Conforme afirmei aqui mesmo👉no nosso podcast, as últimas décadas revelaram uma série de pianistas de jazz idiossincráticos e inovadores. A começar pelo super pianista Kenny Kirkland, que impactou fortemente os pianistas (tocando com Wynton, Branford, Kenny Garrett, Michael Brecker, e outros...) e elevou o piano ao mais alto nível dentro do range neo-bop/ post-bop. Dentro desse range —— que traz inovações anteriormente semeadas por Bud Powell, Herbie Hancock, Chick Corea e McCoy Tyner ——, não foram muitos os pianistas contemporâneos a desenvolverem-se rumo à uma evolução tão superlativa quanto a de Kirkland em termos de confluir aquela destreza técnica, versatilidade, fluência descomunal de linguagem (capacidade de improvisar longas frases intrincadas e inteligentes mesmo em linhas velozes com pulsos a 300 BPM) e colorido harmônico caleidoscópico de arraigada contemporaneidade. O super pianista inglês John Escreet, por sua vez, é um dos ases do jazz contemporâneo que figura com esplendor nessa estirpe de pianistas do mais alto nível técnico e segue impactando os críticos e fãs de jazz com essa mesma superlatividade rara, gestando lançamentos não menos que surpreendentes e esteticamente variados. Mais do que a destreza técnica e fluência acima da média nos meandros da linguagem bop, John Escreet é um super pianista que tem uma visão sincrética do jazz e um conceito híbrido que pode variar do mais cristalino impressionismo ao mais abstrato e denso expressionismo, seguindo as trilhas dos pianistas históricos que desenvolveram essa visão mais expandida, como Jack Byard, Andrew Hill, Cecil Taylor e Stanley Cowell. Quando passeamos por sua discografia, percebemos que ele constantemente expande seus horizontes técnicos e estéticos variando bastante em suas explorações, lançando álbuns que englobam desde elementos da música eletrônica, passando pelo neo-bop e post-bop acústico esculpido em métricas ímpares e indo até o free jazz mais abstrato —— e sempre com arraigada contemporaneidade. Para tanto, e para além de misturar e explorar diferentes estéticas —— em simultâneo ou em paralelo ——, John Escreet se especializou numa variedade de sintetizadores, ampliando em muito sua paleta de cores e timbres, atualmente sendo um dos tecladistas mais versáteis do jazz contemporâneo. Seu estilo é, pois, sincrético e suas composições demonstram estruturados conceitos de hibridificar elementos e correntes criativas de diferentes searas. Seus álbuns trazem, enfim, um amplo leque de elementos imaginativos somado a uma profusão de variedades estético-estilísticas, os quais se hibridificam com coesão e até mesmo uniformidade —— e sabemos que o maior desafio de um sincretista é, mesmo, encontrar a coesão, a uniformidade e a liga perfeita para suas misturas e seus hibridismos. Tendo estudado na Manhattan School of Music com Kenny Barron e Jason Moran, John Escreet é um dos jovens talentos a surgir no final dos anos 2000, e agora, chegando na faixa dos 40 anos de idade, ele segue expressando-se no seu mais alto nível de criatividade com uma sequência de lançamentos impactantes. Radicado nos EUA desde 2006, John Escreet também leciona no Herbie Hancock Institute of Jazz, sendo uma das figuras emblemáticas da cena jazzística de Los Angeles. Neste post, convido-vos a curtir este exclusivo conjunto de resenhas as quais dedicaremos para alguns dos álbuns hiper criativos de Escreet, incluindo seus fantásticos últimos lançamentos!!!
Exception to the Rule (Criss Cross Jazz, 2011).
A Criss Cross é uma das gravadoras supremas do jazz contemporâneo que sofisticou sobremaneira essa linhagem do range neo-bop/ post-bop. Mas já aqui neste seu quarto álbum da carreira, Exception to the Rule (2011), John Escreet escapa e flutua pelas tangentes desse range para englobar diferentes elementos de diferentes estéticas, sequenciando-os, inflexionando-os, e hibridificando-os com curiosa singularidade. A faixa título abre o álbum e é um desenvolvimento livremente improvisado sobre o acorde principal de um tema abstrato composto em métrica inusual. A faixa "Redeye" começa com as dissonâncias de acordes misteriosos sendo sobrepostas por uma camada de glitches ultra eletrificados que lembram as explorações do Autechre, dupla de DJ's e manipuladores de eletrônicos que elevaram o subgênero do glitch à condição de arte dentro dos meandros da IDM (Intelligent Dance Music). A terceira faixa "Collapse" traz uma cromática e impressionista linha melódica em rubato sobre acordes modais dissonantes, lembrando o cromatismo modal de George Russell. A quarta faixa, "They Can See", é uma peça com livres improvisos a produzir atmosferas sombrias e incidentais. A quinta faixa, "Escape Hatch", já retorna ao post-bop em formas inflexionadamente impressionistas estruturadas em métrica ímpar. E assim, o pianista e seu quarteto seguem variando bastante seu caleidoscópio de cores, atmosferas e formas inflexionadas, com peças intrincadas, flexíveis e singulares que vão do post-bop acústico estruturado sob métricas ímpares ao mais livre improviso sem estrutura fixa, por vezes temperando essas peças com camadas lisérgicas e espectrais de eletrônica. Esse é um dos discos, enfim, que se soma ao conjunto de discos intrincados lançados entre as décadas de 2000 e 2010 por pianistas contemporâneos como Jason Moran e Vijay Iyer, os quais são responsáveis por misturar as intrincâncias do m-base com as flexibilidades e os acordes modais do post-bop. John Escreet aqui é acompanhado pelo saxofonista David Binney, pelo contrabaixista Eivind Opsvik e pelo baterista Nasheet Waits.
The Age We Live In (Mythology Records, 2011).
A essência deste disco, terceiro disco da carreira de John Escreet, é a gravitação híbrida entre o post-bop e um jazz-rock temperado com doses bem calculadas de psicodelia contemporânea, e sempre combinando frases, efeitos, cadências e estruturas bem elaboradas. A primeira curiosidade que percebemos é a proposital ausência de um contrabaixo. Dessa forma, sem contrabaixo, John Escreet prefere que uma certa combinação mais crua da guitarra com outros eletrônicos forme uma concepção de harmonias lisérgicas e certo frescor psicodélico. Para tanto, ele convida o versátil guitarrista Wayne Krantz —— conhecido por seus timbres e efeitos psicodélicos frescos e inovadores, tendo tocado com bandas e figuras como Steely Dan, Michael Brecker, Carla Bley, Chris Potter, Vinnie Colaiuta e muitos outros... —— e faz com que a psicodelia da guitarra contracene com a eletrônica dos seus teclados e sintetizadores. E para dar um tom ainda mais psicodélico e lisérgico, Escreet convida o saxofonista David Binney a também se aventurar, por vezes, em alguns eletrônicos, o que acrescenta mais efeitos e camadas ao tacho. Na maioria das faixas a banda é formada por John Escreet (piano, Fender Rhodes, synths), David Binney (sax alto, eletrônicos), Wayne Krantz (guitarra) e Marcus Gilmore (bateria, percussão). Em outras faixas ouvimos pontuais convidados e participações de Tim LeFebvre (contrabaixo), Brad Mason (trompete), Max Siegel (trombone) e Christian Howes (violino), os quais enriquecem ainda mais os arranjos e a paleta de timbres. A bateria e as percussões de Marcus Gilmore soam ricas e polirrítmicas. As camadas dos teclados de John Escreet se casam com os pontuais efeitos eletrônicos de David Binney e com os vários timbres psicodélicos e eletrificados da guitarra de Wayne Krants para conferir uma concepção mais crua... mas, ainda assim, repleta de frescor e ressonância. O piano acústico de Escreet e o sax alto de Binney por vezes dão o tom em linhas de improvisos mais próximas ao post-bop acústico. E assim, com essas combinações e intercalações, John Escreet nos faz viajar por improvisos intrincados —— sempre estruturados, mas com pitadas de improvisos livres aqui e ali... —— e por camadas que soam cruas e, ao mesmo tempo, frescas.
Sabotage and Celebration (Whirlwind Recordings, 2013).
Já neste disco acima, John Escreet avança mais na sua proficiência enquanto arranjador através de uma banda que, por vezes, se expande para soar como um ensemble —— quase uma orquestra. O ensemble é constituído por um quinteto com John Escreet (piano, Fender Rhodes), David Binney (sax alto), Chris Potter (sax tenor), Matt Brewer (contrabaixo) e Jim Black (bateria) em combinação com metais (um trompete e um trombone), uma sessão de cordas (violinos, viola e cello), pontuais vocalizes (na faixa 7) e a participação especial do guitarrista Adam Rogers (nas faixas 5 e 7). Mas Escreet, como em outros dos seus álbuns, varia bastante as abordagens com faixas onde ele também atua com piano-trio e quinteto mais no espectro de um post-bop estruturado, e com outras faixas onde prefere caminhar por passagens e sessões mais cacofônicas repletas de improvisações livres. John Escreet explica que sua intenção, mesmo, era que essa dualidade soasse quase como um dilema entre a loucura e a celebração, ou um dilema entre a sabotagem e a alegria. Isso porque o disco foi gestado nas semanas que antecederam a eleição presidencial nos Estados Unidos que deu o segundo mandato ao presidente Barack Obama, e o clima era mesmo de tensão e incerteza. Um dia após a vitória de Obama, Escreet e seu ensemble entram no estúdio e gravam, então, este mui bem arranjado álbum, expressando bem essa dualidade entre a tensão/ incerteza e a celebração da vitória. A faixa-título, terceira faixa do álbum, explicita bem esse contraste, mas todo o restante das peças do álbum expressa contrastes explícitos nesse sentido, mesmo nas peças com arranjos mais homogêneos. A faixa-título também se refere a muitas das questões eleitorais que envolveram mesmo uma certa "sabotagem eleitoral" que ocorreu em várias partes dos EUA durante as votações: leis autoritárias e restritivas que dificultaram a identificação do eleitor, as longas filas nas assembleias de voto que impediram muitas pessoas de votar, um suposto mal funcionamento em muitas urnas eletrônicas em alguns pontos do país, entre outros transtornos. No entanto, apesar de tudo isso, o resultado final deu vitória ao viés mais democrático e social representado por Obama. John Escreet também conta que nessa mesma época, um pouco antes das eleições, um outro fator que corroborou para que ele tivesse o tempo e a inspiração necessária para compor foi a passagem do furacão Sandy (o furacão mais mortal e destrutivo da temporada de furacões no Atlântico em 2012), que deixou a Cidade de Nova York paralisada por uma semana inteira, sem transporte público e sem energia em muitos bairros. Esses dilemas e fatos tensos americanos nortearam a inspiração de Escreet e seus sidemans aqui neste álbum.
Sound, Space and Structures (Sunnyside Communications, 2014).
A preferência por estruturações ímpares em diferentes estéticas e técnicas parece ser uma sina de John Escreet, de forma que suas composições soam por vezes com intrincadas estruturas ou, em outras vezes, com interligações estruturais que unem as partes compostas (previamente elaboradas e escritas) com as passagens livremente improvisadas numa só peça coesa. Entretanto, aqui neste disco, John Escreet e seu tio imergem-se totalmente em improvisações livres sem estruturas fixas ao ter a oportunidade de gravar com a lenda da música improvisada europeia Evan Parker. Mas ainda, assim, Escreet denota que há ideias estruturantes nesses caminhos venosos e livres de sons aleatórios, acordes atonais e espaços incidentais. Essa é uma concepção interessante porque demonstra que, de fato, John Escreet tem uma mentalidade aberta para um conceito amplo de improvisação onde não há fronteiras e nem limites: seja a improvisação livre ou estruturada, para ele há sempre o mesmo prazer e o mesmo valor musical. A banda é formada, então, com os músicos do piano-trio de Escreet, com o contrabaixista John Hébert e o baterista Tyshawn Sorey, e junto a eles, então, achega-se Evan Parker, titã inglês da música improvisada, na época com 69 anos. O encontro foi possível porque Evan Parker foi convidado para ser curador de uma semana de improvisação no legendário clube The Stone, de John Zorn. Evan Parker, então, convidou Escreet e seu Trio para se apresentarem com ele no dia 18 de setembro de 2013. Escreet, por sua vez, aproveitou que Evan Parker ficaria em Nova Iorque por mais duas semanas e organizou uma sessão de gravação no estúdio Sear Sound em 25 de setembro. Para a gravação, os quatro músicos decidiram intercalar improvisos livres em cada take com diversas combinações de duo e quarteto. A sessão de gravação gerou uma série de peças diferentes peças que Escreet editou em nove faixas para lançamento. Há momentos de tensão onde Escreet evoca traços do estilo percussivo de Cecil Taylor em meio ao salseiro de sons do quarteto. Há outros momentos mais cintilantes onde as notas agudas do sax soprano de Evan Parker se resvalam com a chuva cristalina e pontilhistas das teclas de Escreet. Há outros momentos inusitados em que Escreet, em meio aos sons do quarteto, utiliza-se das próprias cordas que estão dentro da caixa ressonante do piano, utilizando sons de algo próximo a um piano preparado. Há momentos mais incidentais feitos de acordes atonais, espaços sombrios e sons misteriosos... E assim, os músicos seguem variando bastante os improvisos em contracenações intercaladas entre si.
Learn to Live (Blue Room Music, 2018).
Junto a álbuns como Sonic Trance (2003) do trompetista Nicholas Payton e Mehliana: Taming the Dragon (2014) do tecladista Brad Mehldau em parceria com o baterista Mark Guiliana, considero este álbum acima como um dos registros seminais do jazz fusion contemporâneo deste início de século 21. Melhor dizendo, aqui já estamos falando, por falta de um termo melhor, de um estilo mais "new fusion" que até repagina traços do jazz-fusion setentista, mas segue adiante com interpolações entre roupagens acústicas, improvisos sinuosos, temáticas da realidade sócio-política e camadas e timbres eletrônicos, por vezes evocando um certo conceito retro-futurista com synths vintages sobre batidas de funk quebradiças, mas, ao mesmo tempo, não deixando de salientar certa a influência dos rubatos do post-bop acústico. A super banda liderada por John Escreet é formada com o sax-altoísta Greg Osby, o já citado trompetista Nicholas Payton, o contrabaixista Matt Brewer e os bateristas Eric Harland e Justin Brown, com a vocalista Teresa Lee embrenhando um vocalize na terceira faixa. John Escreet, usando sintetizadores analógicos vintages, começa abrindo o álbum com um peça que parece com o tema de abertura de um daqueles antigos programas de TV, mas já logo emenda uma segunda peça, chamada "Broken Justice (Kalief)", que traz uma envolvente melodia pairando apenas sobre a base de um ou dois acordes e soa com esse caráter mais retrô-futurista repleto dos beats quebradiços e polirrítmicos das duas baterias —— sim, aqui Escreet já solicita o uso de duas baterias em simultâneo, tendo os bateristas Eric Harland e Justin Brown tocando juntos nessa e em mais três faixas do álbum. A terceira faixa, "Lady T's Vibe", é praticamente um jazz-funk setentista com as linhas de melodia e improvisos do trompete sendo cadenciadas sobre uma envolvente vibe soulful e meio lounge com a ambiência do piano Rhodes ao fundo, algo que evolui para singelas sínteses eletrônicas já bem próximas de uma house music em combinação com o vocalize de Teresa Lee. Em outros momentos, como na quarta faixa "Test Run", os músicos da banda já dão vida para uma peça impressionista onde exploram camadas acústicas repletas de improvisos sinuosos e acordes modais cromáticos, com o piano acústico de Escreet e o sax alto de Osby sendo os destaques nesses improvisos ligeiros e sinuosos que soam quase como improvisos freejazzísticos —— com o detalhe das linhas de improvisos de Osby também trazer resquícios dos seus tempos de exploração da estética m-base. A quinta peça, a faixa-título "Leart to Live", começa com um esfuziante e envolvente tema eletrônico seguido de tensas interpolações de improvisos experimentais e camadas desenvolvidas sobre rítmicas quebradiças de funk —— aqui, aliás, os dois bateristas botam seus drum kits pra fritar! ——, e logo a peça suaviza quando o trompete começa a improvisar sobre a ambiência do piano Rhodes, com Escreet retornando aos improvisos eletrônicos experimentais e esfuziantes dos seus teclados para finalizar e peça! Já lá pela penúltima faixa, "Contradictions", Escreet retorna ao piano acústico para evocar um post-bop mais orgânico através de uma peça de arraigado impressionismo modal e cromático, algo que parece querer romper as bases harmônicas para ir direto à um expressionismo ainda mais atonal e abstrato. E assim, John Escreet e sua banda variam bastante nas interpolações sinuosas e intercalações estilísticas, gestando aqui um dos impressionantes registros da década de 2010.
★★★★¹/2 - Seismic Shift (2022)/ The Epicenter Of Your Dreams (2024).
Aqui nestes dois últimos lançamentos, Seismic Shift (2022) e The Epicenter Of Your Dreams (2024), John Escreet nos apresenta seus dois primeiros primeiro tentos com seu novo piano-trio, agora efetivando-se numa segunda formação com Eric Revis ao contrabaixo e Damion Reid na bateria —— lembrando que sua primeira formação ocasional em piano-trio contou com o contrabaixista John Hébert e com o baterista Tyshawn Sorey sem ter tido um registro exclusivo. É um piano-trio poderoso que congrega características marcantes e personalidades musicais fortes, combinando o piano explosivo e eclético de John Escreet com o tom forte e encorpado do contrabaixo de Eric Revis —— também membro do Quarteto de Branford Marsalis, e recorrente parceiro de músicos de vanguarda... —— e com a versatilidade e riqueza percussiva da bateria de Damion Reid. Os três músicos, portanto, são altamente proficientes em variar bastante suas abordagens, indo do range neo-bop/ post-bop às explorações do improviso livre e doutros procedimentos do avant-garde, sempre com fluência e coesão descomunais! Em Seismic Shift (2022), Escreet e seu trio começam com a bem estruturada peça "Study No.1", que evoca até certa influência erudita, e caminha numa exposição onde as explorações vão desde as estruturas intervalares com tonalidades cromáticas até o mais livre improviso. Segue-se uma versão em trio para a envolvente peça "Equipoise", originalmente composta e gravada pelo mestre pianista Stanley Cowell (1941-2020) no álbum Musa — Ancestral Streams (Strata-East, 1974), ao qual John Escreet credita ser um dos melhores álbuns de piano solo de todos os tempos. E de forma cada vez mais variada, Escreet e seu trio vão seguindo por uma set list que aborda desde composições calcadas no post-bop até peças totalmente calcadas no livre improviso, onde até as técnicas estendidas tem aplicabilidades instigantes! É o caso da terceira faixa "Outward and Upward", que é uma peça livre que combina técnicas estendidas e os improvisos mais cristalinos, peça que Escreet elaborou justamente em homenagem ao mestre Stanley Cowell. Mas ainda que atue no limiar entre o post-bop dotado de um certo impressionismo tonal e melódico e o livre improviso já quase beirando um certo expressionismo abstrato, Escreet não deixa de retornar para caminhos jazzísticos mais aconchegantes, como acontece na bela e intimista "Perpetual Love", quinta faixa do álbum. E o pianista ainda retoma sua admirável fluência em linhas de improvisos mais próximas da estética do neo-bop, como acontece em "Digital Tulips", sexta faixa do álbum, onde ele intercala velozes clusters ao estilo de Cecil Taylor com linhas de improvisos estruturados por um walking bass ensandecido! E vai ainda mais além...
O fato é que a experiência com este seu piano-trio foi tão plena, tão satisfatória e tão cheia de ideias, que John Escreet resolvou firmar-se com esse combo para já deixar um segundo lançamento no forno. Agora em 2024, o trio acaba de lançar o álbum The Epicenter Of Your Dreams, onde o expressivo saxtenorista tenor Mark Turner soma-se à banda para contribuir com seus improvisos sempre muito marcados por distinta sensibilidade melódica. Sendo um continuum de Seismic Shift (2022), o álbum The Epicenter Of Your Dreams inclui um conjunto de peças autorais de Escreet somado com tributos à Stanley Cowell (1941-2020), através da esfuziante releitura sobre a composição "Departure No. 1", e à Andrew Hill (1931-2007), através da melódica releitura sobre a composição "Erato". A versão de "Departure No. 1" é, inclusive, é um dos pontos altos do álbum, evocando um esfuziante neo-bop repleto de inflexionadas frases velozes! Outro ponto alto é a peça livremente improvisada "Meltdown", onde tanto piano, sax tenor, contrabaixo e bateria atuam com contrastes entre acordes atonais cristalinos, impressões melódicas e técnicas estendidas! Se assim John Escreet manter este seu piano-trio —— ou logo manter o quarteto com Mark Turner (!) —— já poderemos considerar que ele estará à frente de um dos combos mais poderosos e versáteis do jazz contemporâneo!!! “Any music I present needs to be varied...” —— é o que tem dito John Escreet em suas entrevistas.