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Música Minimalista e suas Estéticas em 20 Álbuns: Moondog, Philip Glass, Steve Reich, Arvo Pärt, Julius Eastman...


O conceito de minimalismo musical no âmbito do mainstream se tornou gradualmente um dos pastiches mais massificados das últimas décadas: vide, por exemplo, as equivocadas associações musicais com o rótulo "minimalista" que no imaginário popular parece englobar desde música para meditação até padrões "new age" sinteticamente e massificadamente reproduzidos; vide, também, a quantidade de trilhas sonoras com reproduções em massa de texturas e acordes repetitivos e padronizados. E não é que essas padronizações massificadas não tenham seu devido valor  e suas devidas utilidades: é apenas o fato indelével de que essas massificações não podem ser relacionadas com o status mais elevado da arte -- e o pior é que até chegam a ser equivocadamente assimiladas pelas pessoas pouco instruídas como exemplos sumários de excelência artística... A história da música minimalista propriamente dita, em termos de arte -- de estética artística musical --, é, porém, uma história de um tipo de música criativa e contemporânea que começa totalmente no experimental underground e traça um caminho de superação surpreendente até chegar a ser relacionada nas grades das grandes orquestras e a ser executada nos palcos mais glamorosos da alta cultura. Moondog começou tocando nas ruas. La Monte Young começou sua carreira de forma totalmente independente no loft de Yoko Ono. Steve Reich começou a compor de forma experimental usando toca-fitas e suas primeiras peças também só eram apresentadas em lofts periféricos. Philip Glass, entre outros ofícios iniciais, começou a carreira como copista, transcrevendo a música hindú de Ravi Shankar para os padrões da notação musical ocidental. Julius Eastman (foto acima) foi um dos pouquíssimos compositores negros neste meio erudito contemporâneo, sofrendo preconceitos num ambiente dominado por vários artistas brancos disputando o mesmo espaço. E também, ainda que o mainstream tente padronizar uma versão simplista em torno do rótulo, a quantidade de direções estéticas que o conceito minimalista gestou a partir da segunda metade dos anos 60 não é algo fácil de assimilar -- há várias técnicas, abordagens e estéticas a considerar. Na verdade, o conceito de música minimalista surge da combinação de um apego por um ecletismo emergente (formado por um ambiente regado por jazz, rock, a emergente pop music, world music e etc), e pela contracultura e luta dos direitos civis combinados com uma evidente repulsa que os jovens compositores americanos da segunda metade do século XX passaram a ter em relação ao formalismo europeu e ao dodecafonismo serial. A maioria desses jovens compositores começam seus estudos universitários entre meados dos anos 50 e início dos anos 60 e saem da faculdade, então, questionando a influência hegemônica da vanguarda europeia como sinônimo único de avanço musical. Outros desses compositores até nutriam algum fascínio pelos avanços trazidos pela música dodecafônica, mas chegaram à conclusão de que após quase meio século de atonalismo e técnicas seriais complicadas, era necessário surgir uma nova vanguarda para provocar novas formas de percepção musical e para efetuar "experimentos de simplificação" da música, afim de chegar à um novo tipo de música que decodificasse os novos signos da cultura pop ou que, ao menos, se relacionasse com aquele novo mundo do pós-guerra marcado por uma nova juventude adepta à contracultura, à luta pelos direitos civis e ao ecletismo das formas. Uma das mentes mais poderosas a influenciar esses jovens compositores foi a de John Cage, que, apesar de advir de um modernismo primeiro marcado pela música atonal, já desde os anos 40 questionava o formalismo europeu com experimentos idiossincráticos e conceitos estranhos de reducionismo da música onde poucas notas musicais espaçadas no tempo e até o silêncio absoluto passariam a ser usados para compor uma peça musical -- e na verdade, a intenção de Cage não era tornar a música mais simples, mas era impor novos conceitos de arte sonora e novos conceitos de percepção musical, transformações que de imediato pareciam absurdas ou sem nexo, mas que, com algumas poucas mentes abertas, passariam a ter ampla aplicação no horizonte das artes. 
 
Esses jovens compositores americanos passaram a assimilar, então, além dos conceitos indeterministas e reducionistas de John Cage e Morton Feldman, os novos conceitos de reprodução em massa -- algo que nas artes plásticas, por exemplo, Andy Warhol passou a aplicar através das suas serigrafias... --, onde a repetição de padrões, dentro e fora de suas sincronias, representaria a busca por novas formas de percepção, e uma nova predileção contrária à influência do atonalismo imposto pela vanguarda europeia, algo que o levaram a explorar os limites de uma nova consonância embebecida por jazz, rock, world music e canções pop. A partir de então, valeu de tudo nessa busca minimalista por novas percepções: edições e colagens de sons contínuos usando fita magnética; composições com poucas notas onde os efeitos produzidos por meio da repetição dessas notas passaram a fomentar novas formas de percepção e parafrasear as novas formas de reprodução em massa; o uso de repetições de frases ou motivos advindos do jazz, da música pop e das músicas orientais e hindú; o uso de efeitos de sons contínuos e repetitivos através dos novos sintetizadores portáteis (algo que passariam a chamar de drone music); e até o retrabalho com o uso de frases, inspirações e motivos antigos retirados da música clássica, barroca e renascentista (Bach, Vivaldi, Pachelbel, canto gregoriano e etc) como uma forma de protesto à escola vigente do serialismo. Quer dizer: apesar de, com o tempo, o mainstream cristalizar a música minimalista como sendo uma música feita apenas de padrões repetitivos palatáveis ou aquele tipo de música ambiente para meditação, a verdade é que a música minimalista é essencialmente experimental, amplamente pluralista e eclética -- com várias direções estéticas à considerar, aliás -- e trata-se da principal revolução a enriquecer a música erudita nas últimas décadas do século 20 e início deste nosso século 21, contribuindo para o surgimento de uma tendência que muitos críticos passaram a chamar de "Nova Consonância" -- e enriqueceu não apenas a música erudita, mas um amplo universo da música, de uma forma geral. Outro equívoco é achar que a música minimalista está relacionada apenas ao território americano: ela inicia sim em território americano, mas adentra, também, aos circuitos dantes dominados pelo formalismo europeu, e influencia compositores da música japonesa e de outros países onde música contemporânea teve uma evolução maior nessas últimas décadas, tornando-se, até hoje, uma influência para os novos compositores do mundo todo. Este post traz, portanto, uma lista de 20 compositores -- autodeclarados minimalistas ou não -- que expandiram os vários horizontes em torno da música minimalista até o seu trajeto à música pós-minimalista, onde já temos composições em que as técnicas minimalistas já soam diluídas em misturas que englobam desde as formas pop até as formas neoclássicas e neorromânticas. Além de um resumo dos seus inícios de carreira e seus principais experimentos e técnicas, também indicamos aqui um álbum seminal de cada um desses compositores -- sem contar os registros indicados indiretamente em cada sinopse. Clique nas capas dos álbuns para ouvi-los. Ouça a playlist no final do post.


 
Moondog 2 (Columbia, 1971). Moondog (aka Louis Hardin) foi um músico e poeta de rua -- do qual já falamos aqui no blog -- que começou sua carreira em meados dos anos 40 na 52nd Street e, posteriormente, fixou-se na esquina da 54th Street com a 6th Avenue, em Nova Iorque, Manhattan, logo se tornando uma figura conhecida entre os músicos de jazz, produtores, maestros e artistas que por ali passavam. Cego desde a infância, uma das últimas lembranças que Moondog guardou em sua memória antes de perder as vistas foi a visita que seu pai e ele fizeram à uma tribo indígena, onde lhe foi apresentado a música nativa. Moondog guardou para sempre essa influência -- pela qual pegou gosto por células percussivas irregulares em compassos ímpares e compostos -- e acrescentou outras em sua bagagem: a canção popular americana, a poesia declamada ou cantada, o jazz, a música barroca e clássica e os adereços da cultura e da mitologia nórdica foram alguns dos elementos formadores da sua intrigante personalidade musical -- sem mencionar sua faceta de usar sons pré gravados em fita magnética para temperar a atmosfera dos seus registros. A partir da junção dos resquícios mínimos desses elementos, Moondog formou uma música híbrida que já desde os anos 50 intrigava a crítica especializada por seu caráter inclassificável. Sua música é caracterizada, em suma, por melodias breves, com frases melódicas repetitivas baseadas nos cânones barrocos, uma percussão mínima com trimba (um instrumento de percussão que ele mesmo inventou) e com uma consonância aparentemente simples e intrigante ao mesmo tempo. De certa forma, Moondog pode ser considerado um dos principais precursores do conceito de música minimalista, uma verdadeira influência para os jovens compositores minimalistas que sugiram nos anos 60, fato que os compositores Steve Reich e Philip Glass reconheceram já de imediato quando ainda estudavam na Juilliard School e se tornaram amigos do Viking da 6ª Avenida. Mesmo antes do termo "música minimalista" surgir, o próprio Moondog, aliás, já chamava seus temas, peças e canções de “minisyms" ou "minimals". Este disco acima é um exemplo da sua obra vocal desde sempre marcada por melodias marcantes, as quais, algumas delas, chegaram a ser usadas em anúncios de TV e em covers e releituras por outros músicos, bandas e cantores célebres. Ao ser questionado sobre a origem deste registro, Moondog explicita que desde o início dos anos 50 ele já compunha canções baseadas nos estilos barrocos de cânones, rondas e madrigais, muitas das vezes tentando dar uma releitura moderna baseada na canção popular para estas formas. Porém, em determinado momento ele foca mais em composições instrumentais e deixa de lado as canções vocais. Esse disco nasce, então, de uma retomada à sua faceta de ressignificação vocal dos cânones e madrigais logo após ele ficar sabendo que a rockstar Janis Joplin e a banda Big Brother & the Holding Company haviam incluído sua canção "All Is Loneliness" no álbum homônimo deles, lançado em 1967. Na instrumentação e arranjos tem-se flautas barrocas, virginal (uma espécie de cravo portátil), charamela, piano, cravo, pipe organ, guitarra clássica, viola da gamba, percussão (trimba, caixa e kits) e os vocais do próprio Moondog e de sua filha June Hardin -- com uma edição de overdubs muito bem feita, diga-se de passagem. Muito embora o álbum tenha sido lançado em 1971 -- como um desdobramento natural do álbum instrumental anterior homonimamente chamado Moondog (Columbia, 1969) --, alguns dos cânones e madrigais minimalistas aqui dispostos foram idealizados por Moondog já no início dos anos 50. As repetições vocais em sobreposições baseadas na polifonia do cânone barroco, com cada músico ou cada vocal iniciando a frase musical em "atraso" em relação ao outro, -- além do aspecto minimal das melodias curtas --, é uma das marcas registradas de Moondog.


 
The Theatre Of Eternal Music – Dream House 78'17" (Shandar, 1974). La Monte Young -- frequentemente citado como um dos primeiros e mais influentes nomes da música minimalista, mas quase sempre recluso mais ao "underground" do que inserido aos grandes palcos -- iniciou sua predileção pela música ainda no colegial quando começou a tocar saxofone em um grupo com Billy Higgins, Dennis Budimir e Don Cherry, ainda em Los Angeles. O jazz e a música clássica indiana -- mais propriamente o estilo kirana gharana -- foram dois dos afluentes formadores da sua música. Outra grande influência foram as concepções radicais do Movimento Fluxus, quando no início dos anos 60 ele se muda para Nova Iorque e se torna curador no loft de Yoko Ono, rapidamente se tornando muito conhecido dos músicos e artistas de avant-garde em Manhattan ao empreender suas próprias peças, que foram usadas em muitas performances desses artistas. La Monte Young também estudou com John Cage, aprendeu música eletroacústica com Richard Maxfield e se associou à artista Marian Zazeela, que se tornaria sua colaboradora e parceira por toda a vida. Junto com Marian Zazeela, em 1962 ele funda um ensemble experimental chamado The Theatre Of Eternal Music, contando com a colaboração do jovem multi-instrumentista galês John Cale (fundador da banda The Velvet Underground), o matemático e artista multidisciplinar Tony Conrad e o percussionista e poeta Angus MacLise. Com esse ensemble experimental, La Monte Young empreendeu uma verdadeira revolução em termos conceituais nos meandros da música experimental da época: sua concepção consistia em criar extensas peças compostas por longas notas sustentadas eletronicamente por geradores e osciladores de ondas senoidais, muitas das vezes usando frequências just intonation baseadas no estilo de música indiana conhecido como kirana gharana, para depois aplicar improvisos livres e mudanças mínimas microtonais por cima daqueles sons sustentados e ao longo da peça. Esse estilo de música com notas longas sustentadas ficaria conhecida como uma das facetas do que vieram a rotular como "drone music" e este álbum acima é um dos documentos vivos desta faceta. Em termos conceituais de performance, La Monte Young e Marian Zazeela formularam um conceito chamado de Dream House: onde o espaço, o ambiente e as pessoas pudessem se interagir e exprimir uma interação entre arte e música por meio de luzes e sons contínuos, algo que funcionaria 24 horas por dia como um organismo vivo -- instalação precursora da arte multimídia que hoje funciona na Fundação Mela em Nova York. Este álbum acima apresenta duas peças que foram compostas a partir de 1964 e já apresenta aqui a colaboração do trombonista Garrett List e o trompetista Jon Hassell -- lembrando que, além desses, outros músicos e artistas da época tais como Terry Riley, Billy Name, Terry Jennings, Alex Dea e Jon Gibson também foram membros fixos ou regulares do The Theatre Of Eternal Music. Ambas as peças foram gravadas no estúdio particular de La Monte Young, em 1973. A primeira peça "Map Of 49's Dream The Two Systems Of Eleven Sets Of Galactic Intervals Ornamental Lightyears Tracery", foi composta em 1966 e foi retirada, na verdade, de uma outra peça ainda mais longa chamada "The Tortoise, His Dreams And Journeys", composta em 1964: aqui temos uma gravação dessa peça que é datada de 17 de janeiro de 1973. A segunda peça "Drift Study 14 VII 73 9:27:27 - 10:06:41 PM NYC Three Sine Waves" é uma peça composta por frequências e tensões de ondas senoidais sustentadas através de três osciladores projetados por Rober Adler e é datada de 14 de julho de 1973. Registro precursor da chamada "drone music" e da vertente "ambient music", que seria mais extensivamente explorado por Brian Eno em fitas sobrepostas com sons eletrônicos sustentados.


   
In C (Columbia, 1968). Terry Rilley, junto com seu amigo La Monte Young, também é um dos criadores do que chamam de "drone music": uma das formas de música minimalista que consiste na exploração de padrões repetitivos e/ou sustentados para se criar efeitos consonantes, efeitos de clusters ou para se criar efeitos de ambiência. E uma das peças iniciais desse subgênero minimalista composto por figuras repetitivas é In C, lançada neste álbum de 1968, editado pela CBS/Columbia Records. Trata-se de uma partitura Terry Rilley reúne um pulso constante com a nota dó e 53 frases-padrão numeradas -- cada frase diferente uma da outra e com notas que sugerem modulações tonais em torno do pulso constante da nota dó --, onde cada músico toca cada uma dessas frases em momentos diferentes um dos outros e numa quantidade arbitrária de repetições, criando um efeito em que a música parece estar em sincronia e, ao mesmo tempo, não estar em sincronia. Embora Moondog tenha criado peças com figuras repetitivas já nos anos 50 e La Monte Young tenha criado peças minimalistas com um conceito distinto de sons longos e sustentados já no início dos anos 60 -- bem antes, portanto, desta peça de Terry Rilley --, foi este álbum que entrou no imaginário popular como o primeiro registro oficial de música minimalista -- algo que é mais um delírio da mídia especializada, pelo caráter inovador da peça, do que propriamente uma verdade. Como as 53 frases são tocadas em sequências aleatórias e num número arbitrário de repetições, e como também o compositor sugere que a interpretação seja aberta a um número indefinido de instrumentos, essa peça também ganhou adeptos tanto entre os modernistas acostumados com aspectos da música aleatória como entre os vanguardistas acostumados com a música improvisada. O curioso é que quem sugeriu a ideia de um pulso rítmico constante a Terry Rilley foi Steve Reich, que seria o principal compositor a desenvolver essa estética música minimalista com figuras repetitivas num processo diferente, praticamente criando uma nova variante.


   
Works 1965-1995 (Nonesuch, 1997). Steve Reich é o compositor americano que mais intensiva e extensivamente explorou as possibilidades das figuras e pulsos repetitivos -- ainda mais que Terry Riley, que variou bastante suas abordagens com elementos da música indiana, do jazz e outros elementos díspares. Na verdade, como o termo "drone music" foi cunhado para rotular as criações minimalistas de La Monte Young e Terry Rilley onde o caráter experimental se dava através de efeitos de sons sustentados, os experimentos de Steve Reich com pulsos e sons repetitivos já passou a soar como um estilo mais distinto, e, portanto, passou a receber um rótulo diferente: "phase music". Isso porque Steve Reich iniciou sua carreira frequentemente compondo peças através de sons e vozes previamente gravados em toca-discos, trabalhando os efeitos através de um processo de fases ou faseamento onde ele editava mudanças mínimas de velocidade em um mesmo loop ou frase para depois juntá-los: o processo se dava em fazer várias cópias do mesmo loop e tocá-los simultaneamente em fitas magnéticas plugadas em dois ou mais canais diferentes, fazendo com que as pequenas diferenças na estrutura ou velocidade de cada uma das fitas causassem efeitos de sons em degradê, de sons reverberantes. Ou seja, as fitas até podiam iniciar sincronizadas em uníssono, mas aos poucos saíam fora de sincronia, criando uma sequência de efeitos reverberantes hipnóticos e complexos, até que essas reverberações voltassem a praticamente se unir em unidades rítmicas simples, num exercício pioneiro de edição e colagem. Para compor a peça "Come Out" (1966), por exemplo, Reich isola a frase "come out to show them" retirada de uma fita previamente gravada de um depoimento dado por um dos seis jovens negros presos pelo assassinato de uma moradora do Harlem, a refugiada húngara chamada Margit Sugar, acontecimento decorrente do motim de Little Fruit Stand, ocorrido em 1964. Na época, esse acontecimento chocou todo os EUA, sendo mais uma das tragédias a acirrar os protestos e discussões em torno das questões raciais, violência policial e direitos civis: o jovem negro suspeito que deu o depoimento nessa fita, inclusive, não era culpado e mesmo assim foi detido. E é nessa obra chamada "Come Out" que Steve Reich evidencia uma das principais marcas temáticas da sua obra: o uso de materiais previamente gravados decorrentes de fatos, acontecimentos e adereços sociais americanos -- vide, por exemplo, a peça WTC 9/11, escrita para quarteto de cordas, onde ele usa fitas com vozes do Comando de Defesa Aeroespacial (NORAD) e do Corpo de Bombeiros de Nova York (FDNY), na ocasião dos Ataques de 11 de Setembro de 2001. Para compor "Come Out", Steve Reich usa, então, duas fitas magnéticas em dois canais que inicialmente tocam em uníssono, mas que gradualmente saem de sincronia para produzir um efeito de camadas sobrepostas, até que que pouco a pouco vão se comprimindo em fases mais rápidas e curtas. E este box acima traz essa e outras obras pioneiras. Na verdade, esse processo onde Steve Reich editava meticulosamente as fitas magnéticas para depois juntá-las em overdubs, afim de criar loops com os mais variados efeitos repetitivos, o ajudou a moldar seu estilo composicional também para instrumentos acústicos. Steve Reich começou a escrever, a partir de então, uma sequência de concertos para seis, dez, dezoito instrumentos iguais ou correlacionados -- pianos, percussões, marimbas, sopros, cordas e etc -- nos quais passou a reproduzir essa técnica de phasing, trabalhando formas inéditas e inimagináveis de contraponto. Além do phasing, outra técnica minimalista que Steve Reich usaria -- muito em decorrência dos estudos do amigo Philip Glass --, seria a adição ou subtração de notas e texturas durante o desenvolvimento da peça, criando variações e efeitos hipnóticos nos quais o ouvinte acaba perdendo a percepção dos padrões repetitivos à medida que essas novas notas ou texturas vão interferindo ou à medida que há subtrações nos padrões de repetição. Compreendendo o período de 1965 à 1995, este box indicado acima traz um total de 10 CDs com algumas das obras mais seminais de Reich usando essas duas técnicas mencionadas, incluindo peças instrumentais inovadoras tais como Piano Phase composta em 1967 para dois pianos previamente gravados, Drumming composta para percussão em 1971, Six Marimbas composta em 1973, Music for 18 Musicians concluída em 1976, New York Counterpoint composta para clarinetes em 1985, Electric Counterpoint para guitarra e tape composta no final dos anos 80, e City Life concluída em 1995 para orquestra e samplers. O encarte do box set traz, além de uma exposição cronológica das peças, uma entrevista com Steve Reich e liner notes escritas pelo compositor John Adams e pelo maestro Michael Tilson Thomas.


 
Two Pages; Contrary Motion; Music In Fifths; Music In Similar Motion (Elektra, 1994). Philip Glass é considerado o primeiro ártifice da música minimalista a desenvolver o conceito de linear additive/subtractive process, que consiste em ir adicionando ou subtraindo notas na base do padrão repetitivo para criar um efeito de música em movimento onde o ouvinte acaba perdendo a percepção dos padrões repetitivos à medida que essas adições ou subtrações vão acontecendo. Philip Glass teve esse insight depois de trabalhar como copista para o sitarista hindú Ravi Shankar e seu tablista Alla Rakha na trilha sonora do filme Chappaqua em 1966: transcrevendo a música deles em pauta para a notação musical convencional, ele logo percebeu que muitos padrões rítmicos da música hindú não são ordenados por compassos divididos em partes iguais, mas partem de métricas que vão se proliferando à medida que novas células rítmicas são acrescentadas, culminando numa sequência aumentativa que é impossível de ordenar através das métricas tal como se convencionou na música ocidental. Em 1969 Philip Glass apresenta, então, esse insight em sua obra Two Pages, obra composta para órgão a partir de apenas cinco notas (Sol, Dó, Ré, Mi b e Fá), com as quais o compositor vai criando sequências aumentativas até que o ouvinte perde completamente a referência do padrão-base. Para efeito de comparação, enquanto Steve Reich compunha suas peças usando um processo horizontal de loops sobrepostos que partem de um uníssono e vão saindo gradativamente da sincronia, Philip Glass já inicia com um processo linear e vertical sem muitas sobreposições, muitas das vezes com apenas uma das mãos aplicando ao piano as mudanças aditivas. Nesta compilação acima, lançada pela Nonesuch, temos as quatro primeiras e principais peças que Glass compôs, entre finais dos anos 60 e início dos anos 70, usando essa técnica. Posteriormente, Philip Glass trabalharia com essa e outras técnicas minimalistas de uma forma mais flexibilizada, adicionando em suas peças um colorido de várias séries harmônicas e melódicas à medida que ele ia se aproximando da música pop e da faceta de compor trilhas para o cinema -- essa sua concepção de "música em movimento" corroborou sobremaneira com sua evolução para um estilo musical cinematográfico fora de série. Curiosamente, Philip Glass também desenvolveu um fascínio pelos efeitos de notas repetitivas desenvolvidos pelo barroco genial de Antonio Vivaldi (1678-1741), tendo recriado partes da icônica As Quatro Estações em seu Concerto para Violino No. 2 (2009).


   
Decay Music (Obscure Records, 1976). Michael Nyman é um crítico musical e compositor multidisciplinar britânico que influenciou o mundo da música primeiramente com seu livro Experimental Music: Cage and Beyond (1974), onde ele explora a influência que o compositor experimental John Cage teve sobre os principais compositores modernos e jovens contemporâneos de então. Através desse livro, Nyman foi o primeiro a aplicar a palavra "minimalismo" formal e oficialmente, sugerindo aqui alguns genes da música minimalista já eram possíveis de serem sentidos em obras de John Cage e Morton Feldman. Em termos de composição, Michael Nyman ficou conhecido já desde o início de carreira por se apropriar de partituras antigas do período barroco e clássico para dar versões minimalistas à elas ou criar, inspirando-se nelas, suas próprias peças: caso da peça "In Re Don Giovanni" onde ele se inspira na ópera Don Giovanni de Mozart; caso de Memorial for Large Ensemble (1985) onde ele se inspira na ópera King Arthur de Henry Purcell; e caso da peça Zed & Two Noughts (1985) onde ele se inspira na música do compositor tcheco Heinrich Ignaz Franz Biber. Dotado de uma imaginação muito rica, uma música muito colorida e melódica, Michael Nyman também se tornaria um compositor best-seller através das suas premiadas trilhas sonoras para cinema. Mas este registro acima -- além do seu livro-estudo Experimental Music: Cage and Beyond -- mostra que seu início de carreira foi marcado pelo conceitualismo em torno da análise musical e das técnicas minimalistas. Editado em 1976 pelo selo Obscure Records de Brian Eno, Decay Music foi o primeiro álbum lançado por Michael Nyman. Aqui neste registro temos mais uma das técnicas minimalistas onde podemos, sim, sentir uma certa gênese advinda das obras modernistas e conceituais de John Cage: trata-se do processo chamado de "decay", ou decadência/ defasagem, onde o compositor explora algumas poucas notas ou clusters de notas com espaços longos de silêncio, segurando essas notas para explorar um efeito de "sustain" até que o som se perde completamente no silêncio -- e o mesmo processo pode ser usado para aplicar defasagens de intensidade ou defasagens tonais. A peça "1-100" foi editada na metade da velocidade em que foi gravada, sendo que a gravação original em velocidade real pode ser apreciada na faixa bônus do LP ou CD.


 
Discreet Music (EG, 1975). O Brian Eno é um dos minimalistas mais importantes, apesar de ter rejeitado, desde o início o título de "músico" ou "compositor" -- já que, segundo suas próprias palavras, sua arte sonora consiste em produzir uma não-música. Após seus registros mais adentrados no rock progressivo, Brian Eno passou a nutrir uma pesquisa incessante com sons sustentados por fita magnética que interagem com os sons ao redor ou anulam os sons do ambiente -- sua postura aliás, parece trazer influências da drone music inicial de La Monte Young. E o álbum que definitivamente marca a entrada de Brian Eno nessa sua busca experimental é Discreet Music (EG, 1975): usando um sintetizador EMS Synthi AKS, delays e sequenciamentos planejados em fita magnética, o experimento tem como premissa criar uma música minimal, de sons constantes e nuances atmosféricas onde a sonoridade inebria-se ao ambiente, levando o ouvinte a ter essa sensação de que o ambiente também é parte da composição. Brian Eno conta que a inspiração para este álbum começou quando ele estava internado num hospital por um acidente de automóvel e recebeu um álbum de música antiga para harpa composta no século XVIII: antes de ir embora, sua amiga colocou o álbum para tocar, porém como estava chovendo do lado de fora, o som da chuva parecia se misturar aos sons da harpa, lhe fazendo a ter essa ideia de provocar uma escuta diferente por meio da música em interação com seu ambiente. Além da faixa-título, Discreet Music também traz uma releitura minimalista -- editada através da sua técnica de explorar as fitas magnéticas -- da peça barroca Cânone em Ré Maior, de Pachelbel, onde Brian Eno trabalha com variações em três faixas, primeiramente expondo o tema principal, depois aplicando variações sobrepostas desse tema. Outra influência direta no trabalho de Eno é as ideias conceituais do compositor Erik Satie que já em 1917 cunhava o termo "música para móveis" com uma música minimal, intimista e meditativa acontecendo ao mesmo tempo que outros sons de um ambiente cotidiano. Brian Eno amplia sua abordagem no seu seminal registro Ambient 1: Music for Airports (Polydor, 1978), com a colaboração do amigo Robert Wyatt e do engenheiro Rhett Davies: já tendo cunhando termo música ambiente -- e apresentando a inserção minimal de vozes, piano acústico e sintetizadores (entre eles o novo ARP 2600) --, trata-se de um álbum que consiste em quatro peças de atmosferas sonoras contínuas criadas a partir de uma instalação com várias fitas magnéticas de diferentes comprimentos sendo sobrepostas em camadas de diferentes durações, projetadas para ser continuamente repetidas em interação com o ambiente e a atmosfera de um terminal de aeroporto, criando efeitos sutis de loops sobrepostos que se misturam a esse ambiente e anula por completo sua densa atmosfera sonora. Apesar da obra ser gravada em estúdios -- parte em Londres e outra parte em Colônia, Alemanha --, em 1980 foi feita uma instalação ao vivo para a execução da peça no Aeroporto do Terminal Marítimo de LaGuardia, em Nova York. Nos registros seguintes, Brian Eno continuaria expandindo suas obras nesse novo conceito minimalista de música ambiente -- vide os registros Music for Films (E.G, 1978) e Ambient 2: The Plateaux of Mirror (E.G, 1980) -- e expandindo ainda mais em direção da música eletrônica, explorando a maior variedade possível de sintetizadores e possibilidades eletrônicas para a produção das suas atmosferas sonoras. Em 1998 o ensemble Bang On A Can registrou sua versão da peça Music for Airports e quase dez anos depois gravou um segundo registro ao vivo da instalação da peça, registros que receberam considerável atenção e sucesso de crítica.


 
Jesus 'Blood Never Failed Me Yet (GB Records, 2015). Iniciando a carreira como contrabaixista de jazz no trio Joseph Holbrooke -- nomeado assim em homenagem ao compositor erudito inglês Joseph Charles Holbrooke --, Gavin Bryars atuou ao lado do guitarrista Derek Bailey e do baterista Tony Oxley quando esses instrumentistas ainda nem tinham adentrado à completude da livre improvisação europeia -- o trio, inclusive, chegou a fazer uma turnê com o saxofonista americano Lee Konitz, em 1966. Contudo, Gavin Bryars adentraria com mais afinco em seus estudos no âmbito da composição, tendo nas ideias conceituais de John Cage (com quem ele estudou brevemente) e nas obras indeterministas de Morton Feldman suas principais inspirações, além de passar a conhecer a distinta música e notação musical de Earle Brown e cair de cabeça no minimalismo. Uma de suas primeiras peças experimentais minimalistas com ecos de tais influências é The Sinking of the Titanic (1969), uma obra indeterminista que permite aos músicos pegarem uma série de melodias e hinos tradicionais que, segundo relatos, foram tocados pelos músicos no naufrágio do Titanic e transformá-las em uma peça musical com várias atmosferas: a primeira gravação desta peça foi editada em 1975 pela Obscure Records, de Brian Eno, e aparece neste álbum indicado acima. Em 1994, o DJ Aphex Twin remixou partes dessa gravação e incluiu a releitura no álbum 26 Mixes for Cash (Warp Records, 2003). Além da influência da música indeterminista, uma das características da música de Gavin Bryars é o retrabalho de materiais pré-gravados. É com essa característica que surge o registro Jesus 'Blood Never Failed Me Yet (1971), que tem como base um loop pré-gravado com um bêbado cantando um fragmento musical improvisado, e por cima desse loop Bryars reproduz em forma orquestral -- e com um aumento gradual da densidade sonora -- a melodia balbuciada pelo bêbado. Em 1993, o originalíssimo cantor Tom Waits fez um a versão onde faz as vezes do bêbado balbuciando por cima da versão orquestral original de Gavin Bryars. No álbum acima temos essas duas peças seminais relançadas em 2015 pelo selo GB Records.


   
Unjust Malaise (New World Records, 2005). Atualmente Julius Eastman é o compositor minimalista que mais tem conquistado um reconhecimento póstumo. Isso porque, apesar de ele ter tido relevante atuação em vida, após sua morte seu nome ficou por muito tempo escanteado, até que novos acontecimentos reascenderam o interesse em torno da sua obra: o fato de a compositora Mary Jane Leach ter encontrado partituras suas ainda não reveladas, e o interesse de jovens compositores, jornalistas, pesquisadores outsiders e selos de música contemporânea por sua obra, são fatos que vêm corroborando com esse reconhecimento tardio. Personalidade polêmica, negro, homossexual e artista multidisciplinar (ativista, cantor, dançarino, pianista e líder de ensembles), Julius Eastman é considerado um dos pais da estética que passaram a chamar nas últimas décadas de pós-minimalismo. Isso porque Julius Eastman foi ecleticamente além: foi um dos primeiros compositores minimalistas a usar riffs baseados na música pop da sua época misturados com modernidades atonais e neorromânticas para compor suas séries de repetições minimalistas, criando uma música genialmente estruturada e dotada de tons ricos e coloridos: caso das peças Stay on It (1973) e The Holy Presence of Joan D'Arc (1981). Indagado sobre essa faceta de usar repetições com entrelaces de estruturas diferentes, Eastman certa vez explicou que isso lhe dava a possibilidade de exprimir musicalmente os preconceitos que ele sofria em torno da sua identidade negra e gay através da paráfrase musical desses conflitos de estruturas musicais. Uma outra faceta, junto à essa intricada sobreposição de repetições com estruturas diferentes, era a técnica que Eastman tinha de ir acrescentando acúmulos graduais e lentos, seguidos, muitas das vezes, por uma desintegração gradual das frases musicais. O álbum acima, compilação lançada pela New World Records, explicita essas e outras obras principais do compositor: incluindo as fantásticas Evil Nigger (1979) e Gay Guerrilla (1980), que explicitam o uso de títulos polêmicos em suas peças de caráter mais ativista em favor dos direitos humanos dos negros e gays. Atualmente, o selo de música contemporânea New Amsterdam Records -- umas das editoras-fonte do pós-minimalismo e da new music --, tem dado uma franca atenção para a obra de Julius Eastman. Compositor genial.


 
De Staat (Elektra, 1991). O holandês Louis Andrienssen -- falecido em 01 de Julho, de 2021 -- foi um dos compositores europeus que mais variaram suas criações nos anos 60 e início dos anos 70, passeando por várias estéticas: serialismo, neoclassicismo e peças idiossincráticas com pastiches e citações jazzísticas formam sua miríade de direções estéticas nesse início de carreira. Contudo, na segunda metade dos anos 70 o compositor se enveredaria para a música minimalista com mais força e aprofundamento do que sua dedicação inicial ao formalismo musical europeu, sendo um dos fundadores de um movimento iniciado no Conservatório de Haia que praticamente desencadeou a música minimalista europeia, já adentrando, também, às novas misturas estéticas pós-modernas. E o principal registro dessa sua fase é a peça De Staat (1976), composta para quatro vozes femininas e ensemble: acima, num registro com o Schöenberg Ensemble regido pelo maestro Reinbert de Leeuw. Usando excertos dos textos de A República, de Platão, Louis Andrienssen cai de cabeça na contracultura minimalista para rebater a teoria do formalismo europeu pelo qual a música deve falar por si só através apenas da natural abstração das suas notas e das suas propriedades físicas e naturais do som (intensidade, texturas, tempo, espaço e etc), sem estar associada ao contexto social que a cerca. "I wrote De Staat (The Republic) as a contribution to the debate about the relation of music to politics. Many composers view the act of composing as, somehow, above social conditioning. I contest that. How you arrange your musical material, the techniques you use and the instruments you score for, are largely determined by your own social circumstances and listening experience, and the availability of financial support. I do agree, though, that abstract musical material - pitch, duration and rhythm - are beyond social conditioning: it is found in nature. However, the moment the musical material is ordered it becomes culture and hence a social entity." -- explica o compositor. Na verdade, Andrienssen usa os excertos de Platão de forma irônica à rechaçar partes dos escritos do filósofo grego onde aspectos da cultura eram totalmente dissociados da política: Platão chegou a afirmar, por exemplo, que o modo mixolídio -- uma das escalas variantes da música popular grega em sua época, e ainda em nossos tempos uma gênese presente em muitas músicas tradicionais e populares -- deveria ser banido, pois teria uma influência prejudicial no desenvolvimento do caráter das pessoas. Contudo, se Andrienssen renega a teoria filosófica em torno do conceito do formalismo europeu, ele ainda não renega por completo as influências sonoras modernistas advindas do atonalismo serial que dominou a música europeia até meados dos anos 60. Suas obras minimalistas são, portanto, frequentemente marcadas por passagens de exuberância stravinskyana, intervenções inesperadas, quebras de ritmo nas sequências repetitivas e ecos do modernismo atonal. Compositor dotado de uma das obras mais ricas das últimas décadas do século 20 e início do século 21.


 
Shaker Loops / Light Over Water (New Albion, 1987). John Adams é outro dos compositores que pode ser considerado um dos expoentes da estética pós-minimalista. Também iniciando sua carreira compondo obras com séries repetitivas, Adams se tornaria conhecido por criar efeitos que soam como cascatas, oscilações sonoras dançantes e luzes cintilantes: como se pode atestar na sua inovadora peça Shaker Loops, composta em 1978 para ensemble de cordas. A ideia foi vista como inovadora dentro dos meandros da música minimalista: frequentemente, o compositor passou a combinar oscilações através de legatos e tremolos com pulsos dançantes ou cintilantes, diferindo sua escrita das séries de pulsos mais estáticos e constantes de Steve Reich e do processo de repetições com adições lineares de Philip Glass. E a explicação para Adams desde sempre soar diferente dos seus colegas minimalistas se dá mais pelo aspecto das aptidões naturais de infância do que por uma determinada rebeldia ou pretensão. É claro que Adams buscou se diferenciar logo de início, mas essa diferenciação foi acontecendo de forma mais natural -- através de reflexos da sua infância e da sua adolescência -- do que propriamente pretenciosa: com uma família que não tinha televisão e nem toca-discos até seus dez anos de idade, o pequeno Adams era, contudo, envolto de jazz e muita música de qualidade, já que seu avô dirigia um célebre salão de dança, sua mãe era cantora de big bands e seu pai clarinetista, situação que lhe fez crescer embebecido de música clássica, swing, folk, hinos tradicionais, standards do songbook americano e musicais da Broadway -- certa vez, aliás, ele conheceu pessoalmente o icônico Duke Ellington no salão de dança de seu avô. Em 1975, por exemplo, John Adams lança, pelo selo Obscure Records de Brian Eno, a sua distinta peça American Standard com três movimentos bem característicos: "John Philip Sousa" (uma marching band), "Christian Zeal and Activity" (um hino) e "Sentimentals" (uma jazz ballad). Porém, Adams desde sempre parecia viver num conflito estético interno que ele só conseguiu resolver algum tempo mais tarde: inicialmente, enquanto compositor recém formado, era um admirador do formalismo dodecafônico, até que ele recebeu de presente da sua mãe o livro Silence: Lectures and Writings de John Cage, que lhe fez abandonar a admiração pelas regras seriais e abrir os olhos para o experimentalismo conceitual, do qual o minimalismo também emprestou algumas reminiscências; e depois, ainda tinha as suas pretensões "extracurriculares" que não lhes saiam da cabeça, tais como o jazz, o folk de Bob Dylan, o pop-rock dos Beatles e etc... Contudo, as leituras das concepções de John Cage -- pelas quais qualquer som ou ausência de som pode ser considerado música -- formaram um caleidoscópio de desapegos, ideias e interesses que lhes foram preponderantes para que ele procurasse experimentar novas formas e novas texturas -- como os sintetizadores, por exemplo. Entre os anos de 1982 e 1983, Adams começou a escrever sua primeira partitura puramente eletrônica: a peça Available Light para sintetizadores e orquestra, escrita para uma dança a ser coreografada por Lucinda Childs (e com um cenário construído por Frank Gehry), peça a qual passou a ser chamada de Light Over Water em sua versão in concert sem dança. John Adams continuaria a escrever peças impactantes e inovadoras -- como, por exemplo, a peça sinfonica Harmonielehre (1985) --, mas é essa Light Over Water, escrita para sintetizadores e orquestra, que indico no álbum acima, que também traz a inovadora Shaker Loops. Este álbum acima explicita, então, essas duas facetas dos efeitos cascatas-cintilantes com o experimento da exploração de sintetizadores. Depois dessas obras, porém, John Adams foi gradativamente buscando trabalhar com estruturas consonantes do neoclássico e neorromântico, gradativamente tirando o foco das estruturas dos efeitos repetitivos cintilantes sem renegar de todo a influência minimalista, transformando sua música numa amálgama indescritível de música pós-minimalista.
 
Tabula Rasa (ECM New Series, 1984). Arvo Pärt é conhecido como um expoente do que chamam de minimalismo sacro. Convertido do luteranismo ao cristianismo ortodoxo, e rumando das influências do romantismo tardio e do dodecafonismo para a música minimalista nos anos 70, o compositor estoniano Arvo Pärt centra boa parte das suas inspirações em seu fascínio pela música medieval e pelo canto gregoriano. Essa busca longínqua na música medieval -- onde ele investiga as origens da música ocidental, do canto coral religioso à polifonia -- decorreu de ao menos três fatores: da sua conversão religiosa, da perseguição política ao modernismo pelo regime soviético (uma vez que na época a URSS governava a Estônia), e de uma crise de falta de criatividade em relação às técnicas modernistas, quando, nos anos 60, ele entra em um hiato ocioso que lhe faz buscar uma nova fonte de inspiração. A obra que marca essa virada é Credo (1968), que já decorre dessa sua busca pela música medieval e religiosa, mas ainda traz ecos da música atonal com a qual ele iniciara -- e aí fica evidente uma certa influência do poliestilismo do seu colega russo Alfred Schnittke. Mas é na década de 70 que ele imerge por completo no conceito minimalista aplicado ao canto e ao seu instrumental com influências medievais. Para tanto, Arvo Pärt cria um conceito composicional próprio que ele mesmo intitulou de tintinnabuli (da palavra latina tintinnabulum, que significa sino, em alusão ao soar do sino paroquial), um conceito de simplificação da polifonia em torno do qual ele criaria diversas variações: o conceito se dá basicamente pelo uso de duas vozes sobrepostas, onde a primeira voz arpeja repetidamente acordes ou tríades (acorde com suas três notas-base) e a segunda move-se num continuum lento e diatônico, oferecendo uma música tonal simples, contemplativa e meditativa. Sinestesicamente, Pärt parafraseia o ensaio White Light de Hermann Conen para explicar: "I could compare my music to white light which contains all colours. Only a prism can divide the colours and make them appear; this prism could be the spirit of the listener". Pärt compara essa "luz branca" à melodia do canto, pela qual ele busca uma espécie de unidade, de simplificação tonal, deixando os resquícios de modernidade apenas implícitos. O registro acima, lançado pela ECM New Séries em 1984, é icônico porque simboliza o início da massificação da sua música através de três das suas principais composições gestadas em 1977: Cantus in Memoriam Benjamin Britten, aqui com a Staatsorchester Stuttgart regida pelo maestro Dennis Russell Davies; Fatres (1977) para violino e piano, aqui com Keith Jarrett e Gidon Kremer; Frates for 12 Celli (1977/ 1982) com doze violoncelos da Orquestra Filarmônica de Berlim; e Tabula Rasa, um concerto duplo para dois violinos (Gidon Kremer e Tatiana Grindenko), piano preparado e orquestra de câmera (Lithuanian Chamber Orchestra), curiosamente tendo a participação de Alfred Schnittke no piano preparado. A gravadora alemã ECM de Manfred Eicher, a partir deste registro, seria o principal veículo a popularizar a música de Arvo Pärt, até que na década de 2000 o compositor chegasse à marca de ser o contemporâneo mais executado pelas sinfônicas, ensembles e grupos do reino erudito.


  
Symphony No. 3 (Elektra, 1992). Henryk Górecki é um compositor polonês que passou por várias fases composicionais em seu início de carreira: explorou o nacionalismo por meio do folclore das montanhas polonesas, adentrou à escola do serialismo e, no início dos anos 60, começou a compor usando técnicas composicionais baseadas na geometria de eixos, convergências, padrões uni e bidimensionais e, principalmente, simetria. No início dos anos 70, porém, ele é profundamente influenciado pelo minimalismo e começa a transformar sua habitual identidade cerebral em uma identidade mais melodista e apegada à uma simplicidade repleta de sombreamentos lindamente intrigantes, com melodias simples de poucas notas que ficam se repetindo umas sobrepostas às outras de forma lenta e longa, por vezes com influências da polifonia da música sacra medieval com tons de dissonância mínima. As duas principais obras que marcam essa transição são as suas Sinfonias No.2 (Symphony No. 2, the "Copernican," Opus 31) e No.3 (Symphony of Sorrowful Songs, Opus 36). Em 1992, o selo Elektra (subsidiária da Nonesuch) lançou uma gravação comemorativa dos 15 anos dessa sua Sinfonia No.3 sendo executada pela London Sinfonietta que liderou as paradas de música clássica na Grã-Bretanha e nos EUA, chegando a vender nos anos seguintes mais de um milhão de cópias e nos oferecendo um raro exemplo de sucesso comercial para um compositor contemporâneo de música erudita. Acima temos este registro lançado pela Elektra. A sua Sinfonia No.3 foi composta para orquestra e canto lírico soprano, tendo um libreto que traz os escritos de um lamento do século 15 no primeiro movimento, enquanto o segundo movimento usa as palavras de uma adolescente chamada Helena Błażusiakówna (Helena Błażusiak), uma prisioneira do regime nazista, as quais foram escritas na parede de uma cela de uma das prisões da Gestapo, em Zakopane, para invocar a proteção da Virgem Maria. Muito embora Henryk Górecki tenha se tornado um compositor best-seller a partir da consagração dessas e doutras peças minimalistas primeiras, ele não daria sinais de aderir à tendência de compor peças comerciais, mantendo-se serenamente íntegro ao seu minimalismo sacro europeu, por vezes marcados por melodias consonantes sombreadas por belas dissonâncias melódicas. Ao lado do compositor estoniano Arvo Pärt, Górecki é um dos expoentes do minimalismo sacro.


   
Indeterminate Activity Of Resultant Masses (Atavistic, 2006). O guitarrista Glenn Branca iniciou sua carreira em meados dos anos de 1970 em lofts nos arredores de Boston, Massachussetts, com seu próprio grupo de teatro experimental chamado Bastard Theatre. Em 1976, ele se muda para Manhattan, Nova Iorque, e se envolve com bandas como N. Dodo Band, Suicide e funda sua própria banda, a Theoretical Girls, imergindo com considerável repercussão no cenário emergente do punk rock e da no wave. A Glenn Branca credita-se, também, o fato dele ter sido um dos primeiros a impulsionar a legendária banda de punk rock Sonic Youth através da sua gravadora independente, a Neutral Records. Apegado desde sempre ao avant-garde mais experimental e às teorias de John Cage -- além de todo o ambiente experimental da Downtown imerso em conceitos dadaístas, movimento Fluxus, teatro experimental de performance e hibridismos de free jazz com hardcore e noise music --, Glenn Branca teve no trompetista Rhys Chatham, um dos seus primeiros parceiros a lhe abrir os ouvidos para os conceitos minimalistas. Porém, é preciso convir que, se por um lado o minimalismo meditativo de outrora se deu majoritariamente pelo fato de trabalhar os limites da simplicidade da consonância através de conceitos reducionistas do som ou por meio da produção de efeitos hipnóticos possibilitados pela repetição de poucas notas, Glenn Branca, por sua vez, usaria esses conceitos de estaticidade e repetição para explorar as progressões de acordes, a noise music e o volume em decibéis ensurdecedores. Glenn Branca começa, então, a compor peças para guitarra e, logo em seguida, para ensembles. O álbum acima é dessa fase. Indeterminate Activity Of Resultant Masses é uma compilação lançada pela Atavistic que reúne três faixas distintas dos anos 80: a peça Indeterminate Activity Of Resultant Masses composta para dez guitarras e bateria, originalmente gravada pela Neutral Records, mas nunca lançada; a faixa So That Each Person Is In Charge Of Himself, que se originou de uma fita com uma entrevista de Wim Mertens com John Cage, gravada em 8 de julho de 1982; e a peça Harmonic Series Chords (Music For Orchestra), peça gravada em 1989 no Manhattan School of Music Studio, com a The New York Chamber Sinfonia conduzida pelo maestro Glen Cortese. Embora tenham sido gravadas nos anos 80, essas faixas só foram lançadas neste álbum compilatório, editado em 2006 pela Atavistic.


        
At Home - Not At Home (Les Disques Du Crépuscule, 1982). Wim Mertens é um artista multidisciplinar belga que se tornou um dos compositores minimalistas mais ecléticos, aclamados e populares. Sua inserção no meio musical se deu em 1978, quando ele se tornou produtor da Rádio e Televisão Belga (a então BRT), para a qual ele produziu os primeiros concertos de Philip Glass, Steve Reich, Terry Riley e Meredith Monk, entre outros, realizados na Bélgica. Em 1980, desenvolvendo sua tese para conclusão da sua graduação em musicologia na Universidade de Ghent, ele escreve um artigo que se tornaria um dos livros mais citados da musicologia contemporânea: American Minimal Music, trazendo explanações sobre as obras de La Monte Young, Terry Riley, Steve Reich e Philip Glass e suas transformações, e considerando, aliás, que as novas estéticas criadas por esses músicos iam de encontro com as principais teorias de filósofos como Lyotard, Deleuze e Derrida, no sentido da música como um elo entre a alta cultura e as camadas mais populares e como uma linguagem do seu tempo, uma linguagem musical capaz de decodificar o mundo contemporâneo em sons. A influência do minimalismo americano se torna ainda mais forte em seu início de carreira quando ele visita Nova Iorque e Chicago e conhece vários dos compositores em voga: na ocasião, inclusive, ele conhece e entrevista o compositor John Cage no dia seguinte após avistá-lo num concerto do guitarrista Glenn Branca, entrevista essa que ele editou e lançou no cassete Chicago ’82 -- e que foi lançada como faixa do álbum compilativo Indeterminate Activity Of Resultant Masses (Atavistic, 2006). Ele também chegou a apresentar um programa chamado Funky Town juntamente com seu colega Gust De Meyer, com quem gravaria, no início dos anos 80, o seu primeiro álbum experimental: For Amusement Only - The Sound of Pinball Machines (1982), onde ele explora os característicos sons de várias maquinas de jogos de pinball. Esse seu primeiro registro já traz, aliás, uma das suas ideias principais: tornar a música experimental não apenas mais simples, mas também mais divertida. Outra das suas idéias era "maximizar a audiência" através tanto da ecleticidade pessoal como também da união de músicos de diferentes áreas: vem daí, inclusive, registros tais como Struggle for Pleasure (1983) ou Maximizing the Audience (1984). Desde então, Wim Mertens passou a ser aclamado como um proeminente compositor minimalista -- mas, desde sempre, apegado às misturas de pop com avant-garde. Sua produção musical, na verdade, é ecleticamente composta por composições instrumentais para ensembles, registros de piano solo e/ou canto com piano (sendo, ele mesmo, um exímio vocalista) e registro de peças experimentais onde ele evoca uma áurea mais outsider em relação à sua produção mais popular. O registro indicado acima é At Home - Not At Home lançado em 1982 pela importante gravadora independente belga Les Disques Du Crépuscule, uma das fontes principais de música minimalista e pós minimalista na Europa e Japão. Este álbum traz Wim Mertens (piano, sintetizadores, efeitos) liderando um coletivo chamado Soft Verdict -- com o qual ele inicia sua carreira, aliás -- formado com músicos tanto da área erudita como das áreas do jazz e da música pop tais como Karel Vereertbrugghen (contrabaixo), Peter Principle (guitarra), Gyde Knebusch (harpa), Pieter Vereertbrugghen (percussão), Peter Gordon (sax tenor, sintetizadores) e Frans Vos (violino, viola). Com uma sonoridade retro-futurista marcada por sintetizadores setentistas e oitentistas, este registro acima faz emergir uma latente sonoridade pop e expressa atemporal contemporaneidade.


   
Become Ocean (Cantaloupe Music, 2014). O compositor americano John Luther Adams é dono de uma das obras musicais mais celebradas das últimas décadas. Ambientalista célebre e aficionado pela natureza, suas composições tentam capturar as atmosferas sonoras das montanhas, dos mares, dos lagos, dos desertos e das paisagens gélidas do Estado do Alaska, onde reside. Adams iniciou seus estudos musicais como membro de uma banda de rock, onde nutriu uma grande admiração pela música de Frank Zappa, algo que o levou a explorar as obras de compositores eruditos modernos tais como Edgar Varèse, John Cage e Morton Feldman. O compositor frequentemente relata que foi a Piece for Four Pianos, de Morton Feldman, a lhe acometer de uma epifania que o levaria a decidir ser compositor. Para prosseguir com seus estudos, John Luther Adams frequentou o California Institute of the Arts, onde estudou composição com James Tenney e Leonard Stein, graduando-se em 1973. E foi nessa fase inicial da década de 70, que ele passou a imergir nas peças de Steve Reich e de outros compositores minimalistas já célebres na época. Porém, Luther Adams não chegou a aderir ao movimento minimalista: ao se mudar para o Alaska em 1978, suas atenções se voltaram completamente para a interação da música com a natureza, o que moldou para sempre seu estilo pessoal. Embora o próprio Luther Adams não cite o minimalismo como uma influência principal em sua formação -- citando mais frequentemente Cage e Feldman, em termos conceituais da relação da música no tempo e no espaço --, suas peças são frequentemente citadas por fãs e críticos como exemplos emblemáticos de um pós-minimalismo particular diluído em influências neoclássicas: o caráter meditativo, atmosférico, com camadas sonoras de tons que flutuam muito lentamente uns sobre os outros faz com que o compositor use uma quantidade econômica de notas e, ao mesmo tempo, crie uma sensação de imensidão sonora incomparável. Em uma entrevista para o site Sequenza 21 em 2000 -- quando o entrevistador o questionou sobre os ecos que suas obras trazem de compositores de países próximos ao polo norte tais como o finlandês Einojuhani Rautavaara, o letão Pēteris Vasks e o georgiano Giya Kancheli --, o próprio compositor explicitou sua evolução e sua intenção citando algumas peças suas que lhes foram seminais para alcançar essas landscapes sonoras baseadas na natureza da America do Norte: "In Alaska, everything we do is measured against the overwhelming presence of the place. And the landscapes of the North are a constant touchstone for me. Over the years, my music has evolved from tone painting “about” place into more self-contained musical landscapes. Works like The Far Country of Sleep (1988), Dream In White On White (1991) and Earth and the Great Weather (1993) are “about” place. But I hope that works like Clouds of Forgetting, Clouds of Unknowing (1995), Strange and Sacred Noise (1997) and other more recent works in some sense are places. Like the landscapes of the North, my music embraces extremes – from dense clouds of sustained tones, to explosive fields of percussive sound. I want the music to be rigorously formal and ravishingly sensual at the same time. I want it to immerse the listener in suspended time and a sense of endless space. I want music to be a wilderness. And I want to get hopeless lost in it". Após explorar suas paisagens sonoras captadas em caminhadas e trilhas pelo Alaska -- ele e sua família moram numa cabana nas planícies a noroeste de Fairbanks, com vistas para a floresta boreal e os picos da Cordilheira do Alasca --, John Luther Adams também passou a desenvolver a curiosa faceta de viajar pelo mundo para capturar paisagens de desertos, mares, lagos, vales e florestas. A indicação que deixo para os leitores do blog, além das indicações indiretas explicitadas no corpo deste texto, é a peça orquestral Become Ocean (2013): a peça foi encomendada pela Seattle Symphony Orchestra e fez com que Luther Adams conquistasse um Prêmio Pulitzer e um prêmio Grammy na categoria Best Classical Contemporary Composition em 2014. Com um título tirado de uma frase de John Cage em homenagem ao compositor Lou Harrison, a peça foi composta em um movimento único de 42 minutos e tenta capturar as impressões sonoras que o compositor colheu ao visitar os mares do Alasca e do Noroeste do Pacífico.


  
Recomposed by Max Richter: Vivaldi – The Four Seasons (Deutsche Grammophon, 2012). O alemão Max Richter é um dos compositores pós-minimalistas mais pop e best-sellers da música erudita contemporânea dos últimos tempos. Suas obras frequentemente combinam uma certa elaboração temática com um design sonoro cinematográfico e uma sonoridade que soa pop e crossover, mas ao mesmo tempo soa hiper contemporânea e muito arrojada -- ou seja, apesar da melancolia exacerbada e da palatividade pop, suas peças são extremamente bem elaboradas em termos de temática e design. Um dos maiores compositores de trilhas sonoras dos últimos tempos, Max Richter, aliás, vem contribuindo para que haja uma franca visibilidade para o pós-minimalismo crossover. Inicialmente, Ritcher estudou composição e piano na Universidade de Edimburgo, na Royal Academy of Music e teve aulas com Luciano Berio em Florença. Após seus estudos, Richter fundou o ensemble Piano Circus com o qual durou dez anos, sempre com foco em obras de músicos minimalistas como Arvo Pärt, Brian Eno, Philip Glass, Julia Wolfe e Steve Reich: para quem possa interessar, o ensemble conta com ao menos cinco álbuns lançados pelo selo Decca/ Argo. Após essa sua inserção na música minimalista, Ritcher passou a colaborar como pianista/ tecladista, compositor, arranjador e produtor em alguns registros do grupo britânico de música eletrônica The Future Sound of London, do DJ Roni Size e da folk singer Vashti Bunyan, artistas com os quais passou a se inteirar dos aspectos do pop e da eletrônica contemporânea. Memoryhouse (2002), seu primeiro álbum solo, é considerado um marco na música contemporânea: o álbum traz um experimental registro de "música documental" gravado com a Orquestra Filarmônica da BBC -- com elementos da estética ambient music, música eletrônica e samplers de vozes com poesias recitadas, incluindo uma faixa com uma fala de John Cage --, onde a música explora fatos históricos e histórias imaginárias: várias das faixas, como "Sarajevo", "November", "Arbenita" e "Last Days", tratam das consequências do conflito de Kosovo, enquanto outras são de memórias de infância. Max Ritcher, aliás, frequentemente lança álbuns onde mistura suas impressões e protestos sobre a realidade com melancolias advindas da sua infância conturbada e imagens retiradas de sonhos e imaginações, além de trabalhar uma oralidade baseada em poemas ou imagens sonoras. Outro exemplo é seu álbum The Blue Notebooks (2004): citado pelo próprio compositor como sendo um protesto contra a Guerra do Iraque, a peça também é uma meditação sobre sua própria infância e traz excertos dos versos do poeta polonês Czesław Miłosz e da obra The Blue Octavo Notebooks, do escritor austríaco Franz Kafka. Esses dois álbuns citados são considerados dois dos registros mais seminais da música erudita contemporânea deste início de século. Porém, aqui deixo como uma indicação mais direta o álbum Recomposed by Max Richter: Vivaldi – The Four Seasons (2012), onde o compositor faz uma releitura pós-minimalista, ao seu modo, das As Quatro Estações, obra barroca genial do compositor italiano Antonio Vivaldi. Diferente da releitura de As Quatro Estações que Philip Glass aplica em seu Violin Concerto No. 2 - The American Four Seasons, essa releitura de Max Richter não tem a intenção de associar os efeitos e sinestesias rítmico-harmônico-melódicas das figuras repetitivas de Vivaldi com a estética das figuras repetitivas do minimalismo, enfatizando o violino como o principal sujeito: diferentemente, o que Ritcher faz aqui é dar uma roupagem mais "pop", "ambient" e "crossover" para essa peça de Vivaldi, explorando o conteúdo programático da genialidade de Vivaldi, e aplicando novos tons apenas nas partes mais marcantes desse concerto, misturando-as com sons pré gravados de pássaros e terminando a releitura apenas com sutis efeitos eletrônicos e atmosféricos.


 
Rainbow Jimmies (GPE, 2008). John Hollenbeck é um dos bateristas e compositores mais importantes do jazz contemporâneo nessas últimas décadas. Suas composições são caracterizadas por um estilo próprio marcado pela junção de influências advindas da música minimalista, do pop, do rock, da livre improvisação e do post-bop jazz mais contemporâneo. No âmbito do jazz, sua discografia conta com interessantes álbuns lançados com seu The Claudia Quintet e a inclassificável "big band" Large Ensemble, conjuntos para os quais ele cria peças tão inventivas quanto híbridas. Outros conjuntos para os quais Hollenbek já recebeu comissões incluem a alemã Frankfurt Radio Bigband (com a qual lançou o álbum, I Like A Lot, onde faz arranjos em releituras e paródias de temas da música pop) e a francesa Orchestre National de Jazz. Sendo um mestre inconteste da arte do arranjo, Hollenbeck preza pela composição de uma escrita altamente elaborada, onde aspectos da música minimalistas são enxertados numa miríade de outros aspectos, condicionando o improviso jazzístico como apenas um dos vários recursos a serem explorados dentro dos seus arranjos. Dentre suas inspirações estão compositores de gêneros musicais diversos tais como Meredith Monk (com a qual colaborou como compositor e instrumentista, no álbum Mercy (ECM New Series, 2002)), Bob Broockmeyer (um mestre do arranho orquestral no jazz), Brian Eno (nome seminal do ambient music, art rock e no wave), Ligeti (da vanguarda erudita europeia) e John Adams (compositor pós-minimalista, do qual falamos acima). Dotado de uma refinada inteligência para trabalhar vários efeitos e combinações de ritmos, estilos, timbres, além de uma original e intrincada escrita composicional, Hollenbeck frequentemente recebe comissões para escrever para ensembles eruditos, faceta na qual os efeitos minimalistas são um recurso ainda mais importante dentro da sua amálgama. É o caso do álbum acima Rainbow Jimmies (GPE, 2008), um registro de algumas das suas peças escritas para diferentes conjuntos e músicos: para o violinista Todd Reynolds (colaborador de Bang On A Can, Steve Reich, Ethel); para o vibrafonista Matt Moran (integrante do seu Claudia Quintet, e colaborador do Slavic Soul Party); para o Youngstown Percussion Collective com o Saxophone Quartet; para o Ethos Percussion Group; e para seu The Claudia Quintet acompanhado do guitarrista Mark Stewart (integrante da banda de Paul Simon e colaborador do Bang On A Can). De certa forma, se o pós-minimalismo se dá pelo fato de termos técnicas minimalistas sendo diluídas com outros elementos e estéticas, John Hollenbeck pode ser considerado um compositor pós-minimalista por excelência -- mesmo em suas criações mais jazzísticas.


 
Life In Progress (Warner Music Japan, 1999). Um dos precursores e pioneiros da música eletrônica contemporânea (pop e experimental) -- sendo fundador da inovadora Yellow Magic Orchestra -- e um dos compositores mais ecléticos e criativos das últimas décadas, o compositor japonês Ryūichi Sakamoto é um dos exemplos de inovação no campo da ambient music. Seus álbuns, nessa seara, são trabalhados com piano, arranjos orquestrais, vozes, teclados e sintetizadores imersos em um conceito de eletrônica com texturas mais "ambient", com um sound design mais sofisticado. Ryūichi Sakamoto entrou para os anais da música criativa no final dos anos de 1970, quando lançou os álbuns Thousand Knives (Columbia, 1978) e o homônimo Yellow Magic Orchestra (Alfa Records, 1978), trazendo, a partir daí, ecos criativos da música japonesa e evidenciando um novo caleidoscópio de sons e rítmos eletrônicos que influenciariam diretamente no surgimento de novas vertentes da música pop eletrônica, incluindo o electro-dance e o techno -- sua influência passou a ser constantemente citada nos territórios da house e tehcno music em Detroit até no cenário do hip hop nova-iorquino. Posteriormente, contudo, ele migrou gradativamente do seu inovador electro-pop mais intricado para álbuns com ambiências e atmosferas mais minimalistas. No geral a sensibilidade, a musicalidade, a criatividade e a contemporaneidade das criações de Ryūichi Sakamoto são assustadoras: muito das técnicas criativas de design sonoro, de texturas e de polirritmias eletrônicas que o mundo passou a conhecer nas décadas de 90, 2000 e 2010, o tecladista e compositor japonês já as produzia de forma precursora no final dos anos 70 e início dos anos 80. O criativo e intricado álbum B-2 Unit (Alfa Records, 1980) é um exemplo de como suas peças eletrônicas já soavam à frente do seu tempo mesmo quando a música eletrônica ainda engatinhava. Mas a sua evolução musical o levaria cada vez mais de encontro a um sofisticado design minimalista. A partir de meados dos anos 90 Sakamoto passaria a dar mais ênfase em sua sensibilidade pianística envolvida por um design eletrônico mais textural, caso do álbum BTTB (Warner Music Japan, 1998) -- suas apresentações com piano (a solo e em pequenos grupos), inclusive, passariam a ser muito requisitadas a partir de então, evidenciando nesse formato de "concertos" e/ou "recitais" uma curiosa e híbrida erudição. É dessa fase o álbum Life In Progress (Warner Music Japan, 1999), que é, na verdade, um box com três CDs onde a peça principal é sua ópera "LIFE". É nesse período da passagem do final dos anos 90 para o início dos anos 2000, no qual lançou uma sequência de vários álbuns pela Warner Music japonesa, que o compositor adentra de uma forma mais profunda nessa erudição contemporânea dotada de texturas minimalistas com sound design sofisticado: casos dos álbuns Comica (Warner Music Japan, 2002) e Elephantism (Warner Music Japan, 2002), onde presenciamos essas texturas diluídas em atmosferas pianísticas, samplers, arranjos vocais e orquestrais e eletrônica ambient. Outra associação interessante é a dupla que Sakamoto empreendeu com o tecladista e manipulador de eletrônicos Carsten Nicolai (aka Alva Noto), com o qual lançou uma sequência de álbuns, incluindo o registro utp_ (2008) com a orquestra contemporânea alemã Ensemble Modern, que traz peças elaboradas com uma profusão de ruídos instrumentais e efeitos eletrônicos dentro de uma estética avançada nos termos da ambient music. Ademais, a criatividade inquietante de Ryūichi Sakamoto nunca permitiu que ele ficasse por muito tempo explorando apenas uma estética: há trabalhos onde compositor japonês ainda apresenta curiosos trabalhos experimentais que extrapolam os limites minimalistas da ambient music e vai ainda mais fundo na arte do ruído. Ryūichi Sakamoto também é considerado um dos grandes compositores de trilhas sonoras das últimas décadas.


   
Anthracite Fields (Cantaloupe Music, 2015). A compositora Julia Wolfe, também conhecida por ser fundadora e diretora artística do célebre do projeto e ensemble Bang on a Can junto com os compositores Michael Gordon e David Lang, é uma das principais compositoras da atualidade. Sendo um expoente do pós minimalismo, Julia Wolfe é conhecida pela capacidade de misturar, numa mesma composição, aspectos do jazz, das canções do pop e do rock com vozes medievais, padrões repetitivos minimalistas e outras influências neoclássicas, neorromânticas e modernistas. Através do projeto Bang on a Can, Julia Wolfe e seus colegas criam um movimento em prol da música contemporânea -- nas áreas de Tribeca e SoHo em Manhattan -- que passou a fomentar obras suas e de outros compositores modernos e contemporâneos através de concertos, festivais, apresentações em lofts e discos editados pelo selo Cantaloupe Music, também fundado por eles. A influência do pop pode ser ouvida em várias das obras de Julia Wolfe: vide as peças Lick e Believing escritas para o Bang on a Can All-Stars, sendo Lick uma peça baseada em fragmentos do funk; vide a estridente My Lips From Speaking para seis pianos, a qual foi inspirada no riff de abertura da música "Think", de Aretha Franklin. É preciso lembrar, também, que Julia Wolfe nem sempre incorpora apenas as texturas pós minimalistas no sentido estrito da estética: algumas das suas obras são dotadas de uma curiosa visceralidade -- quando não de um inexplicável caráter idiossincrático. "Dark Full Ride", por exemplo, é uma explosiva peça para bateria solo, enquanto "Lad" é uma exposição para nove (!) gaitas de fole. Mas a obra que quero deixar como indicação aqui no blog é seu oratório Anthracite Fields, que em 2015 lhe fez ganhar o Prêmio Pulitzer: a peça -- que traz esse mesmo espírito de misturas de pop, vozes medievais, aspectos minimalistas e outras influências -- baseia-se em histórias contadas, entrevistas e discursos sobre a extração de carvão antracite na Pensilvânia -- e a peça homenageia, enfim, os trabalhadores que trabalhavam nessas minerações. Apesar do caráter não comercial de suas peças, Julia Wolfe se tornou um expoente inconteste da música contemporânea.