Seguindo uma abordagem ampla do universo do jazz -- citando do Wynton Marsalis Septet até a banda Material, de Bill Laswell, que no rigor dos jazzófilos puristas jamais seria citada --, resolvi relacionar 30 bandas emblemáticas que contribuíram para a amplitude deste gênero instrumental que se tornou uma das maiores e mais globais influências musicais do século 20 e continua sendo agora no século 21. A idéia aqui é citar da banda mais comercial até as mais experimentais. O universo do jazz, nas últimas quatro décadas -- dos anos 80 até a década de 2010 --, evidenciou uma infinidade de músicos e bandas importantes -- de veteranos à jovens músicos -- que contribuíram tanto pelas vias da retomada das estéticas históricas sob visões particulares (neo-bop, post-bop, jazz-funk e etc), como pela também pela inovação e inventividade (eletrônica, m-base e etc), como pela experimentação radical (free jazz, avant-garde jazz e etc), como ainda pelas misturas de estilos e estéticas diversas (chamber jazz, mordern creative e etc). A ideia aqui, portanto, é citar bandas de todos os estilos e que usam dos mais variados elementos -- incluindo elementos fora da esfera jazzística --, mas que sejam bandas com históricos de contribuições instrumentais inquestionáveis ao gênero nas últimas quatro décadas: contribuições em termos de composição, abordagens, texturas, timbrísticas, rítmos, harmonia, métricas, diretrizes melódicas, diretrizes estéticas em geral. Sabemos que trinta ainda é um número simplista para falar da amplitude do jazz nas últimas quatro décadas, mas podemos dizer que esta compilação faz um resumo das variabilidades que tivemos: por essas trinta bandas praticamente podemos encontrar as principais manifestações, tendências, inovações mudanças e misturas estéticas dos últimos 40 anos -- assim como também os músicos que compõe estas trinta bandas são nada menos do que os principais nomes do jazz criativo das últimas quatro décadas. Confira abaixo, então, as bandas mais emblemáticas e influentes dos últimos quarenta anos! Para quem quiser ouvir mais à fundo, ouça a playlist no final do post e pesquise sobre estas bandas, compre e ouça seus álbuns nas plataformas: Amazon, Spotfy, Deezer, Apple, Youtube e etc.
Prime Time (1975 - 1995)
Estilos e elementos: free-funk (harmolodics, free jazz, funk, rock, fusion, world music)
Por que essa banda é essencial? Porque através desta banda Ornette Coleman mantém sua música contemporânea -- através das conexões com o jazz fusion via instrumentos elétricos -- e dá origem ao estilo do "free-funk", que influenciaria desde a nova vanguarda da Downtown a emergir no final dos anos 70 até os novos músicos do Brooklyn a emergir no início dos anos 80. influenciado pelo jazz fusion recém emergido no início dos anos 70 -- uma mistura de jazz, rock, funk e world music com uso dos instrumentos elétricos e eletrônicos --, o "pai do free jazz" funda sua banda Prime Time pela qual passa a desenvolver suas teoria harmolódica de uma forma ainda mais idiossincrática. O resultado é o surgimento do subgênero do free-funk através de uma incomum formação com duas guitarras (com Bern Nix na primeira guitarra e Charlie Ellerbee na segunda), um contrabaixo elétrico (com Jamaaladeen Tacuma) e uma bateria (com Ronald Shannon Jackson, que logo seria assumida por Denardo Coleman, seu filho adolescente) -- tendo, ainda, pontuais pitadas de teclados eletrônicos, sintetizadores e cacofonias percussivas advindas da música africana e oriental. Entre atos e hiatos, a banda durou de 1975 até 1995, eternizou vários temas inusitados de Ornette Coleman e manteve o frescor contemporâneo e o humor característico da música deste gênio. Alcançando seu ápice em 1979 através do álbum Of Human Feelings (Antilles, 1979) -- um registro onde Ornette tenta, sem muito sucesso, mostrar temas mais próximos à nova onda da disco e pop music, se é que isso fosse possível, dada o exotismo e a idiossincrasia da sua música --, a Prime Time influenciou desde a nova geração dos jovens do cenário da música no wave e experimental da Downtown até a nova geração do m-base encabeçada pelo saxofonista Steve Coleman.
Pat Metheny Group (1977 - até o presente)
Estilos e elementos: jazz fusion (rock, word music, pop, folk, brazilian music, crossover, smooth jazz)
Por que essa banda é essencial? Porque é uma banda que equilibra toda a experimentação do jazz fusion -- através dos inúmeros instrumentos elétricos e, posteriormente, dos novos instrumentos eletrônicos e digitais -- com uma nova proposta comercial conhecida como "crossover", sem deixar de lado as inúmeras possibilidades da word music. Na segunda metade dos anos 70, o jovem virtuoso guitarrista Pat Metheny, pegando carona na onda do jazz fusion, começou a mostrar uma nova concepção de guitarra com efeitos inovadores -- efeitos de delay e reverb, entre outros --, além de uma sinergia emblemática com seu tecladista Lyle Mays, que também foi co-responsável pela sonoridade inovadora do Pat Metheny Group através do uso de novos efeitos em seus teclados e sintetizadores -- isso ainda nos analógicos, antes dele experimentar os primeiros teclados e sintetetizadores efetivamente digitais em meados dos anos 80. Apesar do jazz fusion já mostrar sinais de saturação já em meados dos anos 80, o Pat Metheny Group não apenas foi o grupo de maior sucesso do gênero nos anos seguintes, como também se manteve ativo nas décadas posteriores através da sua diretriz crossover -- de mostrar conexões palatáveis com a música latina, brasileira, folk, vocalises pop, entre outros elementos --, bem como através das conexões com músicos virtuosos e multiinstrumentistas convidados, tais como Naná Vasconcelos, Pedro Aznar, Armando Marçal, Nando Lauria, Richard Bona, Grégoire Maret, entre varios outros sidemans fixos e convidados especiais. Variabilizando-se entre registros comerciais e outros mais conceituais e elaborados, o Pat Metheny Group já passou pelos mais variados formatos e mantem ativo até os dias de hoje, inclusive com versões acústicas da banda, vez ou outra. Dez, dos vinte Grammy Awards ganhados por Pat Metheny, vêm desse grupo emblemático.
Wynton Marsalis Quintet-Quartet (1981 - 1988)
Estilos e elementos: neo-bop, post-bop (modal jazz, standards, bebop, blues, ballads)
Por que essa banda é essencial? Trata-se de uma das maiores bandas da história do jazz por retomar o jazz acústico através de uma estética modal de uma forma imprevisível, avançada e contemporânea para sua época, seguindo com uma evolução que havia parado lá atrás com Miles Davis, Wayne Shorter e Herbie Hancock antes das suas respectivas fases elétricas. Retomando o "jazz modal", o Wynton Marsalis Quintet deixou uma marca indelével na historia do jazz pelo virtuosismo, fraseados intricados, coesão e visceralidade dos músicos. Com essas características o Wynton Marsalis Quintet praticamente dominou todas as atenções midiáticas da época, sendo responsável em retomar o jazz acústico frente à onda elétrica do jazz fusion que atravesou os anos 70 e chegava cada vez mais desfigurado nos anos 80 -- onda essa que Wynton, afinal, criticava por ser uma estética que havia evoluído quase que completamente para um afastamento em relação às origens dos mestres históricos do jazz, a ponto de já flertar com a instrumentação pop e nem ser considerada mais "jazz", segundo sua opinião. Formada em 1981 -- em paralelo a um momento em que Wynton havia sido convidado por Herbie Hancock para substituir o trompetista Freddie Hubbard em uma turnê do grupo VSOP --, a primeira formação do quinteto tinha seu irmão Branford Marsalis ao saxofone, Kenny Kirkland ao piano, Charles Fambrough no contrabaixo e Jeff "Tain" Watts na bateria. O primeiro registro, o álbum homônimo Wynton Marsalis (Columbia, 1982), traz, então, quatro faixas com os músicos remanescentes do VSOP (gravadas no estúdio da Sony em Tóquio, em meio à turnê para qual Wynton tinha sido convidado) e três composições próprias com seu recém formado quinteto (gravadas em Nova Iorque). Neste primeiro registro, apesar de Wynton e seu quinteto mostrarem que seu ponto de partida enquanto inspiração era o jazz modal que Miles Davis e Wayne Shorter evidenciaram na segunda metade dos anos 60, o jovem trompetista já deixa bem expressiva sua cativante identidade através de solos virtuosos e composições personalíssimas -- críticos da época não tardariam em dizer que havia chegado um novo fenômeno do jazz com um retorno repaginado ao bebop e ao post-bop, uma espécie de "neo-bop".
A personalidade de Wynton enquanto trompetista e compositor, assim como a energia do seu quinteto, cresce no registro seguinte, Think Of One (Columbia, 1983), onde ele mescla composições próprias -- vide os solos intrincados e enérgicos na faixa "Knozz-Moe-King" -- com standards e temas de Thelonious Monk e Duke Ellington, já mostrando sua predileção pela tradição dos grandes mestres. O ponto alto é atingido em 1985 no álbum de protesto Black Codes (From the Underground), um registro inteiramente de composições próprias onde Wynton se inspira nas leis de segregação racial aprovadas em 1866 após a Guerra Civil, fazendo uma comparação sinestésica às leis raciais em voga. Black Codes (From the Underground) é um álbum que já mostra a capacidade imagética das composições modais de Marsalis, além dos solos virtuosos dos seus sidemans, com destaque para a bateria polirrítmica e explosiva de Jeff Tain Watts e para o neo-bop extasiante do pianista Kenny Kirkland -- é um dos melhores álbums da história do jazz com poucos paralelos em termos de coesão, energia e atmosfera! Porém, quando a maioria dos críticos achavam que a visceralidade da banda levaria o jovem Wynton para uma direção cada vez mais progressiva, de repente o trompetista começou a endurecer seu discurso em defesa da tradição e foi gradativamente se tornando mais conservador em suas abordagens. À essa altura, Wynton Marsalis não apenas já havia produzido algumas intrigas e polêmicas com seu discurso sisudo em defesa do retorno ao jazz acústico e contra o fusion e o avant-garde -- trocando farpas, inclusive, com Lester Bowie e com o próprio Miles Davis, além de romper a parceria com seu irmão Branford (que começou a tocar com Miles e o pop singer Sting na época) --, como também já havia ganhado cinco prêmios Grammy e colecionado inimigos na mesma velocidade com que havia colecionado admiradores. Era o começo da ascensão meteórica de um trompetista e compositor que traria um choque de consciência para toda uma nova geração de jovens músicos que ficaria conhecida como "young lions". Com a saída de Branford Marsalis e Kenny Kirkland da banda, Wynton Marsalis convidou o pianista Marcus Roberts e prosseguiu, então, com um quarteto, formato com o qual terminaria essa sua primeira fase antes do seu resgate ao "back to basics", onde ele volta-se totalmente para o jazz tradicional. Com o quarteto, Wynton lançou três registros: J Mood (Columbia, 1986), marcado ainda por um contemporâneo sombreamento de acordes modais com acordes de blues, em alusão à obra do pintor e artista plástico Romare Bearden; Marsalis Standard Time, Vol. I (Columbia, 1987), sendo este o primeiro álbum da série de releituras à standards tradicionais do songbook americano; e Live at Blues Alley (Columbia, 1988), um dos enérgicos registros ao vivo que todo jazzófilo deveria ter em sua estante!
Branford Marsalis Quartet (1986 - até o presente)
Estilos e elementos: neo-bop, post-bop (modal jazz, free jazz, standards, bebop, blues, ballads, New Orleans jazz)
Por que essa banda é essencial? Porque é a continuidade do neo-bop visceral e do post-bop que resgataram o jazz acústico com força total nos anos 80, além de ser manter ativa até os dias de hoje como uma das bandas mais representativas do jazz contemporâneo. Assim que Branford Marsalis sai do quinteto do irmão Wynton em 1986, ele forma sua própria banda, seu quarteto, para o qual também convida os remanescentes Robert Hurst (contrabaixo), Kenny Kirkland (piano) e Jeff "Tain" Watts (que ainda continuaria assumindo a bateria do quarteto de Wynton até 1988). Dotado de um fraseado intrincado e sendo um dos mais talentosos e mais técnicos saxofonistas da sua época, Branford Marsalis dá prosseguimento à estética modal neo-bop e ao post bop que já vinha empreendendo junto ao irmão trompetista. Mas com um porém: além, de mostrar suas próprias composições e seu próprio estilo neo bop, ele também passa a gravar releituras e temas onde expressa suas impressões em relação aos grandes saxfonistas da historia do jazz, abordando de Sonny Rollins à Wayne Shorter, de John Coltrane à Ornette Coleman, de Ben Webster à Jan Garbarek, o que posteriormente expandiu as abordagens da banda. O álbum Random Abstract (Sony Music, 1987) é um dos registros emblemáticos que mostram que o novo fenômeno do jazz consistia mesmo em voltar-se à história para reexaminar as origens e imprimir releituras dos grandes mestres, ainda que de uma forma alusiva e pessoal. Mesmo seguindo, agora, uma linhagem aparentemente mais contemporânea que o irmão Wynton -- que acabara de embarcar numa viagem completamente voltada ao passado de Louis Armstrong e Duke Ellington --, em alguns momentos Branford também seguiria com a tendência de voltar-se ao blues e ao jazz tradicional de New Orleans, vide o álbum I Heard You Twice the First Time (Sony Music, 1992), onde o saxofonista convida os guitarristas B.B. King, John Lee Hooker e Russell Malone e o próprio Wynton Marsalis para fazer um tributo ao blues. Em 1992, o Branford Marsalis Quartet pára suas atividades e inicia um hiato que duraria até 1998: o motivo seria os vários projetos pessoais de Branford, sua admissão como diretor musical do The Tonight Show na emissora NBC e seu sucesso com seu novo projeto de jazz-rap, o Buckshot LeFonque. O quarteto retorna em 1998 com o álbum Requiem (Sony, 1999) -- último álbum com a presença do pianista Kenny Kirkland que faleceu em seguida -- já imerso em um post-bop mais contemporâneo. Encontrando um substituto à altura de Kirkland, o pianista Joey Calderazzo, Branford segue agora com uma linhagem cada vez mais contemporânea e expansiva, algumas vezes fazendo um mix de neo-bop e pitadas de free jazz, como é o caso do álbum Contemporary Jazz (Sony Music, 1999). No álbum seguinte, Footsteps of Our Fathers (Marsalis Music, 2002) Branford faz virtuosas releituras sobre temas, peças e suítes de Ornette Coleman, Sonny Rollins (The Freedom Suite) e John Coltrane (A Love Supreme). Alcançando uma surpreendente coesão -- e mesclando-se entre composições contemporâneas e o resgate à tradição --, o Branford Marsalis Quartet continua sendo até os dias de hoje uma das bandas mais poderosas e representativas do jazz contemporâneo.
Steve Coleman and Five Elements (1985 - até o presente)
Estilos e elementos: m-base (bebop, soul, harmolodic funk, hip hop, fusion, free jazz, african rhythms, asian rhythms, carnatic music, afro cuban rhythms)
Por que essa banda é essencial? Porque é um dos grupos mais inovadores e híbridos da história do jazz, responsável por fundar o conceito do m-base do saxofonista Steve Coleman, conceito esse que, através de composições em compassos ímpares e compostos, estilizou-se em uma fusão generalizada de estilos e elementos americanos tais como bebop, funk, hip hop com ritmos e elemento africanos e asiáticos tais como a música youruba, a música indicana carnática, os rítmos afro-cubanos entre muitos outros. Iniciando sua carreira no final dos anos 70 em bandas de funk e R'n'B, Steve Coleman foi aos poucos rumando para o jazz, tendo uma aproximação inicial com músicos legendários do free jazz e se identificando com o funk harmolódico de Ornette Coleman e sua Prime Time. No início dos anos 80, Steve Coleman se juntou ao trompetista Graham Haynes (conhecido desde sempre por seu apego ao hip hop e posteriormente a música eletrônica) e formou um novo núcleo de jovens músicos do Brooklyn tais como Gary Thomas, Geri Allen, Greg Osby, Robin Eubanks e Cassandra Wilsson. Sendo um estudioso tanto da diáspora moderna afro-americana -- do bebop ao free jazz, do funk ao hip hop -- quanto das tradições e religiões indianas, asiáticas e africanas, Steve Coleman já iniciou sua carreira solo com um projeto ambicioso de integrar essas e as outras várias influências que lhe tocava o espírito numa só concepção de arte musical: tendo, inclusive, feito diversas viagens para Cuba, Brasil, África e Ásia para estudar conceitos religiosos, ritmos e rituais musicais tradicionais, dos quais percebeu, inclusive, que muitas métricas percussivas indianas e africanas eram polirrítmicas. Para dar ênfase em sua nova jornada, então, em 1985 ele fundou sua banda The Five Elements e propôs um conceito chamado M-base ("macro-basic array of spontaneous extemporization") através dos quais desenvolveu teorias e filosofias musicais complexas e idiossincráticas sobre como integrar todos esses ritmos, rituais e influências sonoras numa só concepção musical, de forma contemporânea e afrofuturística. No início, o m-base foi visto apenas como uma concepção marginalizada usada apenas por estes músicos do Brooklyn. Posteriormente, porém, o m-base passou a ser encarado não apenas como um novo estilo mas como uma das maiores influências para as novas gerações do jazz, principalmente pelo uso de progressões harmolódicas e compassos inusuais (ímpares e compostos, tais como 5/4, 7/8, 7/4, 9/8, 11/8, 14/8, entre outros), fato que contribuiu para que o jazz contemporâneo se tornasse mais polirrítmico. The Five Elements passou por diversas formações musicais e vem ampliando seu leque de misturas sonoras de 1985 até os dias de hoje, sempre capitaneado por Steve Coleman. É a face mais complexa do jazz desde sempre.
Lester Bowie's Brass Fantasy (1985 - 1998)
Estilos e elementos: brass band (pop songs, free jazz, funk, ska, standards, electronics)
Por que essa banda é essencial? Porque Lester Bowie resgata o estilo "brass band" sob uma nova perspectiva de parodiar ironicamente os pastiches do pop e do funk, sem esquecer das suas origens freejazzísticas. Membro estelar da AACM (Assoaciation for Advancement of Creative Musicians) e um dos "cabeças" do legendário Art Ensemble of Chicago, um dos grupos pioneiros nas fusões do free jazz com aspectos da world music na década de 70, o trompetista Lester Bowie criou uma obra dotada de ímpar criatividade e ironia. Depois da efervescência do free jazz setentista, Bowie chegou à década de 80 incomodando -- de forma direta e indireta -- os críticos mais puristas e as bases do "novo jazz" dos young lions, nova "febre" que tomou o cenário americano a partir das fantásticas abordagens do jovem-fenômeno Wynton Marsalis, febre mais tarde rotulada de neo-bop. De um lado, o jovem trompetista Wynton Marsalis ressuscitava e renovava o jazz acústico com uma manutenção profunda dos elementos primordiais deixados pelos grandes mestres do passado. Do outro, lá estava Bowie com seu sarcasmo. Amparado pelo moderno selo alemão ECM, Bowie surgiu com uma peculiar "brass band" (banda de metais) entre os anos de 84 e 85, fazendo calorosas releituras do repertório pop, contrariando os esforços do jovem trompetista, que era, justamente, expurgar qualquer aspecto do fusion ou do pop para bem longe do jazz. Tudo era permitido nessa nova banda de Bowie: de músicas de Michael Jackson, passando por Willie Nelson, Whitney Houston até temas do rock de Marylin Mason, incluindo, também suas próprias composições e a dos seus compadres e companheiros de banda. Essa banda, eclética na escolha e única na estética, chamou-se Lester Bowie's Brass Fantasy e foi composta por nove músicos: nos trompetes figuravam Lester Bowie, Stanton Davis, Malachi Thompson e Bruce Purce; nos trombones figuravam Crag Harris e Steve Turre; no horn francês (também conhecido como trompa) estava Vincent Chancey; na tuba, Bob Stewart; e na bateria Phillip Wilson. Embora a proposta da Lester Bowie's Brass Fantasy fosse "brincar" com arranjos sobre temas manjados do funk e pop music, Lester Bowie também encomendava, para a banda, composições aos seus próprios sidemans e amigos do free jazz. E ele próprio compunha seus temas dedicados ao noneto: a composição mais célebre -- e a que fez grande sucesso na mídia, inclusive -- é "Coming back, Jamaica", um tema ao estilo ska que afirma a influência que a música jamaicana exerceu sobre sua a personalidade musical nos tempos em que trabalhou no país caribenho. Mas a proposta era realmente soar pop, soar diferente de uma big band de jazz ou uma brass band convencional. Os vestígios do free jazz estão explícitos em alguns poucos arranjos livres e, principalmente, nos solos distorcidos, rangidos e crispados de Lester Bowie e Malachi Thompson. O timbre e as marcações da tuba de Bob Stewart -- ora entortados por soluços e rangidos acústicos, ora misturados com efeitos eletrônicos -- é, ao lado dos solos do líder, o maior diferencial da banda.
Material (1979 - 1999)
Estilos e elementos: no wave, avant-garde jazz (fusion, industrial music, hip hop, electro-funk, noise rock, free jazz, turntablism, dub, electronics)
Por que essa banda é essencial? Porque é uma das bandas precursoras e pioneiras do novo avant-garde jazz a emergir entre o final dos anos 70 e início dos anos 80 marcado por influências que partem dos extremos do punk rock até englobar diversas manifestações experimentais do cenário no wave, além de ser uma banda dotada de assustadora versatilidade, riqueza de detalhes e variações estéticas em suas duas décadas de atuação -- tanto que a versatilidade da banda a credenciou para acompanhar desde DJs e rappers como Afrika Bambaataa, D.St, PHASE 2 e Fab Five Freddy, até cantores do pop e rock como Mick Jagger e Whitney Houston, passando por colaborações legendárias a músicos de jazz como Manu Dibango e Herbie Hancock (vide a trilogia de álbuns Future Shock de 1983, Sound System também de 1983 e Perfect Machine de 1988, alguns dos registros a definir o estilo do electro-funk.
Fundada no final dos anos 70 pelo contrabaixista Bill Laswell e músicos dissidentes da banda Zu Band, uma banda que mesclava rock progressivo com jazz e era residente no Zu Club de Manhattan, a banda Material logo passou a unir todas as influências que faziam base para o cenário experimental da no wave no cenário da Downtown (ou Baixa Mahattan, como também é conhecida), partindo desde o uso de elementos da free music até provocações advindas do punk rock e das mais novas e extremistas estéticas tais como noisecore e industrial rock, misturando-os com electro-funk, jazz fusion e turntablism (uma prática de hip hop que consistia em usar samples em toca-discos de forma experimental). Embora a Material seja uma banda de estética híbrida, com várias colaborações de cantores diversos -- até mesmo da cantora de pop e disco music Whitney Houston --, a riqueza instrumental da banda a credencia para ser enquadrada dentro do gênero avant-garde jazz mesmo tendo alguns álbums com foco vocal. Isso porque Bill Laswell sempre fazia questão de chamar os principais músicos do free jazz para compor a banda, além de priorizar por arranjos instrumentais mais crus. O álbum Memory Serves (Celluloid Records/ Elektra, 1981), por exemplo, é uma gravação essencialmente instrumental onde Bill Lasweell convida músicos ligados ao free jazz tais como o guitarrista Fred Frith, o cornetista Olu Dara, o saxofonista Henry Threadgill, o trombonista George Lewis, o violinista Billy Bang e o vulcânico guitarrista Sonny Sharrock, que amargava em um hiato de mais de cinco anos e foi "redescoberto" a partir destas gravações. Outros álbuns que viriam a seguir seriam gravados com participações vocais, seja através de canções ou backing vocals com rebuscados acompanhamentos experimentais, seja através de partes narradas -- o poeta e escritor William S. Burroughs foi um dos frequentes colaboradores da banda, sempre colocando à disposição poesias e excertos narrados, tirados da sua obra. Nos anos 90, após a fase das efervescentes colaborações com cantores e músicos afamados, a banda focou em registrar álbuns essencialmente instrumentais como é o caso de Live in Japan (Jimco, Japan, 1993) e Hallucination Engine (Axiom / Island, 1994), um registro que engloba música indiana e tem a participação de músicos legendários como o saxofonista, Wayne Shorter, o contrabaixista Bootsy Collins (ex-Parliament-Funkadelic) e os percussionistas indianos Zakir Hussain (tabla) e Trilok Gurtu (tabla).
Naked City (1988 - 1993)
Estilos e elementos: no wave, avant-garde jazz (collage, industrial music, hardcore punk, noise rock, free jazz, grindcore, klezmer, surf music, jazz pastiches, electronics)
Por que essa banda é essencial? Porque é a banda que expandiu o avant-garde jazz pelas novas vias dos radicalismos advindos do punk, no wave e industrial rock e várias das tendências do cenário da Downtown, passando a ser uma fonte da mais radical música improvisada -- radical e eclética ao extremo! Em seus primeiros registros oitentistas, o saxofonista John Zorn passou a englobar não só as estéticas sonora dos entornos do free jazz -- a música improvisada, cacofônica, tal como conhecera inicialmente no cenário marginalizado do "loft jazz" --, mas também passou abordar outras estéticas e estilos musicais como a música erudita de vanguarda, a klezmer music (música judaica), o country, o heavy metal, o hardcore (uma corrente mais "nervosa" do punk rock), o noisecore japonês, e, posteriormente, o grindcore (um estilo que abrange noise e hardcore com vocalises guturais). Junto a John Zorn começou, portanto, a formar uma nova legião de músicos ecléticos -- tais como Joey Baron, Bill Frisell, Christian Marclay, Bill Laswell, Ciro Baptista, Wayne Horvitz, Fred Frith, Lou Reed, membros da banda Sonic Youth, entre outros --, dos quais alguns até tiveram o jazz como ponto de partida, mas eram abertos às inúmeras experimentações e estéticas vanguardistas, distinguindo-se dos jovens jazzistas da geração dominante chamada "young lions" liderada pelo trompetista Wynton Marsalis, que dizia que o verdadeiro jazz era o jazz acústico estabelecido pelos mestres históricos. Desde o início dos anos 80, John Zorn já vinha experimentando trabalhar com diversos tipos de bandas, realizando com elas diversas colagens musicais, mas de todas suas empreitadas a de maior sucesso e representatividade foi com a banda Naked City, que durou de 1988 a 1993.
A exemplo de como o guitarrista Frank Zappa já fizera nos anos 60 e 70 com sua banda Mothers of Invention -- ao realizar colagens e misturas com elementos do rock'n'roll, do jazz fusion e da música erudita de vangarda --, Zorn também começou a realizar um pioneiro trabalho de colagem subculturista com o Naked City, chamando tanto a atenção dos críticos e público de jazz como também do público roqueiro adepto aos estilos do punk rock, heavy metal, death metal e do novo grindcore (estética de rock ainda mais radical e gutural). Não à toa, a banda chegou a tocar com bandas pioneiras do grindcore e do rock experimental, tais como Blind Idiot God, Napalm Death, Carcass e Live Skull, e até fez parte de uma célebre coletânea chamada Grindcrusher, uma compilação antológica lançada pela gravadora Earache Records, pioneira em bandas desses estilos. Outra curiosidade interessante é sobre as temáticas que Zorn quis imprimir nesse época, não apenas através do som caótico e gutural do conteúdo instrumental, mas através das ilustrações artísticas das capas dos discos do Naked City: são capas com ilustrações criadas com antigas fotos de assassinatos, mutilações, masoquismo e sadismo, o que criava uma síntese imagética baseado no macabro, no sádico e no mórbido. As ilustrações foram baseadas ou tiradas das obras do fotógrafo americano Weegee (famoso nos anos 30 e 40 por documentar as mazelas das ruas de Nova Iorque: mendigos, assasinatos e etc) e do ilustrador japonês Suehiro Maruo (um pioneiro do mangá, que também era fascinado pelo macabro e mórbido). De 1989 à 1993, o Naked City lançou sete albuns, sendo quase dois ao ano: o homônimo Naked City, Torture Garden, Grand Guignol, Heretic, Leng Tch'e, Radio e Absinthe. Esse movimento mais eclético e libertário, mas ainda com algumas bases no jazz, chegou a ser chamado por alguns críticos de "punk jazz", tendo John Zorn como a figura central dessa vertente.
David S. Ware Quartet (1990 - 2007)
Estilos e elementos: free jazz (blues, gospel, standards, spiritual music, cosmic music, electronics)
Por que essa banda é essencial? Porque com este quarteto David S. Ware resgata, com energia encantadora e renovada, aspectos do "free jazz espiritual e cósmico" que tinha ficado lá atrás na história do avant-garde sessentista. Sendo um herdeiro do free jazz e do espiritualismo sonoro dos mestres John Coltrane e Albert Ayler, David S. Ware fez desse quarteto um dos maiores combos dos anos 90 -- e foi praticamente sua única banda fixa na carreira deste que pode ser considerado um dos mais emblemáticos saxtenoristas das últimas décadas. Se as baquetas dessa magnífica banda trocaram de mãos algumas vezes, o baixo sempre esteve a cargo do genial William Parker, e o piano sempre nas mãos de Matthew Shipp, um dos responsáveis por acrescentar novos tons contemporâneos ao piano freejazzístico nas últimas décadas. Revezando-se entre releituras a blues, standards e composições próprias, o quarteto gravou algumas das obras fundamentais da história do free jazz e exemplares centrais da música criativa feita na década de 90. Um exemplo de período com uma sequência de discos puramente freejazzísticos e enérgicos é o que se encontra entre os anos de 94 e 96: “Earthquation” (maio de 94); “Cryptology” (dezembro de 94); “Oblations and Blessings” (setembro de 95); “Dao” (setembro de 95); “Godspelized” (maio de 96); e “Wisdom of Uncertainty” (dezembro de 96).
Logo em seguida, incentivado por Branford Marsalis -- que ouvira David S. Ware no festival francês Jazz à Vienne e ficou embasbacado com seu quarteto --, o saxtenorista assinou com a Columbia Records, conhecidamente um selo de maior amplitude comercial. Branford Marsalis tinha sido nomeado o novo diretor criativo da divisão de jazz da Columbia e achou que poderia variabilizar ainda mais o plantel da gravadora. Logicamente que os tons freejazzísticos crus e crispados do saxtenorista não se encaixaram perfeitamente ao público da grande gravadora, mas o contrato produziu dois álbuns dotados de rara sensibilidade melódica, apesar da perda em termos de energia free: são eles Go See the World (Columbia, 1998) e Surrendered (Columbia, 2000). Em seguida, o David S. Ware Quartet lançaria aquele que é o seu álbum mais distinto em relação à estética de free jazz cru e acústico que ele vinha trabalhando: trata-se do álbum Corridors & Parallels (AUM Fidelity, 2001) que traz uma proposta de agregar uma atmosfera eletrônica ao estilo sci-fi ao free jazz da banda -- semelhante ao que o pianista Matthew Shipp faria com perfeição alguns anos depois em sua estadia no selo Thirsty Ear Recordings. Em termos de releitura, o ouvinte mais aficionado não pode deixar de ouvir a versão que o quarteto dá para a Freedom Suite, de Sonny Rollins, no registro de mesmo nome lançado em 2002. A partir daí o quarteto foi perdendo sua energia até encerrar os shows e gravações em 2007.
Wynton Marsalis Septet (1989 - 1999)
Estilos e elementos: swing, post-bop, jazz tradicional (blues, gospel, ragtime, New Orleans jazz, modal jazz, standards, suites)
Por que essa banda é essencial? Porque com essa banda Wynton Marsalis injeta uma profunda conscientização na comunidade jazzística em prol da revalorização das tradições do jazz, ressignificando as inovações deixadas pelos mestres do passado e realizando um feito inédito de reunir, num só combo, todos os estilos do jazz: do mais arcaico ragtime até o mais moderno post-bop, passando pelas modernidades de beboppers como Thelonious Monk e Charles Mingus. Realizando um estudo imersivo no blues e no swing no final dos anos 80 e, agora, se inspirando nos aspectos tradicionais de New Orleans, nas obras de Louis Armstrong e Duke Ellington, Wynton achou no formado de septeto seu conjunto ideal para o novo foco em resgatar a tradição, tendo a companhia do pianista Marcus Roberts (susbstituído em seguida pelo pianista Eric Reed), dos saxofonistas Todd Williams e Wes Anderson, do trombonista Wycliffe Gordon, do contrabaixista Reginald Veal e do baterista Herlin Riley. Porém, se engana quem -- não ouvindo os registros dessa fase de Wynton Marsalis -- acha que ele se limitou apenas a reviver o passado ou apenas expor releituras de standards e das obras dos grandes mestres. Ao contrário: sua identidade se tornou ainda mais pessoal, seu tom ao trompete -- que agora se inspirava na figura obscura de Buddy Bolden, um dos fundadores do jazz no século 19 -- se tornou ainda mais potente e único, e suas obras próprias passaram a escalar o cúmulo da ousadia composicional. A sua criatividade como compositor e arranjador já ficara claro nos lançamentos do seu "neo bop" e post-bop dos anos 80, onde ele compunha baseado no esquema "tema-improvisação-tema". Mas agora, diferentemente, sua criatividade seria ainda mais superlativa no sentido de criar composições em esquemas de suítes, onde a improvisação não era mais um fim, mas um meio. Ou seja, a partir desse combo, Wynton Marsalis passou a compor peças cada vez mais extensas onde onde o improviso fundia-se ao tema ou aos vários temas de uma suíte, de forma que o ouvinte chega a ficar com dúvida ou não identificar onde termina o tema e onde começa o improviso.
Essa identidade de inspiração ellingtoniana começa a ficar clara no álbum Blue Interlude (1992), que abrange de um spoken word narrado pelo próprio Wynton, uma extensa peça de 37 minutos chamada The Bittersweet Saga of Sugar Cane and Sweetie Pie e termina com a romântica peça Sometimes It Goes Like That (sempre com um particular swing ditando os rumos das peças). Nos próximos álbuns, Wynton expandiria cada vez mais o uso de adereços tradicionais para impor uma personalidade própria: em seu septeto ele usaria pandeiros, palmas, vozes, efeitos com diversas surdinas e sombreamentos harmônicos bem peculiares, além de ressignificar e reconfigurar abundantes elementos dos rítmos de New Orleans, do ragtime, dixieland, blues, gospel, bebop e etc....ressignificando-os em grooves inusitados, partes cheias de mudanças de rítmos e andamentos, compassos ímpares e poucos usuais (3/4, 5/4, 6/4, 6/8 e etc), e síncopas e contrapontos rebuscados que podiam ser caracterizados tanto por composição escrita como por improvisações simultâneas e sobrepostas entre os membros do seu septeto. Com tantos recursos em uso, a improvisação passou a ser apenas mais uma das ferramentas composicionais usadas como pontes implícitas entre as passagens das suas suítes. O exemplo maior é sua suíte In this House on this Morning (1994), uma extensa peça gravada em álbum duplo. O elemento principal de On this House on this Morning é o gospel tradicional: a música de igreja com a harmonia dos hinos clássicos, a poética desta forma de vida, a cultura em torno do culto congregacional. Apesar do uso de elementos tradicionais, a obra é surpreendentemente moderna e contemporânea pela forma como que Wynton uniu as harmonias gospel com as dissonâncias modais e suas próprias concepções de sobreposições tonais entre os sete membros da sua banda -- tudo feito com uma poética e um colorido impressionante! O outro exemplo fantástico de suíte gravada pelo Septeto é o álbum The Marciac Suíte (1999), onde ele busca inspiração na cidade francesa de Marciac, na qual ele é uma figura muito respeitada no festival anual, um dos maiores festivais de jazz do mundo. The Marciac Suíte é um registro imagético de uma nostálgica cidade francesa no qual o trompetista-compositor tenta retratar desde seus adereços históricos até suas imagens sonoras mais contemporâneas. Para quem quer atestar, através de duas releituras com o Septeto -- e antes de imergir em seus álbuns autorais --, como que essa banda podia transitar do mais arcaico até o mais moderno jazz, basta ouvir Standard Time, Volume 4: Marsalis Plays Monk (focado em releituras nos temas de Monk) e Standard Time, Vol. 6: Mr. Jelly Lord (focado nos temas de Jelly Roll Morton). Momentos lúdicos e descontraídos podem ser apreciados no álbum Joe Cool’s Blues, com modernos temas baseados na obra do compositor Vince Guaraldi, autor da trilha sonora do desenho Charlie Brown.
Buckshot LeFonque (1993 - 1997)
Estilos e elementos: jazz-funk, jazz rap, acid jazz (funk, fusion, soul, jazz samples, hip hop, rock, pop, disco, electronic music)
Por que essa banda é essencial? Porque é um dos grupos pioneiros do emblemático movimento do "jazz rap", sendo também considerada uma das bandas pioneiras do acid jazz, uma ramificação que mistura jazz-funk, hip hop, disco music e pequenas doses de eletrônica em samples repetitivos e hipnóticos. Na verdade, Branford Marsalis sedimentou, neste projeto, uma sequência de influências correlatas que ele mesmo já vinha degustando em suas colaborações e parcerias. Na segunda metade dos anos 80, ao mesmo passo em que atuava com seu quarteto acústico de post-bop, Branford também começou a tocar jazz fusion com Miles Davis e pop music com o cantor Sting (ex-lider da banda The Police), que ficou conhecido por fazer misturas com uma gama de estilos e elementos tais como rock, new wave, new-age, jazz, pop e etc. Logo na sequência, o cineasta Spike Lee também convida Branford (ele e seu quarteto acústico) para gravar a trilha sonora do filme Mo' Better Blues (1990), tendo como colaboradores os rappers MC Guru e DJ Premier (do Gang Starr) e o trompetista Terence Blanchard -- aliás, o que Spike Lee queria com a trilha sonora desse filme (estrelado por Denzel Washington e Wesley Snipes) era nada menos do que retratar o jazz e o hip hop como os dois lados culturais do cenário do Brooklyn.
Pois bem: a sedimentação de todas essas influências é arranjada por Branford neste seu projeto chamado Buckshot LeFonque -- lembrando que o nome "Buckshot LeFonque" foi um pseudônimo usado pelo seminal saxofonista Julian "Cannonball" Adderley, que em 1958 teve de mudar seu nome por razões contratuais, no álbum Here Comes Louis Smith (Blue Note, 1958). Com o fenômeno do renascimento do jazz acústico nos anos 80, diversos grupos de hip hop já vinha usando samples jazzísticos de vinis históricos -- uma prática que se remete à cultura dos DJ's e produtores que se especializavam em colecionar discos e fomentar o chamado "rare groove". O que MC Guru e DJ Premier -- dupla do Gang Starr -- faziam, por exemplo, era um hip hop com samples (exertos de temas e solos) dos mestres históricos do jazz: como no single "Words I Manifest", onde a dupla usa samples do standard "Night in Tunisia", de Dizzy Gillespie . O que Branford Marsalis passou a fazer com seu grupo Buckshot LeFonque foi tocar jazz-funk com as batidas eletrônicas, scratchs e samples do hip hop, ou fazer rap com empolgantes acompanhamentos e samples de jazz, recheando esse molho com um pouco de soul, disco, pop e as demais influências citadas. O grupo lançou apenas dois álbuns -- Buckshot Lefonque (1994) e Music Evolution (1997) --, mas são registros que tornaram cults e influências eternas para os entusiastas do hip hop e acid jazz. Music Evolution (1997), reúne nomes como DJ Apollo, o cantor Frank McComb, o saxofonista David Sanborn, o rapper Mc Guru, dentre outros.
RH Factor (2002 - 2006)
Estilos e elementos: jazz-funk, jazz rap (funk, fusion, neo soul, gospel, hip hop, pop, freestyle, electronic music)
Por que essa banda é essencial? Porque é uma banda onde o trompetista Roy Hargrove faz uma atualização do jazz-funk e sintetiza perfeitamente as conexões do jazz com o importante movimento neo soul (a versão contemporânea da soul music a emergir entre meados dos anos 90 e início dos anos 2000, com fortes conexões com as versões menos mercadológicas e mais criativas do hip hop, pop e musica eletrônica), movimento do qual o próprio trompetista foi um dos membros. Inicialmente descoberto e influenciado por Wynton Marsalis e sendo um dos expoentes da escola jazzística dos "young lions", no final dos anos 90, após participar de algumas sessões com o grupo de jazz rap Buckshot LeFonque (de Branford Marsalis), Roy Hargrove redirecionou sua carreira para ser um dos principais músicos e arranjadores do coletivo musical Soulquarians, berço do movimento neo soul, onde vários cantores, músicos e Dj's -- tais como Common, Talib Kweli, Mos Def, Q-Tip, James Poyser, Erykah Badu, Questlove, D'Angelo, J Dilla, Bilal e etc -- se encontravam para realizar discotecagens, performances ao vivo e fomentar a produção e a gravação de novos álbuns. No início dos anos 2000, Roy Hargrove funda, então, seu próprio grupo, o RH Factor, onde passou a mostrar uma instigante mistura de jazz-funk, neo soul, gospel, pop, hip hop e elementos da eletrônica de uma forma surpreendentemente instigante e contemporânea, contando com frequentes colaborações de músicos e produtores ilustres como o tecladista James Poyser, o contrabaixista Pino Palladino e o baterista Questlove (líder do The Roots), a cantora Renée Neufville, entre outros. O grupo deixou uma trilogia primorosa de álbuns de estúdio: Hard Groove (Verve, 2003), Strength (Verve, 2004) e Distractions (Verve, 2006).
The Vandermark 5 (1996 - 2010)
Estilos e elementos: free jazz, modern creative (post-bop jazz, funk, punk rock, post-rock, Chicago Scene, AACM)
Por que essa banda é essencial? Porque foi um quinteto que misturou, através de uma sequência produtiva e criativa, elementos do free jazz, post-bop e o post-rock de Chicago de uma forma crua, composicional e acústica -- além de ser uma porta aberta para o ouvinte mais aventureiro conhecer a vasta produção de um dos maiores saxofonistas e clarinetistas das últimas décadas, Ken Vandermark. Formado entre 1996 e 97 e findado em 2010, o The Vandermark Five foi um dos mais importantes quintetos acústicos do jazz contemporâneo. Trata-se de um quinteto liderado pelo multiinstrumentista e compositor Ken Vandermark, um dos reavivadores da escola jazzística de Chicago nos anos 90 e 2000. Apesar de Ken Vandermark ser produtor, curador de concertos e líder de inúmeros projetos importantes, foi através deste quinteto que ele alcançou maior notoriedade enquanto compositor e se projetou como um dos mais importantes músicos do jazz norte-americano, sendo condecorado, inclusive, como uma bolsa MacArthur Fellowship (condecoração dada a gênios e revelações das artes e ciências nos EUA) e sendo proclamado pela revista americana Downbeat como um dos mais importantes músicos para o futuro do Jazz. A maioria das composições e arranjos de Vandermark são escritos à mão e apresenta arranjos onde os cinco músicos se contrapõe em efeitos diversos, o que o caracteriza como um músico de grande tino composicional: seu estilo de composição tem bases inicialmente no post-bop, na livre improvisação, mas também também é muito influenciado pelo free jazz do núcleo AACM e do post-rock de Chicago -- então o ouvinte mais aventureiro se divertirá com espasmos free que se desemboca num swing ao estilo post-bop ou vice-versa, revezamento bem comum na paleta de amálgamas da banda. A formação inicial conta com o saxofonista-alto Mars Williams, o trombonista e guitarrista Jeb Bishop, o contrabaixista Kent Kessler e o baterista Tim Mulvenna. Depois, em 2001, o saxofonista-alto Dave Rempis substituiu Mars Williams e, depois, o violoncelista Tim Daisy substituiu Jeb Bishop. O interessante, então, é a forma como Vandermark junta todos esses elementos em composições coesas e com arranjos bem elaborados, sem fugir da proposta da espontaneidade e imprevisibilidade. De 1997 à 2010, o quinteto lançou uma imperdível coletânea de 14 álbuns, majoritariamente constituídos de composições próprias, mas também com alguma releitura aqui e alí. Além releituras iconoclastas e das composições próprias, o Vandermark Five também apresenta uma sequência de quatro álbuns dedicados aos temas clássicos do free jazz, série que deve ser apreciada pelos fãs do gênero: Free Jazz Classics Vol. 1 & 2 (Atavistic, 2002) e Free Jazz Classics Vol. 3 & 4 (Atavistic, 2005).
The Thing (2000 - 2018)
Estilos e elementos: free jazz (free improvisation, garage rock, black metal, noisecore, pop songs, soul, experimental, electronics)
Por que essa banda é essencial? Porque é um power trio que parte da influência do free jazz americano e da free improvisation européia -- com uma aproximação muito clara às abordagens de saxofonistas vulcânicos como Joe McPhee e Peter Broztmann, diga-se de passagem -- para atualizar a free music de uma forma mais expansiva, variada e contemporânea, expondo um painel de releituras sobre temas compostos pelos mestres do free jazz, empreendendo parcerias com os mais variados músicos do avant-garde contemporâneo e abordando covers e elementos do rock mais pesado, além de incluir temas do pop, da soul e até instrumentação eletrônica para temperar o molho. O início da banda data-se do ano de 2000, quando o sueco Mats Gustafsson (saxes) e os noruegueses Ingebrigt Haker Flaten (baixo) e Paal Nilssen-Love (bateria) se juntam para formar um trio que, naquele momento, tinha como ponto de partida um tributo ao trompetista e pioneiro do free jazz Don Cherry (1936-1995): a banda inclusive lança seu primeiro álbum com esse tributo e acaba por adotar o nome do trio de "The Thing", título de um dos temas compostos pelo mítico trompetista. Na sequência, o trio convida o legendário saxofonista Joe McPhee para gravar o registro She Knows..., registro que já mostra uma aproximação com a abordagem frejazzística mais cacofônica, crua e vulcânica. Essa abordagem é sedimentada no álbum Garage, onde o trio combina versões cruas e enérgicas de temas de rock (tais como “Art Star”, “Aluminum”) com temas da free music (tais como “Haunted” e “Eine Kleine Marschmusik”, sendo esta última uma peça de Peter Brotzmann). E assim o grupo segue com esta linhagem: de combinar releituras e intervenções sobre temas do pop e rock -- sempre com temas curtos e marcantes, mas com desenvolvimentos improvisativos e enérgicos -- com releituras a temas dos mestres históricos e "underrateds" do free jazz, tais como Ornette Coleman, Frank Lowe, Albert Ayler, Charles Tyler, David Murray, Joe Mcphee, Peter Bröztmann, entre outros tantos. Essa abordagem crua acaba por receber novos ingredientes a partir do álbum Bag It! (2009), onde o trio começa a volver aditivos eletrônicos em seus improvisos enérgicos. Já no álbum Boot! (2013), temos a surpreendente atuação de Ingebrigt Haker Flaten com um contrabaixo elétrico gutural, o que conferiu uma sonoridade bem particular ao mix da banda. Ademais, apesar da banda se especializar em releituras, temas próprios dos três músicos estão sortidos nos mais de 15 álbuns -- de estúdio e ao vivo -- que a banda lançou sob seu nome até 2018, quando interrompeu sua atividade. Para quem quer conferir um registro inteiramente de composições próprias, fica o convite para ouvir o álbum Shake (2015), uma ótima oportunidade para se observar alma musical de cada músico a partir dos seus temas. Além das performances ao vivo sembre enérgicas e arrebatadoras, outra forte característica da banda é a gama de parcerias registradas em estúdio ou em shows: vide os álbuns Sounds Like a Sandwich (2005) com a banda de rock norueguesa Cato Salsa Experience, Shinjunku Crawl (2009) com o multiinstrumentista Otomo Yoshihide, Shinjunku Growl com o guitarrista Jim O’Rourke (2011), Metal com o contrabaixista Barry Guy (2012), The Cherry Thing (2012) com a soul singer Neneh Cherry (album que aproxima a estética frejazzística do trio com a soul music mais underground), Live (2014) com o guitarrista Thurston Moore, Baby Talk (2017) com o guitarrista James Blood Ulme e Collider (2017) com o saxofonista Ken Vandermark e seu DKV Trio. Especialmente nos álbuns com os guitarristas, podemos encontrar a banda apresentando um mix freejazzístico mais recheado de distorções próximas ao noisecore e com pontuais efeitos eletrônicos e eletroacústicos.
Masada Quartet (1994 - 1997)
Estilos e elementos: avant-garde jazz (free jazz, klezmer, cultural zionism, radical jewish culture)
Por que essa banda é essencial? Porque apresenta um dos mais enérgicos quartetos de free jazz dos anos 90 e é uma porta aberta para um mundo musical totalmente autoral onde John Zorn passa a explorar a música judaica, seus rituais, e posteriormente suas temáticas místicas, mitológicas e religiosas -- abordando de acontecimentos mórbidos até a mitologia de anjos e demônios presente na cultura de Israel, entre outras temáticas judaicas. A música judaica sempre foi teve uma pequena -- porém marcante -- presença na cultura americana, dado que os EUA sempre abrigaram um número considerável de imigrantes israelenses: mas a abordagem musical judaica em território americano sempre foi aquela abordagem mais tradicional da "klezmer music". O que John Zorn faz é totalmente diferente: o projeto consiste em compor temas curtos e marcantes baseados nas escalas da música judaica dando desenvolvimentos jazzísticos e freejazzístcos aos mesmos, trazendo a música judaica para o plano da música radical. "The idea with Masada is to produce a sort of radical Jewish music, a new Jewish music which is not the traditional one in a different arrangement, but music for the Jews of today. The idea is to put Ornette Coleman and the Jewish scales together." -- explica John Zorn. Inicialmente, John Zorn começa com o projeto Masada através de um quarteto composto por ele mesmo ao saxofone alto, Dave Douglas no trompete, Greg Cohen no contrabaixo acústico e Joey Baron na bateria. Após seu projeto com o grupo hardcore Naked City -- que vai do jazz até os extremos da noise music -- entre finais dos anos 80 e início dos anos 90, John Zorn teve neste quarteto acústico seu principal impulso para atingir um público maior fora do circuito underground. De 1994 até 1997, John Zorn e seu Masada Quartet lançaram um total de dez álbuns de estúdio pelo selo japonês DIW Records, e mais de sete registros ao vivo lançados pelo seu próprio selo Tzadik, na época ainda dando seus primeiros passos como um selo independente. Os álbuns gravados em estúdio -- todos, sem exceção -- são registros numerados que fazem parte de uma série de "musical books" onde cada um desses "books" apresenta uma temática marcante do universo judaico -- mas isso é feito sempre de forma radical, ou na sonoridade ou na temática. A começar por um exemplo bem emblemático, o primeiro álbum do quarteto, Alef (DIW,1994), se inspira no suicídio em massa de zelotes em Massada, em 73 dC, e é dedicado a Asher Ginzberg (1856-1927), o pai fundador do sionismo cultural. Posteriormente, John Zorn deixa de atuar com este quarteto e dá prosseguimento ao seu singular "songbooks" através de outros grupos e formações que também fazem parte do seu "Masada Project": incluindo o Masada String Trio e Eletric Masada. Mas tudo começou com este emblemático quarteto.
Very Very Circus (1990 - 1995)
Estilos e elementos: modern creative, chamber jazz (free jazz, post-bop, modern creative, harmolodic music, classical music)
Por que esta banda é essencial? Porque é aqui que Henry Threadgill dá um salto em variabilizar ainda mais seu estilo idiossincrático de composição camerística com base em combinações instrumentais inusuais e em novas texturas sonoras -- uma oportunidade para o ouvinte mais curioso a conhecer uma face mais composicional do free jazz. Desde o final dos anos 70 o saxofonista e compositor Henry Threadgill atua para subverter os padrões de formações instrumentais do jazz, criando bandas com formações muito diferentes dos convencionais quartetos ou quintetos com saxofone, trompete, piano, contrabaixo e bateria, por exemplo. Das bandas que formou, a Very Very Circus foi a que representou, enfim, uma guinada importante para seu estilo composicional idiossincrático, reafirmando-o como um dos mais inteligentes e exóticos compositores da história recente do jazz. Com a Very Very Circus, Threadgill trabalha com uma configuração de banda de intrigar o apreciador mais leigo ou os apreciadores mais puristas: essa formação consistia de dois solistas na linha de frente (com Curtis Fowlkes no trompone e ele próprio na flauta e sax alto), com duas guitarras ao meio (Brandon Ross e Masujaa) e duas tuba (Marcus Rojas, Edwin Rodriguez) e bateria ao fundo (Gene Lake). Henry Threadgill explica que com a Very, Very Circus, ele estava procurando um tipo de textura totalmente diferente, algo semelhante ao que Miles Davis estava fazendo em sua fase elétrica ao gravar o álbum Bitches Brew, ou ao que Ornette fez quando formou o grupo Prime Time -- ainda que, para efeitos comparativos, Threadgill estivesse preocupado mais com texturas orgânicas do que com eletrônicas. Threadgill explica ainda que o fato de usar a tuba é uma intenção de combinar um dos primeiros instrumentos de jazz e precursor do baixo -- instrumento que vem das antigas brass bands de marcha e ragtime do século 19 --, com a guitarra elétrica, um instrumento relativamente recente e maior representante da música pós-moderna. Desta forma, em Very, Very Circus o compositor tem um conjunto com o qual pode olhar para frente e para trás e prestar respeito a várias tradições, enquanto se baseia nelas.
The Claudia Quintet (1997 - até o presente)
Estilos e elementos: modern creative, chamber jazz (post-bop, minimalism, free jazz, modern classical music, post-rock, pop, ecletic chamber music)
Por que essa banda é essencial? Porque o baterista e compositor John Hollenbeck apresenta uma roupagem inédita onde aspectos da livre improvisação e do post-bop unen-se à elementos da música minimalista, com pitadas implícitas de pop e rock alternativo aqui e ali, criando um tipo de música que é praticamente inclassificável. O Claudia Quintet, capitaneado pelo baterista John Hollenbeck, é formado com o contrabaixista Drew Gress, o vibrafonista Matt Moran, o acordeonista Ted Reichman e o saxofonista Chris Speed, que também usa clarinete em determinadas composições. O Claudia Quintet recebe esse nome inusitado por causa de uma jovem chamada Claudia que, em meados dos anos 90, foi assistir à uma "gig" de John Hollenbeck com o trio Refuseniks, grupo que ele constituía com o contrabaixista Reuben Radding e com o acordeonista Taid Reichman na época. Naquela ocasião, durante o intervalo da banda, a cativante menina Claudia foi conversar com o John Hollenbeck e seu trio, enfatizando ter gostado do som que ouvira em instantes atrás e indagando sobre a possibilidade dela poder assistir sempre aquela apresentação. No entanto, quando o grupo se despediu para voltar ao segundo bloco da apresentação, Radding cochichou para Hollenbeck: "Cara, confie em mim...ela nunca mais vai voltar..." E, realmente, a impressão e intuição que o contrabaixista teve -- sobre o triste fato de alguém querer apreciar a arte e, por um motivo ou outro, não poder fazê-lo -- acabou se confirmando: Claudia nunca mais apareceu naquela "gig", deixando apenas suas palavras e sua imagem na cabeça dos músicos. Hollenbeck, o mais simpatizado com a moça, sempre tentava imaginar, com seus amigos, o que teria acontecido com Claudia: "Teria ela se mudado para Nova Jérsey? Teria se apegado à música mais comercial? Estaria trabalhando obstinadamente? Estaria ela estudando em alguma universidade? Ou teria casado com algum empresário?" Difícil saber seu paradeiro e o porquê dela não ter voltado. Em 1997, após a saída de Radding do trio, Hollenbeck e Reichman formaria, então, esse quinteto chamado The Claudia Quintet, com uma real intenção de mostrar uma atmosfera sonora mais feminina, singela e sensível, atrelando o nome e a imagem da curiosa moça à música nova e inusitada que a banda pretendia criar. A partir daí o quinteto impondo estruturas composicionais e uma sonoridade que não fossem nada comum nos meandros do jazz. O quinteto já conta com mais de sete álbuns lançados, sendo alguns lançados pela interessante gravadora Cuneiform. Com uma formação instrumental, por si só, inusual -- com sax e clarineta, acordeon, contrabaixo, bateria e vibrafone --, John Hollenbeck passou a imprimir ainda mais seu estilo exótico de arranjo, bem como sua apurada escrita composicional, tornando-se cada vez mais ousado e buscando sempre novas pulsações rítmicas e diferentes combinações timbrísticas em cada composição. Com um frescor que advém das melodias do post-rock, com o uso tênue dos elementos da livre improvisação e com uma forte identificação na chamada música minimalista, a estruturada composição de John Hollenbeck tem agaranhado críticas muito positivas nos vários holofotes da mídia especializada. Sua música pode agradar tanto os ouvintes do jazz quanto os ouvintes mais rígidos da música erudita contemporânea. Ao todo o The Claudia Quintet tem oito álbuns lançados tendo convidados especiais tais como o organista-tecladista-pianista Gary Versace, o pianista Matt Mitchell e os vocalista Kurt Elling e Theo Bleckmann.
Rova Saxofone Quartet (1977 - até o presente)
Estilos e elementos: free jazz, chamber jazz (avant-gard, rock, blues, post-bop, free improvisation, noise, modern classical music, electronics)
Por que esta banda é essencial? Porque trata-se de um quarteto incansável de saxofones (sax soprano, sax alto, sax tenor e barítono) que expressa um grande leque de possibilidades sonoras: telepática capacidade interacional através de obras freejazzísticas, peças contemporâneos estruturadas, peças de tino erudito, releituras que dão versões surpreendentes para obras históricas de outros saxofonistas (como John Coltrane e Steve Lacy), parcerias com outros compositores, projetos ligados ao audiovisual e etc. Fundado em 1977 (praticamente na época que o semelhante quarteto de saxofones World Saxophone Quartet), o ROVA é um combo de grande sucesso entre os circuitos do avant-garde jazz e free improvisation dos EUA, Europa e Japão. Esse nome, ROVA, vem do acrônimo dos próprios nomes dos integrantes Jon Raskin, Larry Ochs, Andrew Voigt e Bruce Ackley, sendo que em 1988 o saxofonista Andrew Voigt foi substituído por Steve Adams. Em 1977, o ROVA Saxophone Quartet foi criado para a ocasião de um festival especial no Mills College, em Oakland, Califórnia. O concerto foi tão vibrante que os jovens do recém-formado quarteto decidiram que aquela formação não poderia acabar ali. Após a decisão de dar continuidade, não demorou muito para que eles conseguissem gravar seu primeiro disco, intitulado Cinema Rovaté. De lá para cá o Rova já lançou discos por selos como Black Saint, Hat Art (divisão da sueca Hat Hut), New Albion, Not Two, Atavistic, Clean Feed, Sound Aspects...entre muitos outros.
Prezando por peças próprias em vários dos seus títulos e dotados de telepática performance interacional, os álbuns do ROVA Saxophone Quartet mostram que seus membros se revezam entre um aguçado estilo de composição estruturada de um lado, e emociante livre improvisação coletiva do outro -- além de uma faceta mais interpretativa, de dar novas interpretações para obras de outros compositores. No site do quarteto, eles explicam que, apesar da mídia especializada os caracterizarem como um grupo de free jazz apenas, os interesses dos membros sempre foram plurais e difusos: "Rova is one of the longest-standing groups in the music movement that has its roots in post-bop, free jazz, avant-rock, and 20th century new music; Rova draws inspiration from the visual arts, contemporary poetry, contemporary dance. We listen closely and deeply appreciate both the traditional and the pop music styles of Africa and Asia. And then there is the blues; always a key." Dessa forma, quem pesquisar mais a fundo a obra do quateto, perceberá que seus interesses musicais se estendem para inúmeros projetos colaborativos como convidados, parceiros ou comissionados: há trabalhos com Margaret Jenkins Dance Company, Kronos String Quartet, Terry Riley, John Zorn, Fred Frith, Henry Kaiser, Richard Teitelbaum, David Rosenbloom, Lawrence "Butch" Morris, Anthony Braxton, Alvin Curran, dentre muitos outros. Vários compositores também escreveram peças especialmente para Rova: entre eles Henry Threadgill, Jack DeJohnette, John Carter, Robin Holcomb, Fred Frith e Chris Brown. Em relação a essa faceta de "intérpretes", é interessante ouvir os álbuns: Freedom in Fragments (Tzadik, 2000), onde o quarteto dá vida para composições do idiossincrático guitarrista e compositor Fred Frith; Electric Ascension (Atavistic, 2005), projeto onde o quarteto forma uma orquestra ruidosa de músicos da free music para expõe uma nova versão da obra Ascencion, do saxtenorista John Coltrane; e Steve Lacy's Saxophone Special Revisited (Clean Feed, 2017), onde o quarteto revisita temas do saxsopranista Steve Lacy.
World Saxophone Quartet (1976 - 2016)
Estilos e elementos: free jazz, chamber jazz (blues, R'n'B, free improvisation, Black Arts Movement, modern classical music, african music)
Por que esta banda é essencial? Porque trata-se do primeiro quarteto composto somente por saxofones -- sax soprano, sax alto, sax tenor e sax barítono -- da história do jazz, e um dos grupos mais legendários e versáteis da estética do free jazz -- um grupo que pegou carona numa formação erudita de quarteto de saxofones para criar versões interativas freejazzísticas, sem perder a essência do jazz e da música negra americana. Diferente do Rova Saxofone Quartet, o World Saxophone Quartet é um grupo de free jazz mais ligado à diáspora da música afro-americana. Fundado em 1976 pelos saxofonistas Julius Hemphill (sax-alto), Oliver Lake (sax-alto), David Murray (sax-tenor) e Hamiet Bluiett (sax-barítomno), o WSQ começa com conceitos trazidos do Black Artists' Group de St. Louis, Missouri, um movimento de músicos e artistas que uniam free jazz com música erudita e pelas teatrais experimentais, entre outras manifestações. A ideia era trabalhar formas de improvisação livre baseadas nos conjuntos camerísticos de saxofones, já bem manjados nos meios da música erudita: inclusive, o nome World Saxophone Quartet foi uma substituição ao Real New York Saxophone Quartet, um dos quartetos baseados em música erudita moderna na época. Conclui-se, então, um experimento feliz que atravessaria as últimas décadas como um grupo exótico de grande sonoridade, um grupo coeso de improvisadores magníficos que equilibra sua atenção entre as formas livres da vanguarda e as tradições jazzísticas e afro-americanas, passando por rompantes de tino erudito aqui e ali.
Os primeiros seis discos -- de "Point of no Return" (Moers Music, 1977) até Live at Brooklyn Academy of Music (Black Saint, 1986) -- são compostos majoritariamente de peças autorais freejazzísticas, as quais coincidem com a estadia do quarteto na gravadora Black Saint. Em 1986, o quarteto assina com a Elektra (uma das divisões da Warner Music) e começa com uma fase de maior ecleticidade: interpretando temas de Duke Ellington (no álbum Plays Duke Ellington, de 1986), gravando temas mais sensíveis e menos ruidosos (Dances and Ballads, 1987) e dando versões diferentonas para temas pop (no álbum Rhythm and Blues, de 1988). O grupo que teve sua formação inalterável até 1989, quando o compositor e altoísta Julius Hemphill se ausentou: a Hemphill é creditado o fato dele ter sido o grande cérebro do quarteto em termos de composições próprias, apesar dos outros três membros comporem peças com igual propriedade, ainda que em menor quantidade. A partir de então, o quarteto passou a convidar, num esquema rotativo, vários saxofonistas para o lugar de Hemphill: Arthur Blythe, Eric Person, James Spaulding,John Purcell, Bruce Williams, Branford Marsalis e James Carter, foram alguns deles. Consequentemente, o quarteto continuou sua guinada rumo às roupagens mais flexíveis e versáteis -- já a muito tempo não estando mais totalmente fixo em só tocar free music. Dois dos dos exemplos é o projeto onde o grupo abordou a música de Miles Davis (vide o álbum Selim Sivad: A Tribute to Miles Davis, 1998) e o projeto onde eles gravam a música de Jimmy Hendrix (vide o álbum Experience, 2004). Neste ínterim, encontra-se, também, alguns álbuns onde o quarteto vem acompanhado de outros naipes: caso da seção rítmica com contrabaixo, teclados e bateria no álbum Takin' It 2 the Next Level (1996); caso da seção de percussão africana mo álbum Four Now (1996); e caso do naipe de sopros presente no registro Political Blues (2006).
Brad Mehldau Trio (1994 - até o presente)
Estilos e elementos: neo-bop, post-bop (standards, ballads, pop songs, alternative rock, classical music, electronics)
Por que essa banda é essencial? Resposta: Porque trata-se, talvez, do mais influente e bem mais sucedido piano-trio das últimas décadas, partindo de uma espécie de neo-bop e tendo um início focado numa revisão aos standards e baladas clássicas que marcaram a história dos piano-trios -- com uma clara associação com as abordagens de Bill Evans em suas releituras históricas, apesar do estilo neo-bop pianistico de Brad Mehldau ser bem diferente do mestre --, mas também incorporando novos temas da música pop e do rock alternativo como possíveis "novos standards" para o jazz contemporâneo. A começar pela série de álbuns The Art of The Trio, a influência do Brad Mehldau Trio ultrapassa o reino pianístico e engloba toda uma geração de músicos a emergir entre o final dos anos 90 e início dos anos 2000: álbuns como The Art of the Trio Volume One (Warner, 1996), onde Mehldau aplica um singular releitura sobre o tema "Blackbird" (de John Lennon e Paul McCartney) e Songs: The Art of the Trio Volume Three (Warner, 1998), onde Mehldau aplica releituras sobre temas como "Exit Music (For a Film)" (da banda de rock alternativo Radiohead) e "River Man" (do cantor pop inglês Nick Drake) são registros que, de fato, iniciam uma nova onda na qual músicos de jazz, como um todo, começam a usar temas do pop e rock contemporâneos para buscar novos ares e novos tons. Até aí nada de excepcional acontecendo: Bill Evans também aplicou releituras sobre de standards populares em sua época, e não apenas sobre originais do jazz. Mas, para além do frescor melódico e dos novos tons harmônicos que essas versões sobre temas pop traziam, Brad Mehldau inovou também na abordagem estética onde seu trio começou a trabalhar com uma cozinha elaboradamente contrapontística em compassos ímpares e inusuais como 5/4 e 7/4 , deixando complemente de lado aquele walking bass convencional em compassos simples tais como 3/4 ou 4/4 como sempre foi de praxe dos combos de jazz no século passado -- ou seja, partindo do neo-bop dos anos 90 para um nova abordagem de post-bop nos anos 2000. Tudo isso foi possibilitado, claro, por uma nova geração de músicos que se deixaram influenciar pelas novas variabilidades polirrítmicas, principalmente após as abordagens do conceito m-base que levaram o uso dos compassos impares e compostos à exaustão. Brad Mehldau não foi o único usar métricas e compassos ímpares e inusuais para o plano do jazz maistream -- mesmo Wynton Marsalis, por exemplo, em sua fase mais tradicional, apresentou álbuns com temas compostos em compassos ímpares --, mas a forma contrapontística com a qual o Brad Mehldau Trio expôs essa dinâmica foi o que deu o tom inovador, mesmo nos compassos simples. Esse novo frescor melódico com novos tons harmônicos somados à uma nova dinâmica contrapontística de piano, contrabaixo e bateria, influenciaram todo o jazz mainstream dos anos 2000 para cá. Apesar do trio se especializar em releituras, registros com composições próprias tais como House on Hill (Nonesuch, 2006) e Ode (Nonesuch, 2008) revelam a intrigante capacidade composicional de Brad Mehldau, que através de influências que vai do pop-rock à música erudita, é dotado da mesma sensibilidade melódico-harmônica vista em seus álbuns de releituras.
Jason Moran's The Bandwagon (2000 - até o presente)
Estilos e elementos: post-bop, modern creative (stride piano, blues, free jazz, m-base, hip hop, electronics, classical music)
Por que essa banda é essencial? Porque revela a sensibilidade inovadora desse grande pianista que é Jason Moran e resgata uma faceta mais impressionista e eclética de piano-trio, como poucas vezes, aliás, foi vista na história do jazz: salvo em abordagens de trios de pianistas singulares como, por exemplo, Herbie Nichols, Andrew Hill e Jaki Byard, que são alguns dos precursores desta linha de piano jazzístico impressionista. Jason Moran é um pianista que chega como uma das novas sensações dos anos 2000, exatamente mentorado pelos mestres Andrew Hill e Jaki Byard, além de ter recebido ajuda inicial do saxofonista Greg Osby, um dos pioneiros do conceito m-base. Desde o primeiro registro do trio, Moran já passou a seguir uma abordagem singular onde o post-bop se acasala com elementos do mais tradicional stride piano até o mais moderno free jazz e o resultado é um jazz de improvisos levemente impressionistas -- improvisos livres, mas levemente coloridos --, e com um repertório amplo que vai desde temas próprios idiossincráticos (vide seus temas que levam o termo "Gangsterisms", por exemplo) até versões jazzísticas de excertos de peças eruditas, passando por versões sobre temas variados como "Planet Rock" do rapper Afrika Bambaataa, "Jóga" da cantora pop islandesa Björk, "Murder of Don Fanucci" do filme O Poderoso Chefão, "Yojimbo" do compositor Moratu Sato, "Big Stuff" do compositor Leonard Berstein e "Study Nº 6" do compositor Colon Nancarrow, entre outros temas que não fazem parte da estirpe do jazz, mas que são jazzisticamente transformados por Moran. Três são os álbuns que estão apenas em trio e nos quais o ouvinte encontrará as características citadas: Facing Left (Blue Note, 2000), o ao vivo The Bandwagon (Blue Note, 2003) e o álbum Ten (Blue Note, 2010), sendo este último um álbum comemorativo dos 10 anos do trio. Nos outros álbuns da década 2000-2010, o trio sempre está acompanhado por músicos convidados. Destaque para o contrabaixista Tarus Mateen, que costuma usar um particular baixo elétrico, o que só acrescenta diferenciação à banda. A bateria de Nasheet Waits, por sua vez, reflete os efeitos cintilantes e impressionistas que Moran tenta expressar nas suas 88 teclas.
The Bad Plus (2000 - até o presente)
Estilos e elementos: post-bop, modern creative (free jazz, pop songs, indie rock, modern classical music)
Por que essa banda é essencial? Porque é uma banda que traz ao mundo do jazz uma mistura inédita de avant-garde jazz com rock e música pop, aproximando-se posteriormente do post-bop mais mainstream mas sem perder a originalidade extrema conquistada em seus primeiros anos. Constituído pelo pianista Ethan Iverson, o contrabaixista Reid Anderson e o baterista Dave King, o trio The Bad Plus é uma banda americana, da cidade de Mineápolis, Minnesota, que não se encaixa em nenhum rótulo convencional de jazz ou de qualquer outro tipo conhecido de música instrumental -- na verdade, os rótulos acima são meramente ilustrativos, mas para sentir a vibe deste trio só mesmo ouvindo! Trata-se de uma banda progressista que usa a ecleticidade como o seu carro-chefe ao fazer releituras diversas do pop e rock e até da música erudita contemporânea. Ao invés de caminhar nas passadas do bebop, ou swing e/ou dos grooves convencionais e ao invés de utilizar standards jazzísticos, eles usam e abusam das canções de bandas como Heart, Bee Gees, Nirvana, Radiohead, Pixies, Iron Maiden, Yes, Wilco, Flaming Lips, Pink Floyd e até pedaços de obras de compositores eruditos como Milton Babbitt, Igor Stravinsky e Gyorgy Ligeti, tentando reproduzi-las através de releituras iconoclastas e temperando-as com elementos da improvisação jazzística contemporânea e com vários elementos do avant-garde (improvisação livre, barulhentas cacofonias, dissonâncias e desafinações propositais, mudanças rítmicas discrepantes e etc). Com essa nova proposta de apresentar temas do pop e rock como possíveis standards, o trio se tornou um fenômeno nos EUA e em vários países do mundo -- inclusive no Brasil, onde eles já se apresentaram algumas vezes. Em relação às polêmicas em torno da autenticidade do trio enquanto banda de jazz, os membros respondem que o jazz tem um espírito livre onde tudo é possível: "da mesma forma que os antigos músicos de jazz usavam temas da música popular americana como as cancões de Gershwin, Frank Sinatra ou Cole Porter, nós usamos os temas da música pop contemporânea para atualizar nosso repertório" -- explicam. Mas é preciso ressaltar, também, que os membros do The Bad Plus são excelentes compositores: ou seja, não trata-se apenas de uma banda de releituras que se apropria de material alheio para endossar seu repertório... Em se tratando das composições escritas pelos próprios músicos da banda, a estética soa a mesma: as composições são escritas para soar com roupagens sofisticadas de pop e rock, mas o desenvolvimento delas se dá através de improvisações livres, do jazz contemporâneo e de influências da música erudita moderna. Destaque, também, para o álbum Give (CBS Records, 2004) onde há ótimas composições próprias do trio e ótimas releituras dos temas "Velouria" dos Pixies e "Iron Man" do Black Sabbath. Já em relação aos temas escritos pelos próprios músicos, Give se destava em três faixas: And Here We Test Our Powers of Observation, escrita pelo contrabaixista Reid Anderson; Do Your Sums/Die Like a Dog/Play for Home, de autoria do pianista Ethan Iverson; e, por fim, Layin' a Strip for the Higher-Self State Line, onde o baterista Dave King mostra seu apreço pela música do pianista Vince Guaraldi, que ficou famoso por compor a trilha sonora do cartoon animado Charlie Brown e Snoopy. Após cinco álbuns ambientados na seara instrumental, o album For All I Care (2008), com participação da cantora indie Wendy Lewis, foi o único que surgiu quase que totalmente dedicado ao vocal e com uma sonoridade majoritariamente pop. Em 2010, o trio volta-se para sua veia instrumental lançando Never Stop (E1 Entertainment, 2010), o primeiro álbum só de composições dos próprios músicos -- e que marca, aliás, o décimo aniversário do trio. Em Never Stop, o trio passa a focar seu repertório menos em releituras e mais em temas próprios. Em seguida, o trio também passa a usar sintetizadores e efeitos eletrônicos em suas abordagens, vide o álbum Made Possible (2012). Segue-se uma versão ultra-iconoclasta da peça The Rite of Spring, de Stravinsky e uma surpreendente parceria com o saxtenorista Joshua Redman no álbum The Bad Plus Joshua Redman (Nonesuch Records, 2015). O trio volta a gravar um álbuns de releituras do pop e rock no álbum It's Hard (Okeh Records, 2016), ultimo registro com o pianista Ethan Iverson com membro da banda. Em 2018 a banda segue renovada com o pianista Orrin Evans no lugar de Ethan Iverson, formação com a qual já lançaram os álbuns Never Stop II (Legbreaker Records, 2018) e Activate Infinity (Edition Records, 2019). Orrin Evans tem uma sensibilidade mais "blue" e mais "jazzy", diferente do toque explosivo que Ethan Iverson tinha ao piano, mas a banda segue contemporânea sempre com novas paletas criativas a cada lançamento.
Vijay Iyer Quartet (2000 - 2008)
Estilos e elementos: post-bop, modern creative (m-base, free jazz, carnatic music)
Por que esta banda é essencial? Porque apresenta dois grandes inovadores da linguagem jazzística contemporânea -- o pianista Vijay Iyer e o saxofonista alto Rudresh Mahantappa -- através de um mix inédito de influências advindas do m-base, free jazz e música indiana (música carnática), post-bop entre outras influências. Iniciando sua carreira sendo mentorado por mestres como o trompetista Wadada Leo Smith e o trombonista George Lewis, em meados dos anos 90 o pianista Vijay Iyer já colaborava com um dos grandes inovadores do jazz: Steve Coleman, o criador do m-base. Sendo descendentes de indianos e trazendo referências polirrítmicas da música carnática para inovar o fraseado jazzístico, Vijay Iyer e Rudresh Mahantappa criaram uma linguagem exuberante, exótica e intrincada que surpreendeu e intrigou a crítica nos anos 2000. O primeiro álbum do quarteto é o Panoptic Modes (Red Giant, 2001) e traz Vijay Iyer ao piano, Rudresh Mahanthappa no saxofone alto, Stephan Crump no contrabaixo e Derrek Phillips na bateria. Apesar da aparente complexidade harmônica, rítmica e melódica e dos fraseados intrincados, Vijay Iyer chamou bastante atenção -- até mesmo da crítica mainstream -- por causa dos seus temas marcantes, sempre baseados em temáticas contemporâneas e tecnológicas do mundo globalizado. Nos anos seguintes, o baterista Tyshawn Sorey -- mestre de um estilo mais "free" e menos "funky" -- substitui Derrek Phillips e a banda torna-se ainda mais idiossincrática, fato que pode ser observado no álbum Blood Sutra (Artists House, 2003). Esse quarteto lançaria ainda mais dois álbuns: Reimagining (Savoy, 2005) e Tragicomic (Sunnyside, 2008). Nestes dois últimos álbuns o que se percebe é a exuberância e complexidade dos fraseados de forma mais diluída e mais suave, aproximando a música de Vijay Iyer cada vez mais próxima do post-bop mainstream. Importante observar neste quarteto a assustadora sinergia dos fraseados intrincados do sax alto de Rudresh Mahantappa com o piano de Vijay Iyer. Mahantappa -- que pode ser facilmente considerado um dos inovadores do saxofone nas últimas décadas -- tem desenvolvido uma amálgama que mistura elementos do bebop de Charlie Parker, com m-base e música carnática, o que lhe possibilita soar diferente de qualquer saxofonista que você já tenha ouvido.
The Nels Cline Singers (2002 até o presente)
Estilos e elementos: modern creative (free jazz, krautrock, indie-rock, instrumental rock, experimental, free jazz, post-bop, electronics)
Por que esta banda é essencial? Porque é um trio onde o guitarrista Nels Cline parte das influências do krautrock, indie rock e da música experimental e foca na combinação de efeitos elétricos e eletrônicos através de uso de vários tipos de guitarras, varios pedais de efeitos, loops, instrumentos reverberizantes como o vibrafone e glockenspiel, além de orgãos, teclados e sintetizadrores -- ou seja, é uma das bandas mais interessantes nas pesquisas com efeitos elétricos e eletrônicos e nas combinações variadas com os inúmeros efeitos psicodélicos, reverberizantes e eletrônicos que se tem notícia. Revezando-se entre mundos diferentes no universo da música -- entre ser um dos principais nomes do avant-garde característico da Downtown, um dos mais prolíficos guitarristas do jazz contemporâneo e ainda ser guitarrista da aclamada banda de indie-rock Wilco --, Nels Cline tem sido um dos músicos que mais contribuíram para uma expansão da sonoridade da guitarra, bem como para combinações sonoras inusuais: acústicas, elétricas e eletrônicas. O trio Nels Cline Singers -- que apesar do nome não há cantores ou foco vocal na banda -- é o veículo para que Nels Cline foque em melodias e harmonias que lhe dê possibilite "simplificar" esses efeitos. No geral, vê-se uma espécie de música com poucos solos abrasivos e poucos fraseios intrincados nos temas apresentados: a proposta é fazer suas guitarras "cantar" e os variados efeitos flutuarem como se fossem nuances vocais -- e daí o termo "singers". Lançando quatro (dos seis registros apresentados até hoje) pelo selo Cryptogramophone Records (do amigo violinista Jeff Gauthier), em 2014 Nels Cline lança o álbum Macroscope, o sexto e até agora último registro com o trio pelo selo Mack Avenue, um dos selos do jazz contemporâneo que foca mais em músicas ligados ao post-bop -- um sinal de que a proposta musical do The Nels Cline Singers, apesar de ter partido de uma proposta experimental, reverberizava para além dos muros estéticos e alcançava também parte do público mainstream. Interessante também as parcerias e colaborações que The Nels Cline Singers recebeu e empreendeu com músicos diversos tais como a tecladista Yuka Honda, a harpista Zeena Parkins e os percussionsitas Greg Saunier e Cyro Baptista, entre outros. A não perder está o registro The Celestial Septet (New World, 2008) onde o trio do The Nels Cline Singers se junto ao Rova Saxophone Quartet, um quarteto de saxofones, para formar um septeto de proporções eruptivas -- aqui um registro de um free jazz mais abrasivo.
Mostly Other People Do the Killing (2003 até o presente)
Estilos e elementos: modern creative (free jazz, free improvisation, post-bop, pop, rock, musical parody)
Por que essa banda é essencial? Porque é um quarteto enérgico que apresenta um jazz contemporâneo meio ao estilo "free music" e modern creative, mas repleto de remakes, paródias e bom humor -- o que leva o ouvinte a não apenas a apreciar os rompantes criativos dos quatro músicos como também querer saber mais sobre as obras das quais eles fazem os remakes. Liderado pelo contrabaixista Moppa Elliott e tendo como sidemans o fantástico trompetista Peter Evans, o fluente saxofonista Jon Irabagon e o explosivo baterista Kevin Shea, o Mostly Other People Do the Killing -- MOPDtK para os íntimos -- é um dos melhores quartetos de jazz em atividade nas últimas décadas . Moppa Elliott conheceu o trompetista Peter Evans quando ambos ainda estudavam no aclamado Oberlin Conservatory of Music. Já no cenário de Nova Iorque, conheceram o saxofonita Jon Irabagon e o baterista Kevin Shea, apresentado a eles pela guitarrista Mary Halvorson. Trata-se, portanto, de jovens músicos de vanguarda da ultima geração de jazzistas que até aprenderam a tradição da música erudita e do jazz clássico no conservatório, mas que se baseiam, enfim, no pop e rock indie, nas novas possibilidades das técnicas estendidas impostos pelo free jazz e pela livre improvisação européia -- é o modern creative das útimas décadas e na música pós-moderna como um todo. Ao todo, a banda já gravou sete álbuns, todos lançados pelo selo independente Hot Cup, de propriedade do próprio Moppa Elliott . Apesar de focarem tanto em temas próprios como releituras, geralmente os álbuns do quarteto são inspirados por figuras do mundo do jazz. O seu segundo álbum Shamokin!!! (Hot Cup, 2007) traz a arte da capa parodiando a capa do clássico álbum A Night in Tunisia, lançado por Art Blakey na Blue Note em 1961. Já no álbum This Our Moosic (Hot Cup, 2008) -- com uma capa que faz paródia para a capa do álbum This Our Music (Atlantic,1961) do Ornette Coleman Quartet --, Moppa Elliott mostra algumas das suas próprias composições evidenciando uma característica que seria recorrente nos registros seguintes: a maioria dos seus temas são inspirados pelas cidades e vilas do estado da Pensilvânia, onde nascera. Segue-se o álbum The Coimbra Concert, gravado em Portugal pela gravadora Clean Feed em 2010, com uma capa inspirada no álbum The Köln Concert (ECM, 1975), do pianista Keith Jarrett. E em 2013, o quarteto lança seu mais original álbum, Slippery Rock, que evidencia um jazz contemporâneo baseado no rock, pop e smooth jazz purpurinado dos anos 80 com altas doses de free jazz. Interessante também é o álbum Red Hot, onde o quarteto mostra algumas divertidas releituras do jazz tradicional dos anos 1920, lembrando do jazz de Louis Armstrong na época das bandas Hot Five e Hot Seven.
Underground Quartet (2006 - 2013)
Estilos e elementos: post-bop (jazz-funk, m-base, fusion, pop songs, electronics)
Por que esta banda é essencial? Porque Chris Potter, um dos mais expressivos saxofonistas das últimas décadas, atingiu com esta banda um dos mais altos patamares no range do post-bop contemporâneo. O que Chris Potter faz com esta banda é deixar-se inspirar pelas abordagens do jazz-funk com pitadas de m-base, impondo uma fragmentação das batidas funkeadas através de métricas polirrítmicas. Aliás, a base rítmica passa a mostrar grooves implícitos que, na sua essência, nem podem ser considerados "funky", propriamente ditos. Chris Potter também recheia os grooves polirrítmicos do seu quarteto com pontuais e criativos efeitos eletrônicos, algumas vezes dando versões jazzísticas ultra-modernas para temas do pop e rock, ou compondo seus próprios temas com atmosferas urbanas. Já sendo considerado um dos maiores improvisadores da sua época, Chris Potter e seu Underground Quartet gravaram seu primeiro registro em 2006, vide o álbum Underground (Sunnyside). Quer dizer: muito embora Chris Potter já vinha se apresentando com quartetos de sax, guitarra, baixo e bateria, é neste álbum Underground (Sunnyside, 2006) que o saxofonista atinge a liga perfeita, revezando-se em temas autorais como também e releituras: vide as versões de "Morning Bell" (do grupo de rock alternativo Radiohead) e "Yesterday" (John Lennon, Paul McCartney). Neste álbum o quarteto traz, então, o próprio Chris Potter ao sax tenor, Wayne Krantz e Adam Rogers nas guitarras elétricas, Craig Taborn no piano elétrico (Fender Rhodes) e Nate Smith na bateria.
O quarteto segue com o álbum ao vivo Follow the Red Line (Live at the Village Vanguard) em 2007, onde cinco dos seus temas são de autoria de Chris Potter, o que evidencia que, com esta banda, sua capacidade criativa e imagética entrava num novo ciclo de desenvolvimento. A evolução da sonoridade contemporânea do Underground Quartet fica clara no álbum Ultrahang (ArtistShare, 2009) onde Chris Potter continua sua excelente escalada composicional -- exceto na versão de "It Ain't Me, Babe" (Bob Dylan) -- e se aproxima cada vez mais de atmosferas urbanas. Nos anos seguintes, o quarteto seria contratado pela gravadora ECM, o que traria novos ares à música de Chris Potter: é desta fase o projeto orquestral Imaginary Cities (ECM, 2013), onde o jazz quartet une-se a um quarteto de cordas acrescido de vibrafone para dar vida à suite de mesmo nome do álbum. Podemos dizer que -- apesar da alta capacidade em trafegar por estilos e projetos diversos, a qual já vinha mostrando desde a década de 90 -- foi com este grupo que Chris Potter atingiu o auge da sua expressividade como leader, compositor e improvisador -- o que, consequentemente, contribuiu para a riqueza do contemporary post-bop das décadas de 2000 2010.
SF Jazz Collective (2004 - até o presente)
Estilos e elementos: post-bop (jazz-funk, fusion, pop songs, standards)
Por que essa banda é essencial? Porque trata-se de um octeto rotativo de músicos estelares que se tornou célebre pelos arranjos jazzísticos contemporâneos que dão para standards dos grandes mestres e pelas sofisticadas versões jazzísticas que dão para canções pop, além das suas próprias composições. San Francisco Jazz Collective -- chamado abreviadamente de SF Jazz Collective -- é um coletivo de 8 músicos que foi fundado em 2004 quando a James Irvine Foundation procurava formar uma banda -- um projeto sem fins lucrativos -- que pudesse representar o evento anualmente: daí surgiu a ideia de recrutar oito grandes músicos de oito dos principais instrumentos do jazz, criando portanto, um octeto que pudesse ser a atração principal do evento, e pudesse representá-lo perante a crítica e público além do reduto de São Francisco. A primeira configuração do grupo teve a pianista Renee Rosnes, o trompetista Nicholas Payton, o vibrafonista Bobby Hutcherson, o saxtenorista Joshua Redman, o sax-alto Miguel Zenon, o trombonista Josh Roseman, o baterista Brian Blade e o contrabaixista Robert Hurst. O projeto deu tão certo que o SF Jazz Collective passou a ser requisitado em outros festivais estadunidenses e europeus, se transformando numa verdadeira legenda do jazz contemporâneo, com diversos músicos estelares participando ano a ano do seu plantel de colaboradores. Em 2012, com fundos angariados pela James Irvine Foudation, o octeto passou a residir no SFJAZZ Center, um moderno prédio dedicado a shows e à educação do jazz para a população de Los Angeles. Mas apesar do sucesso, é preciso salientar que o projeto-piloto do SF Jazz Collective se mantém como sendo sem fins lucrativos, ou seja, apenas como uma banda residente do San Francisco Jazz Festival comissionada pela James Irivine Foudation -- tanto que a maioria das gravações do grupo são editadas por uma etiqueta própria, a SFJAZZ Records, e as edições recebem tiragens limitadas apenas para divulgar o programa e repertório anual da fundação. Contudo, a gravadora Nonesuch levou ao mercado duas gravações do octeto: o álbum homônimo SF Jazz Collective, de 2005, e o segundo álbum SF Jazz Collective 2, de 2006. A essência do grupo, afinal, é que a cada ano, o octeto tem a exigência de apresentar um programa onde apresenta releituras contemporâneas para uma lista de compositores do jazz moderno.
Em 2004 eles trabalharam o repertório de Ornette Coleman, em 2005 fizeram arranjos em cima das composições de John Coltrane, em 2006 escolheram o repertório de Herbie Hancock, em 2007 trabalharam com temas de Thelonious Monk, em 2008 com temas de Wayne Shorter e, neste ano de 2009, o compositor escolhido foi McCoy Tyner. Nos anos seguintes, o SF Jazz Collective expandiu suas releituras ao universo da soul music, funk e pop incluindo em seus programas temas de Stevie Wonder e Michael Jackson. Após escolherem os repertórios de cada compositor que será homenageado no programa, o grupo divide os arranjos entre seus músicos. Desta forma, o octeto é visto como um grupo igualitário onde cada músico participa como compositor ou arranjador, incrementando standards ou criando composições novas que predigam elementos contemporâneos como uma forma de direcionar o jazz para o futuro. Fora do programa de releituras, é interessante ouvir o álbum Miguel Zenón Retrospective: Original Compositions, 2004-2016 (SFJAZZ, 2018), em tributo ao saxofonista Miguel Zenon, fundador e diretor artístico da banda.
James Farm (2009 - até o presente)
Estilos e elementos: post-bop (jazz-funk, neo-soul, pop, rock, folk)
Por que essa banda é essencial? Porque trata-se de uma das maiores formações do jazz contemporâneo, considerado os históricos estelares dos quatro músicos -- uma banda que sintetiza perfeitamente o post-bop contemporâneo. Formada pelo saxtenorista Joshua Redman, pelo pianista Aaron Parks, pelo contrabaixista Matt Penman e pelo baterista Eric Harland -- alguns dos mais aclamados músicos dos últimos anos, portanto --, a banda recebe esse nome em função das iniciais dos acrônimos dos nomes dos seus integrantes, e também fazendo alusão a uma histórica e famosa fazenda de imigrantes irlandeses, chamada James Akey Farm, presente no sudeste de Ohio. A banda foi formada em meados de 2009 e teve sua estréia no palco do Montreal Jazz Festival deste mesmo ano. Em 2011, a banda lançou seu primeiro disco, um homônimo pela excelente gravadora Nonesuch: uma excitante e mui contemporânea amostra de como o post-bop está se trajando, de como o jazz contemporâneo tem evoluído nas últimas décadas. Em suas composições próprias, a banda evidencia influências contemporâneas do pop, rock, neo-soul, folk, música eletrônica, dentre outras, todas amalgamadas em temas jazzísticos agradáveis e claros, com grande foco na amplitude da improvisação, na plenitude do fraseado jazzístico contemporâneo.
"James Farm is where we pool our collective knowledge, let run the best of our ideas arising from our varied musical influences, while acknowledging substantial common ground—a love of jazz, a fascination with song and structure, an obsession with groove, and a receptivity to contemporary influences. A band where we can be creative composers and improvisers, in step with the rhythm of the times, constantly evolving." -- resume o contrabaixista Matt Penman. Ou seja, James Farm é uma banda que, basicamente, une a paixão do jazz acústico, o fascínio pela canção bem estruturada e a mente aberta para grooves contemporâneos que expressem a variedade de rítmos da atual pós-modernidade. Embora os quatros músicos nunca tivessem tocado juntos antes da formação do quarteto, o destino permitiu que eles já tivessem tido afinidade através de outras bandas e outras gravações: Joshua Redman, Matt Penman e Eric Harland já tocavam juntos no emblemático octeto San Francisco Jazz Collective; enquanto que o pianista Aaron Parks, o mais novo da banda, já solicitara Matt Penman e Eric Harland para compor a cozinha da banda que gravou seu disco de estréia, o excelente Invisible Cinema, lançado pela Blue Note em 2008. Formada em caráter colaborativo, James Farm é um exemplo de banda na qual seus membros são co-líderes, ou seja, eles dividem os créditos e há temas e arranjos compostos por cada um deles. Em 2014, a banda lança seu segundo álbum, City Folk, com temas frescos e bem elaborados e com magníficas improvisações que dão continuidade em seu tão marcante post-bop repleto de influências contemporâneas, indo do pop ao folk.
Beat Music! (2010 - até o presente)
Estilos e elementos: Nu jazz (post-bop, drum'n'bass, house music, techno music, pop, IDM electronic music )
Por que esta banda é essencial? Porque com esse combo, o baterista Mark Guiliana segue expandindo as possibilidades de novos beats e novas combinações rítmicas tanto através da bateria convencional como através da bateria eletrônica, bem como segue incorporando ao jazz novas possibilidades e efeitos eletrônicos através dos mais novos instrumentos digitais -- a proposta é tocar música eletrônica com a sofisticação improvisativa do jazz e, por consequência, propor ao jazz novas combinações de batidas e efeitos eletrônicos através da bateria eletrônica, sintetizadores e teclados analógicos e digitais. Neste aspecto, Mark Guiliana está na vanguarda da bateria jazzística, com uma pesquisa instrumental com poucos paralelos neste atual momento onde a música eletrônica se efetiva como um dos principais ingrediantes para o futuro do jazz. Inspirando-se em Art Blakey (um dos bateristas de batida mais emblemática da história do jazz) sua obsessão é criar manualmente beats polirítimicos com a precisão de um computador -- há momentos, aliás, que o ouvinte não conseguirá diferenciar, de imediato, se o baterista está tocando uma bateria de caixa e pratos tradicionais ou se está tocando uma bateria eletrônica, se está usando apenas programação em aparatos e computadores ou se está ele mesmo tocando com suas próprias mãos. Iniciando com essa banda em 2010, o ouvinte mais aventureiro pode encontrar esses estudos e pesquisas nos seguintes álbums: Beat Music (2012), BEAT MUSIC The Los Angeles Improvisations (2014) e o mais recente Beat Music! Beat Music! Beat Music! (2019), sendo que este último representa o ápice da carreira do baterista com a banda, tendo sido reconhecido como um dos melhores lançamentos de 2019 e tendo concorrido ao Grammy Award na categoria Best Contemporary Instrumental Album. Muito embora haja críticos mais puristas que não consideram a banda Beat Music! como sendo uma banda de jazz, propriamente dita, Mark Guiliana deixa claro que, apesar do jazz ser a base central da sua obra e carreira, ele ainda explica que foi tão impactado pela música eletrônica pop quanto pela música de John Coltrane, o que levou a unir as duas estéticas: suas audições à música do criativo DJ Aphex Twin o associou a ouvir Elvin Jones com Coltrane, e as batidas eletrônicas de Squarepusher o atingiu de maneira semelhante de quando ele ouviu Tony Williams com Miles Davis pela primeira vez. Então por que não unir aspectos criativos de duas estéticas musicais distintas para criar música nova?
Medeski Martin & Wood (1992 - até o presente)
Estilos e elementos: jazz-funk, jam band, modern creative (soul jazz, jazz fusion, nu jazz, free jazz, avant-garde , modern classical music, experimental music, electronics)
Por que essa banda é essencial? Porque além de ser uma das bandas adeptas ao estilo "jam band" -- que preza por live shows e exposições musicais experimentais baseados em grooves e improvisos longos, mais parecidos com jam sessions --, o power trio também é um dos combos mais ecléticos do jazz, contribuindo para evidenciar um novo estilo de jazz funk com grooves contemporâneos, novos efeitos, novas texturas e novas experimentações para os formatos de piano trio e organ trio, incluindo também o uso de sintetizadores, teclados (analógico e digitais) e efeitos de pedais. Formado no início dos anos 90 por John Medeski piano, teclados, orgão, sintetizadores), Billy Martin (bateria, percussão) e Chris Wood (contrabaixos), ao longo dos anos o trio se tornou inclassificável em termos de gêneros, sendo que uma das estranhas denominações que o estilo do trio já recebeu, por exemplo, foi o de "avant-groove". Embora eles tenham começado com uma configuração de jazz mais ou menos direcionada para piano, bateria e baixo, aos poucos eles foram expandindo sua música com configurações instrumentais incomuns e inspirando-se em gêneros um tanto distantes do jazz -- apesar de manter o "espírito do jazz" como principal essência. Medeski adicionou piano elétrico (equipado com pedais de distorção e outros efeitos) e começou a alternar entre o órgão Hammond, Clavinet, Mellotron e outras teclas modernas. Wood alternava, além do contrabaixo acústico, começou a tocar também contrabaixo elétrico e a usar técnicas estendidas como, por exemplo, colocar papel atrás das cordas para obter um efeito sonoro inusitado, ou usar uma baqueta para percurtir as cordas do contrabaixo. Martin também começou a se inspirar numa variedade enorme de influências internacionais no que diz respeito aos instrumentos de percussão e kits adicionais em sua bateria, além do uso inusitado de diversos objetos.
No site do trio, há uma definição que pode ilustrar a música que eles criam: "algo como uma mistura profana do soul jazz de Jimmy Smith (pioneiro do orgão Hammond no jazz), do avant-garde erudito de György Ligeti e do free jazz repleto de world music do Art Ensemble de Chicago", algo que conquista amantes do rock alternativo, aficionados por bandas de jam music e fanáticos pelo jazz mais criativo. A aventura em shows ao vivo -- o chamado aspecto "jam band", movimento ao que o trio aderiu -- também desencadeou uma abordagem experimental de gravação, o que também influencia no resultado musical final: caso do álbum Shack-Man que foi gravado em 1996 com energia solar em um barraco de madeira em meio às mangueiras e plumerias na grande ilha do Havaí; caso do disco Combustication (Blue Note, 1998) que recrutou dois engenheiros radicalmente diferentes para criar abordagens sonoras complementares; caso também dos álbuns Live at Tonic (2000) e Electric Tonic (2001), gravados em Nova York; e caso também das suas parcerias em shows ao vivo, como suas duas colaborações com o guitarrista John Scofield, vide os álbuns A Go Go (1998) e Out Louder (2006, este sob o nome Medeski Scofield Martin & Wood). Dispostos, a nunca parar de experimentar novas vibes e novos efeitos, o trio também atua em selo próprio, a Indirecto Records, quando querem criar algo ainda mais idiossincrático que não caiba nas imposições das grandes gravadoras. Dos anos 2000 para cá a banda alcançou um status tão abrangente em termos de ecleticidade que passou a receber comissões ou a colaborar com uma série de grandes nomes do universo da música: do cantor de punk rock Iggy Pop ao experimentalista John Zorn, da tradicional Dirty Dozen Brass Band ao ensemble de música erudita contemporânea Allarm Will Sound.