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Facts & News not to Forget 2024: as estatísticas animadoras do site Bachtrack sobre música erudita; a patética fusão da Pitchfork com a GQ Magazine; as demissões de 50% da estrutura do Bandcamp após sua venda para a Epic Games


Chega a ser um paradoxo que o mercado da música, a forma de arte mais humanista da nossa existência, esteja se tornando cada vez mais desumano em prol da ganância corporativa via novas aplicações da Inteligência Artificial (I.A). Nas plataformas de streaming onde curtimos música, os algoritmos não apenas nos enfiam tímpanos adentro novos tipos de manipulações de conteúdo —— uma enxurrada de notificações que não nos interessam, playlists robotizadas baseadas em números de likes e views, padrões robotizados de edição de conteúdo, além de uma enxurrada da propagandas de produtos que não precisamos ——, mas também estabelecem um novo modelo de censura onde o músico e artista tem cada vez menos autonomia, cada vez menos capacidade de concorrência e retorno depois que ele faz o upload dos seus singles e álbuns nas tais plataformas de streaming. O assunto aqui é, lógico, a música inteligente: a música sofisticada, cerebral, experimental..., o underground, a música instrumental, o jazz, a música erudita, e até o avant-pop, o indie rock, a MPB dotada de intelecto e arranjos elaborados e outras formas de música onde a arte e o humanismo sejam as principais prerrogativas. Para esses gêneros e nichos autenticamente mais artísticos e humanistas —— que estão fora da bolha viral emburrecedora do pop pornô e das canções de corno desse sertanejo de alcunha "agro pop" —— a perda de espaço, a falta de um retorno financeiro que ao menos pague os custos de produção e os consequentes prejuízos são cada vez mais iminentes. No Spotify, essas reclamações já são históricas e os descasos só pioram. E até o Bandcamp, que ainda é uma das poucas plataformas de streaming lucrativas a dar mais autonomia e retorno aos músicos e bandas que tem esse tino de empreendedorismo mais independente, parece estar sucumbindo ao novo modelo de negócio onde os algoritmos estão a substituir pessoas e a ganância está a desconsiderar o valores intrínsecos da ARTE e do HUMANISMO no espectro da música. O horror constante, e que só tende a piorar, é que o capitalismo ruma para ser cada vez mais tóxico e selvagem, transformando tudo e todos em meros produtos com margens de lucros gananciosas, produtos que rapidamente podem ser substituídos por outros produtos cada vez mais virais, num ciclo vicioso onde o trabalho seja cada vez mais desvalorizado e o produto seja vendido cada vez mais a preços que ofereçam uma gananciosa margem de lucro. Apenas o lucro e os rendimentos a juros compostos importam, ganhos que acabam alimentando ainda mais a ganância das grandes corporações, as quais, por sua vez, acabam comprando as gravadoras menores, as marcas emergentes e as poucas plataformas independentes de sucesso com a intenção única e exclusivamente de garantir um market share que lhes assegure poder e domínio absolutos. Socialmente falando, isso é muito doentio...

Nesse regime mais atual, portanto, é natural que startups inovadoras, marcas e plataformas da indústria cultural que trouxeram uma maior democratização dos meios de produção musical, como fez o Bandcamp, sejam vistas como brinquedinhos que podem ser facilmente negociados pelos gananciosos CEO's e suas gigantes corporações. E isso até demorou. Até podíamos supor, nos anos 2000, que a internet realmente estaria permanentemente democratizando o acesso das pessoas à arte e cultura, sem custos abusivos —— tudo poderia se tornar produto, mas a arte e a cultura estariam mais acessíveis para garantir que as pessoas ao menos pudessem amenizar o ônus de não terem tido uma educação escolar de qualidade. Estava tudo muito bom para ser verdade. Então daí, a partir de meados da década de 2010, as grandes empresas que dominavam as industrias da comunicação e do entretenimento antes do advento da internet contra-atacaram com lobbys infiltrados na política (com políticos sendo comprados para aprovarem leis de copyright mais severas) e com aquisições de plataformas e startups para, assim, voltarem a ter os domínios e os monopólios que dantes detinham. E as notícias comentadas abaixo abordam essas facetas do mercado da música. A começar com a venda do website de música Pitchfork para a gigante Condé Nast, que agora decidiu fundi-la com a GQ Magazine. Também abordaremos a compra do Bandcamp pela Epic Games, que agora também acaba de vender a plataforma para a multinacional Songtradr. Enfim..., o cerco digital dos monopólios às startups e plataformas é massivo e iminente. A internet ainda é um meio ilimitado de comunicação e de empreendedorismo para todos, mas cada vez mais as corporações atuam para dominar os espaços tomados pelo empreendedorismo independente. No demais, ao menos no universo físico, as estatísticas que envolvem as programações de concertos de música erudita mostram que nem tudo está perdido. É o que mostram os estudos do site Bachtrack, os quais comentaremos abaixo (vide as imagems dos dashboards acima). Vale ressaltar, aliás, que, mesmo as grandes cooperações atuantes no antiquado e vitoriano nicho da dita "música clássica", tiveram de se atualizar e flexibilizar entre as décadas de 2000 e 2010 por conta do surgimento de um movimento de compositores, músicos e gravadoras independentes que atraíram um grande público ávido por música nova, por música contemporânea —— e ainda que o mercado tente, hoje, puxar os compositores contemporâneos para dentro de uma espécie de neoclassicismo manjado, esse fenômeno foi e ainda é deveras enriquecedor. Abaixo comento esses fenômenos a partir dos noticiários emitidos pelas próprias fontes envolvidas.
 

Foi em janeiro deste ano de 2024 que a Condé Nast, uma das grandes corporações americanas do ramo de edição de revistas, emitiu um memorando de que a famosa magazine on line de críticas musicais Pitchfork seria anexada à GQ Magazine, revista de comportamento e moda masculina. A fusão visaria estabelecer uma estrutura mais enxuta para permitir maior sobrevida à Pitchfork, que desde meados dos anos 2000 vinha sendo um baluarte de grande holofote em termos de crítica musical na internet, mas que nos últimos anos vinham decaindo do seu auge. Fundada em 1996 como uma fanzine por Ryan Schreiber, na época um garoto de Mineápolis que ainda estava fase da high school, a Pitchfork logo se tornaria a publicação de maior sucesso entre aquelas que surfaram na nova onda dos sites alternativos, serviço de compartilhamento de arquivos (tais como o Napster, por exemplo) e blogs informativos que passaram a oferecer na internet uma cobertura mais focada nos gêneros indie e underground, um nicho que grandes revistas tais como a Billboard Magazine e Rolling Stones não viam como uma fonte atraente de lucro. Schreiber e sua fanzine, então, não apenas ganharam anunciantes e audiência dentro desse nicho de bandas indies e underground como também passaram a oferecer formatos de resenhas, top lists, entrevistas e artigos com estilos de escrita, abordagens, revisões e avaliações mais chamativos e descolados em relação ao estilo de crítica musical jornalística já tarimbado, fato que acabou elevando seu conceito até tornar a Pitchfork uma marca emblemática do ramo das publicações sobre musica. Inicialmente focada em artistas indie e novos artistas outsiders dos gêneros de música eletrônica, pop, hip hop e rock, aos poucos a Pitchfork também foi contratando mais resenhistas e englobando gêneros como R&B, folk, jazz, e música experimental —— e sempre mantendo, nesse início, um caráter mais indie e outsider. Em 2005, Schreiber já tinha expandido bastante a empresa, já tinha levado a Pitchfork para Chicago e já conseguia publicar mais resenhas e cobrir mais lançamentos do que qualquer revista tradicional de música, inclusive desbancando publicações seminais como as já citadas Billboard Magazine e Rolling Stones em termos de quantidade de conteúdo, de views e de engajamento. O fato é que as resenhas da Pitchfork já começavam a ter cacife até mesmo para definir o sucesso de lançamentos de novas bandas e de vendagens de álbuns. Não apenas as controversas notas avaliativas emitidas pelos resenhistas da Pitchfork —— sempre baseadas numa nota que poderia valer de 0 a 10 —— se tornaram de grande referência, como também a marca se expandiu para abranger outros formatos, canais e meios de comunicação: a magazine publicou top lists de álbuns clássicos e seminais abrangendo vários gêneros de música, lançou uma revista no formato físico, promoveu festivais que levaram seu nome e que se tornaram dos mais importantes —— com vários novos artistas e bandas ganhando proeminência nesses festivais, inclusive ——, fundou seu canal de vídeos com entrevistas (o Pitchfork.tv) e até lançou um livro chamado The Pitchfork 500, no qual abrangeu os melhores álbuns dos anos 70, 80 e 90. Mantendo um crescimento constante tanto em termos de faturamento como em termos de influência, a Pitchfork manteve-se no auge até meados da primeira metade da década de 2010, quando os efeitos da massificação das redes sociais e das plataformas de streaming já começavam a afastar os usuários das suas páginas. Foi, então, que em 2015 a Condé Nast fez uma oferta de compra para Ryan Schreiber e seu sócio, Chris Kaskie, e logo adquire a marca Pitchfork e todo seu staff. É nessa época, então, que a diretriz indie e outsider perdeu espaço e a abordagem e o teor das publicações começaram a pender mais para o mainstream, talvez na tentativa de recuperar o faturamento que já vinha apresentando decréscimo. Seu auge, contudo, já havia mesmo passado. Agora em 2024, após sucessivas quedas de rendimento e visitantes, a Condé Nast anuncia a fusão do web site com a GQ Magazine, demitindo boa parte do seu staff —— de 50 colaboradores, entre editores e chefes de editoriais, sobraram apenas uma dúzia deles a dividir o mesmo espaço e as mesmas instalações com a a GQ Magazine. O impacto na quantidade de resenhas e a repercussão midiática foram imediatos. Ainda que a Pitchfork continue sendo um ótimo website de música para se visitar, de agora em diante será cada vez mais difícil para o website manter a combinação de uma cobertura ampla do indie e do underground com a qualidade despojada que tanto atraiu o jovem ouvinte mais outsider nos anos 2000 e 2010. E não à toa, diversos outros jornais, sites, publicações e canais da mídia externaram seus elogios e, ao mesmo tempo, suas condolências para lamentar esse declínio da Pitchfork, salientando que a revista de fato representou uma inovação sem precedentes no ramo da crítica musical on line. Que a marca se reempodere e volte a ser uma alternativa atraente!!!

Quais são as estatísticas da música da música erudita hoje? E quais são as mudanças que estão acontecendo nessa importante seara da arte musical? O site Bachtrack —— uma das grandes revistas on line especializadas em resenhas, listas, artigos, entrevistas e agendas de concertos, com milhares de conteúdos meticulosamente veiculados —— acaba de lançar um amplo estudo estatístico que não apenas responde essas perguntas, mas nos faz ter esperanças quanto a um futuro mais igualitário dentro da música erudita. Em 2023, Bachtrack listou 31.309 eventos distintos (cerca de 4.000 a mais que no ano anterior), compreendendo mais de 16.000 concertos, 9.000 apresentações de ópera e quase 6.000 apresentações de dança. A partir desses números e outros milhares de dados coletados a nível mundial —— do ano de 2023 e da última década ——, a revista conseguiu montar indicadores mais do que reveladores. Uma descoberta notável nos últimos dez anos foi o aumento constante de compositores contemporâneos nas programações de concertos, mais especificamente de obras de compositores vivos: de 2013 até 2023, os indicadores mostram que as execuções de música contemporânea aumentaram de cerca de 6% para 14%, sobretudo no Reino Unido, onde aumentou de 6% para 15%, e nos EUA, onde aumentou de 7,5% para 20% —— e mesmo em países com histórico de programações anuais mais conservadoras como o Japão, a Áustria e a França, onde há comparativamente menos apresentações de música contemporânea diante de grades mais repletas de classicismo (com obras dos períodos barroco, clássico e romântico), houve sensível aumento se comparado com as décadas anteriores. (O Brasil, por motivos lógicos, nem entrou no mapa: aqui as programações são quase sempre antiquadas, são quase sempre majoritariamente calcadas num clacissismo pedante onde a música mais contemporânea que você pode ouvir será uma sinfonia de Mahler ou as Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos). Esse aumento do interesse dos curadores e do público por música contemporânea anda lado a lado com uma maior valorização do papel criativo da mulher enquanto compositora: isso porque o estudo também revelou que compositoras contemporâneas vivas tais como Sofia Gubaidulina, Caroline Shaw, Unsuk Chin e Anna Clyne estiveram entre os 100 compositores mais tocados em 2023. Também aparecem no top 100 compositoras do perído romântico tais como Clara Schumann, Fanny Mendelssohn e Lili Boulanger. Dessa forma, ao considerar datos coletados indiscriminadamente de todas as programações —— clássicas e contemporâneas ——, 22 dos 200 compositores mais tocados atualmente são mulheres, tendo havido aí um aumento considerável, haja vista que em 2013 apenas 2 compositoras estavam entre os 200 compositores mais tocados. Da mesma forma, houve um aumento considerável quanto ao papel das maestrinas. Dos 100 maestros mais ocupados atualmente, 14 são mulheres, sendo que em 2013 havia apenas 4 mulheres entre os 102 regentes mais ocupados. Contudo, a desigualdade e o escanteamento da mulher no universo erudito ainda é alarmante. Isso porque ao verificar as 102 maiores orquestras ao redor do mundo, a Bachtrack identificou que o posto de maestro principal eram ocupados por 95 maestros homens, com apenas 7 mulheres ocupando o cargo de maestrinas principais. Ademais, a Bachtrack também estudou as tendências quanto aos compositores que tiveram suas obras mais executadas. As sinfonias de Mahler estão sendo quase duas vezes mais executadas hoje do que em 2013, enquanto o número de execuções das peças de Kurt Weill tiveram um aumento 2,6 vezes a mais do que em 2013, sobretudo dentro da própria Alemanha que, nos tempos do nazismo, praticamente expulsou o compositor, que em sua época compunha um tipo de música muito ligado ao teatro moderno de Bertolt Brecht e ao conceito vigente de ecleticidade e de "música utilitária" —— esse aumento, aliás, chega a ser curioso diante do fato de que muitas das peças de Weill ainda são protegidas por diretos autorais. Questionada sobre o que poderia ter impulsionado um maior número de execuções das peças de Weill, a Fundação Kurt Weill especulou que o pioneirismo do compositor —— em compor obras que foram rechaçadas pelo sistema nazista nas décadas de 1930 e 40 —— volta, agora, a ser ainda mais relevante diante das polarizações e dos desafios políticos e sociais que tem aumentado na Europa e mundo contemporâneo como um todo. Os dados referentes a outros compositores modernos já consagrados tais como Schoenberg, Stravinsky, Ligeti e Penderecki, por exemplo, não apresentaram maiores variações, o que mostram que esses pioneiros da modernidade mantém sua influência intacta. Ademais, sentimos falta de uma maior atenção quanto aos dados relacionados aos compositores afrodescendentes, os quais também tem recebido maior atenção nas programações e premiações —— ao menos é o que o Pulitzer e o Grammy Award têm mostrado em seus últimos certames. Ainda assim, a Bachtrack identificou que peças de dança (musicais, balé, teatro musical e etc) compostas por compositores afro-americanos, como "Night Creature" e "Reflections in D" de Duke Ellington e "For Four" de Wynton Marsalis, também foram várias vezes apresentadas em 2023, com destaque para o foco que o coreógrafo afro-americano Alvin Ailey deu para essas obras. Temos, enfim, um panorama atual mais esperançoso. É o que, ainda no século 21, aguardamos: que os compositores modernos e contemporâneos tenham suas obras sendo mais executadas, e que as mulheres e os músicos e compositores negros tenham mais espaços dentro do discriminatório sistema da música clássica.

O Bandcamp, o streaming que deu espaço para que músicos, bandas e gravadoras independentes pudessem disponibilizar e vender suas gravações e álbuns de forma a ter mais controle de distribuição, também tem sido uma das plataformas de tecnologia a passar por mudanças e reformulações. O modelo de negócios do Bandcamp foi inovador porque ele foi a primeira plataforma a permitir que artistas enviassem e vendessem suas músicas diretamente aos fãs, com a opção da galera comprar cópias físicas como vinil ou CDs dentro da própria plataforma. Além de um controle mais direto sobre o tipo de formato a ser vendido aos fãs (download, CD, vinil e etc), o Bandcamp também é mais compensador para o artista independente, uma vez que é o próprio artista quem define o preço com o qual quer vender seu material, enquanto a plataforma retém apenas uma pequena porcentagem das vendas —— diferente do Spotify, por exemplo, que oferece ao artista o privilégio de ser apreciado por uma massa de assinantes praticamente global, com mais de 600 milhões de assinantes em todo o mundo, mas é criticado por pagar aos artistas e bandas míseros US$ 0,00397 por cada play (ou 3,97 dólares para cada mil players), só sendo lucrativo aos artistas e bandas já famosos e com inúmeros milhões de players mensais. O fato é que o Bandcamp também não conseguiu fugir dos necessários ajustes pelos quais praticamente todas as plataformas de tecnologias estão passando. Do Faceboock à Netflix, da Microsoft ao Twitter (agora chamado apenas "X"), a maioria das plataformas já tiveram que vender ativos, demitir um grande quadro de pessoas e ajustar seu pricing e seu operacional diante das mudanças impulsionadas pela Era da Inteligência Artificial (I.A), onde os algoritmos estão sendo treinados para efetuar praticamente qualquer trabalho rotineiro de um engenheiro ou analista e até mesmo um editor. Lembremos que foi já em 2022 que os fundadores do Bandcamp (fundada em 2008) venderam a plataforma para a Epic Games, que, além da sua proeminência no mercado de video-games, também tinha interesse em expandir seu market share a partir do streaming de música. Contudo, agora no final de 2023 a Epic Games desistiu de manter o Bandcamp e anunciou a venda da plataforma para para a multinacional de música Songtradr, considerada a maior empresa de licenciamento de música do mundo. Os valores envolvidos —— de aquisição, lucros, prejuízos, etc e etc —— não são divulgados, mas ao que tudo indica o Bandcamp vinha tendo pleno crescimento como a plataforma mais atraente para músicos e bandas independentes: isso porque a plataforma anunciou que as vendas dos formatos de mídias físicas tinham dobrado de 2019 para 2020; também tendo anunciado a estreia do Bandcamp Live 2020, um serviço de transmissão ao vivo; e, em 2021, a plataforma deu acesso limitado a 10.000 artistas independentes em todo mundo, dando partida em um plano de expansão adicional. Contudo, ao comprar o Bandcamp, o Songtradr enquadrou para que a própria Epic Games efetuasse um total de demissões de 50% do staff da plataforma antes da transação, alegando ser um inevitável "mal necessário": foi alegado que em face ao crescimento do custo operacional, "as finanças atuais do Bandcamp requeria alguns ajustes para garantir que a empresa continuasse sustentável e saudável" —— a mesma ladainha corporativa que desconversa, omite o real motivo que é quase sempre centrado em lucro ao mesmo tempo de desconhecer o valor cultural, e ainda faz com que entusiastas do liberalismo econômico acreditem que esse modelo desumano de capitalismo, do lucro pelo lucro, é sempre a única e mais saudável saída. Por causa das demissões, parte dos funcionários do Bandcamp formaram um sindicato próprio para tentar negociar e minimizar a situação, na tentativa de que, após a transação de aqusição, a Songtradr recontratasse ao menos parte dos funcionários demitidos —— esforço que, logicamente, foi driblado e negligenciado. E do lado de cá, ficou a preocupação de como a qualidade do serviço da plafatorma será afetada. Nesse caso, como o Bandcamp vinha de pleno crescimento, não há ameaças quanto a um eventual encerramento das atividades. Mas o que preocupa os fãs é se o ótimo serviço efetuado manualmente pelos funcionários será mantido numa eventual mudança onde, agora, sejam os algoritmos a ditar os conteúdos veiculados dentro da plataforma. Como um usuário assíduo, eu mesmo já senti mudanças negativas. As listas de "melhores lançamentos" mensais que os editores do Bandcamp escolhiam por gêneros —— "os melhores álbuns de jazz de janeiro", "os melhores álbuns de música experimental de fevereiro", "os melhores álbuns de música erudita de março", etc, etc... —— praticamente sumiram entre fins de 2023 e este início de 2024. E muitos dos ótimos artigos temáticos que o Bandcamp publicava toda semana, também sumiram. Isso já é, claro, uma consequência direta dessa fase de arrocho e demissões. Nossa esperança, enfim, é para que o Bandcamp retome a excelente produção de conteúdos de antes e para que não adote a estratégia furada de trocar pessoas por algoritmos na edição de artigos, elaboração de listas e indicações de discos, uma vez que a música é uma arte humana disposta de fatores identitários e emocionais que só humanos tem a autocapacidade de abstrair e repassar a outros humanos. Eu mesmo odeio aquelas playlists do Spotify criadas pela própria I.A do streaming: sempre me deparo com o Spotify me empurrando uma enxurrada dessas listas chamadas "mixes" as quais não fazem nenhum sentido para mim, isso quando não me deparo com aquelas playlists do estilo "best contemporary jazz" com estilos de música relaxante que nada tem a ver com jazz e com nomes de artistas dos quais nunca nem ouvi falar nessas quase três décadas em que escuto jazz ininterruptamente.




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