Mats Eilertsen passou em seu país natal: Noruega. Impossibilitados de realizar aparições em público, muitos músicos e artistas noruegueses aderiram a um grupo de disseminação de música nas redes sociais chamado Brakkesyke. Inspirados pelo movimento Black Lives Matter e pela oposição ao progresso do fascismo no mundo, esses artistas passaram a desafiar uns aos outros a apresentar-se em lives domésticas ou concertos ao vivo em palcos sem público, apresentações essas transmitidas por meio de serviços streaming -- a ideia era levar arte para os lares das pessoas, com a consciência implícita de que, diante de um cenário um tanto apocalíptico, era chegado o momento de se pensar em um mundo melhor. Mats Eilertsen aderiu aos dois modelos: fez sua transmissão doméstica e gravou este registro num palco sem público. A gravação deste registro foi realizada no primeiro dos dois shows solitários que ele fez nos palcos do Sentralen, em Oslo, em frente a um público que o assistia ao vivo por meio do formato streaming, isolados em suas residências. A ideia deste álbum foi fazer, claramente, com que o contrabaixo soe agradável e ao mesmo tempo criativo para as pessoas que estavam assistindo em casa. Para tanto, Mats Eilertsen recorreu-se ao fato de que instrumentos de cordas como violino, cello e contrabaixo realmente combinam muito bem no formato solo com desenvolvimentos de arco, principalmente em um ambiente com boa acústica. Em paralelo a este recurso, Eilertsen teve a ideia de trabalhar com efeitos eletrônicos sutis para registrar esta atmosfera mais "streaming" de transmissão virtual, resultada de um momento de agonia pandêmica e reflexão política. Desta forma, o contrabaixista elabora suas peças e composições espontâneas através do arco sobre as cordas na maioria das peças, em paralelo à uma roupagem um tanto lo-fi e atmosferas com usos de efeitos sutis de looping, distorções, overdubs e outros efeitos eletrônicos por meio de pedais e laptop. 

***** - Thys - Ithaca/ Turning Point (feat. Amon Tobin & Sleepnet)
O DJ e manipulador de eletrônicos Thijs de Vlieger (aka Thys) é um dos três membros do criativo coletivo holandês chamado Noisia, formado com outros dois DJ's: Nik Roos e Martijn van Sonderen. Em 2020 o Noisia informa à imprensa especializada que estava encerrando o grupo após 20 anos de atividades, deixando seus três membros livres para empreender seus projetos particulares. Aqui já estamos falando de música eletrônica contemporânea que une elementos de estilos como house, ambient, drum'n'bass, techstep, dubstep e IDM em processos criativos inovadores que resultam em verdadeiras peças eletrônicas, com verdadeiros teores artísticos, com elaborações complexas e intrincadas -- ou seja, longe daquela vibe de ser música eletrônica comercial ou apenas música para dança em clubes ou raves esfumaçadas. Estes dois EP's que Thys lança agora neste início de 2021 exemplifica bem a gama de sons eletrônicos inovadores, em combinações interfaces não menos que futurísticas e fantásticas. Na verdade, o EP Ithaca, que ele lança em parceria com o hiper criativo DJ brasileiro Amon Tobin, parece ser uma sinestésica trilha sonora baseada na temática da Ilha de Ithaca, cenário da mítica Odisseia, de Homero -- essa busca por inspiração em algo antigo somada às possibilidades de uma eletrônica contemporânea e futurística, gera uma amálgama criativa com atmosferas não menos que surpreendentes. Já o EP Turning Point é elaborado por Thys para expressar sua ideia de interface entre eletrônica contemporânea e arranjos orquestrais: ele convida a Noordpool Orchestra -- orquestra holandesa de cordas e sopros, que tem criado um ecletismo inovador através das suas leituras e interfaces com eletrônica, jazz, pop, rock, chanson, cabaret, film music, musicais, hip hop e etc -- para contracenar com seus eletrônicos e com as participações dos DJ's e produtores Amon Tobin e Sleepnet. 
**** Ben Wendell - High Heart (Edition Records, 2020)
O saxofonista Ben Wendell é uma daquelas estrelas discretas do jazz contemporâneo -- um músico com um sopro admirável e uma leitura clara e inteligente da realidade; um saxofonista admirado tanto pelos músicos de jazz quando pelos estudantes de música. Para este seu quinto álbum da carreira, Ben Wendell apresenta temas próprios que sintetizam os ganhos de experiência que perfizeram sua estética pessoal em todos seus anos de atuação, bem como sua percepção sonora de uma realidade onde a tecnologia quebrou os paradigmas do que é ser um artista. Para o saxofonista, a era altamente tecnológica na qual vivemos quebrou as dicotomias de baixa cultura versus alta cultura, de arte pessoal versus arte impessoal -- ou seja, na era da individualidade é um desafio paradoxal ser autêntico e verdadeiro quando as redes sociais, por meio de onde se encontra as formas mais diretas de alcançar as pessoas, estão repletas de inverdades que se tornam verdades, quando não apenas confundem. O saxofonista explana sua visão da seguinte forma: "The digital age has created a profound paradigm shift and challenged what it means to be an artist. It has potentially democratized culture to the point of irrelevance. There is no longer high or low – culture or entertainment – it has become about relevance or irrelevance. What is the best way to navigate this time while retaining a sense of authenticity, vulnerability and identity? Although this is a fundamental question for artists in any era, it feels particularly difficult to answer at the moment. In this sense, High Heart is more a question than a statement." A partir destas reflexões o saxofonista compôs temas instrumentais pelos quais sintetiza essas preocupações: o tema "Drawn Away" se refere aos perigos do uso excessivo da tecnologia e da perda de perspectiva a partir dessa overdose; enquanto “High Heart” fala sobre o desejo e a necessidade que temos em se conectar e se expressar por meio dessas novas mídias, correndo o risco de nos sentirmos isolado mesmos quando somos acompanhados por uma multidão de espectadores. Para expressar essas ideias através do seu post-bop sinestésico, o saxofonista cria uma instrumentação acústica que mescla vocalises e sopros com efeitos eletrônicos bem sutis de pedais EFX e Fender Rhodes. O time de músicos é formado por Ben Wendel (saxofones, EFX, fagote), Michael Mayo (vocalises), Shai Maestro (piano, Fender Rhodes), Gerald Clayton (piano, Fender Rhodes), Joe Sanders (contrabaixo) e Nate Wood (contrabaixo). É um registro reflexivo e meditativo. A capa do álbum também é conceitual: reflete um gesto do seu filho de cinco anos, que numa determinada noite saiu da sua cama e foi até o seu quarto e passou um cartão postal pode debaixo da porta, no qual continha um desenho simples de um coração pintado de preto -- um gesto simples, mas que lhe deu a simbologia perfeita para expressar que mesmo na atual realidade obscuramente tecnológica em que vivemos, a nossa humanidade é um tesouro a se preservar. 


**** - Alan Braufman - The Fire Still Burns (2020) 
Artista residente em Salt Lake City, Utah, o saxofonista Alan Michael Braufman retorna ao estúdio depois de 25 anos para gravar este expressivo registro. Nos anos 70, Alan Michael Braufman foi um ativo músico que começou no cenário do loft jazz nova iorquino -- tendo o pianista/tecladista Cooper-Moore como um dos seus principais parceiros na época --, e depois passou a colaborar com uma legião de músicos, bandas e compositores tais como a bandleader Carla Bley, a banda new wave The Psychedelic Furs e o compositor Philip Glass. Posteriormente, o saxofonista retirou o sobrenome Braufman do seu nome artístico, e lançou alguns registros apenas como Alan Michael, tendo uma carreira mais discreta -- sem perder, porém, sua essência de um vanguardista aberto a experiências múltiplas. Para este seu álbum, o saxofonista parece querer exprimir uma áurea mais marcante, com temas que evocam as melodias populares, mas sem perder a essência de quem atravessou a década de 70, 80 e 90 transitando entre o free jazz e a new wave. Trata-se de um trabalho com temas marcantes onde o veterano saxofonista celebra toda sua trajetória e toda sua satisfação com a conquista da sua própria maturidade como músico e como observante da arte musical nestas décadas todas. O time de músicos é composto por Alan Braufman (sax alto, flauta), Cooper-Moore (piano), James Brandon Lewis (sax tenor), Ken Filiano (contrabaixo), Andrew Drury (bateria) e Michael Wimberly (percussão). Alan Braufman tem um sopro forte e marcante. 

**** - Joachim Mencel - Brooklyn Eye (Origin Records, 2020)
Este álbum é mais um dos inúmeros exemplos de como o jazz se tornou uma linguagem universal de música instrumental e improvisada. Famoso na Polônia por atuar em vária frentes artísticas -- sendo um letrista de sucesso, compondo para filmes, orquestras, balé e fazendo turnês com seus projetos de jazz como leader ou como sideman -- o pianista Joachim Mencel lança aqui um exemplo admirável de interação com grandes músicos norte-americanos. Em 1989, Joachim Mencel, iniciando a carreira, viaja aos EUA para participar do Monk Piano Competition e passa a conhecer mestres pianistas tais como Walter Bishop Jr., Barry Harris (que se tornaria seu professor) e Horace Silver, que era seu vizinho em sua estadia americana, no Hyatt Regency. Posteriormente, Joachim Mencel volta para a Polônia onde progrediu muito em sua trajetória, alcançando uma afamada carreira local. Este álbum é, então, a conclusão de um sonho de gravar um álbum de jazz -- bem talhado, bem composto e bem improvisado -- com grandes músicos americanos. Muito embora Joachim Mencel tenha experiência como sideman com diversas aparições com gigantes como Lee Konitz, Dino Saluzzi, Richard Galliano, Dave Liebman, Eddie Henderson e Charlie Mariano, faltava-lhe um projeto autoral neste sentido: gravar jazz contemporâneo com grandes músicos americanos. Para tanto, ele consegue colaborações do guitarrista Steve Cardenas, do contrabaixista baixista Scott Colley e do baterista Rudy Royston, formando um quarteto de excelente coesão e performance. Segundo o pianista, "Brooklyn Eye" é um lugar idílico e simbólico onde os sonhos se tornam realidade": então, apesar de termos aqui algumas faixas com solos virtuosos e com improvisos bem proliferados, este registro carrega um pouco desse sentimentalismo de contemplação diante de um sonho realizado. Além do mais, o álbum foi gravado no dia seguinte ao incêndio da Catedral de Notre Dame em Paris, o que trouxe à alma criativa de Joachim Mencel uma certa melancolia. Além do piano, Mencel toca um instrumento chamado hurdy-gurdy, uma espécie de viela de roda arcaica -- original dos povos antigos da Península Ibérica e do Norte da África, aliás -- operado por uma manivela que aciona uma roda que passa pelas cordas e cria seu som um tanto característico da música tradicional, próxima a sonoridade de um violino. Com uma estética caracterizada pelo neo-bop e post-bop -- com efeitos singelos de delay aqui e ali --, aqui estamos diante de um excelente trabalho, com um conjunto marcante de temas e improvisos, e diante de um pianista de fraseados fluentes e virtuosos. 

***¹/2 - Michael Olatuja - Lagos Pepper Soup (Whirlwind Recordings, 2020)
Uma superprodução: aqui estamos diante de um projeto onde o contrabaixista nigeriano Michael Olatuja -- nascido em Londres, por um tempo radicado em Lagos, e nos útimos anos morando Nova Iorque -- tem a participação de uma troupe de grandes figuras tais como Angelique Kidjo, Dianne Reeves, Regina Carter, Joe Lovano, Laura Mvula, Lionel Loueke, Grégoire Maret, Becca Stevens, Brandee Younger, Robert Mitchell, Onaje Jefferson, e os arranjadores David Metzger, Joseph Joubert e Jason Michael Webb. Podemos dizer que Michael Olatuja é um dos maiores contrabaixistas do mundo -- tanto em termos de contrabaixo acústico, como do contrabaixo elétrico. E aqui, além da sua destreza, ele expressa o que chama de "cinematic afrobeat": música africana misturada ao jazz e aos outros gêneros de música como uma forma de criar uma trilha sonora para a vida. Acompanhado por sua banda principal, formada com o baterista Terreon Gully, os tecladista Aaron Parks e Etienne Stadwijk (do Suriname), a saxofonista e vocalista Camille Thurman e o percussionista Magatte (do Senegal), a intenção do músico é criar um mega registro que expresse a celebração do pan-africanismo intercontinental e a celebração da vida e a da humanidade em tempos tão loucos, como os que estamos vivendo. Para tanto o contrabaixista une elementos vários dos afrobeat e da música africana em geral e os une ao gospel, pop e às várias formas de jazz -- do post-bop ao vocal jazz. O contrabaixista explica um pouco da sua essência para gravar este registro: "What you hear is a blend of three major cities: it’s a celebration of life, and I wanted to make it sound like a soundtrack for a movie that hasn’t been made yet - maybe the next Black Panther movie". Um dos bons registros lançado em 2020 que só visualizamos agora em 2021.

***** - yMusic - Ecstatic Science (New Amsterdam Records, 2020)
Este é mais excelente registro em meio aos tantos que nos passaram despercebidos em 2020. Lançado dias antes da pandemia estourar a nível mundial, este registro é claramente um dos grandes álbuns lançados em 2020. Conhecido por ser um grupo de câmera -- um sexteto composto de violino, viola, cello, flauta, clarinete e trompete -- que aborda da música erudita contemporânea mais independente à new music de caráter mais eclético, além de participações em registros de artistas pop, o yMusic dá vida às peças de grandes e criativos compositores americanos da atualidade tais como Missy Mazzoli, Caroline Shaw (recentemente vencedora do Prêmio Pulitzer), Gabriella Smith e Paul Wiancko. E para quem ainda não conhece tais compositores, basta vir preparado para ouvir uma música erudita nova, contemporânea, que soa amalgamada de tons pós-minimalistas, melodias com coloridos advindos do pop, efeitos acústicos advindos da percepção da música eletrônica e ecos de uma percepção contemporânea dos elementos clássicos e românticos. O grupo de câmera yMusic é um dos sinônimos principais da inventiva new music americana. 

****¹/2 Akropolis Reed Quintet - Birds (Independent, 2020)
Apoiados pelas iniciativas pró meio ambiente do I-Park Foundation, o ensemble Akropolis Reed Quintet, do sudeste de Michigan, dá vida à duas obras de dois compositores contemporâneos comissionados pela fundação: Music of Foghorns & Seabirds que é constituído de um conjunto de modulações compostas por Natalie Draper; e Alchemical Birds, um conjunto de três peças baseadas em três pássaros diferentes, compostas por Octavio Vazquez. Este álbum é interessante porque, além da ação ambientalista como principal causa, os compositores foram desafiados à criar uma música contemporânea imaginativa em torno da temática dos pássaros. Ambientada na atual new music erudita com ecos no modernismo do século passado, a música deste álbum -- lançado no formato EP -- é apresentada com uma combinação de cores e efeitos sobrepostos não menos que surpreendente pelo ensemble de sopros Akropolis Reed Quintet, formado com Tim Gocklin (oboé), Kari Landry (clarineta), Matt Landry (saxofones), Andrew Koeppe (clarone) e Ryan Reynolds (fagote).




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