Arquivo do Blog

ALBUM DA SEMANA (01)

★★★ - adjust - Anna Webber, Ken Thompson & Anzu Quartet (Cantaloup Music, 2025)
Atualmente, neste início de século 21, é um percurso natural que os músicos mais criativos do jazz adentrem o universo composicional da música erudita. Neste álbum, Anna Webber adentra o universo da música de câmara contemporânea, apresentando uma obra marcada por ecos do jazz, da livre improvisação, das técnicas estendidas e por uma paleta de referências que vai do avant-garde jazz de Anthony Braxton à música espectral de Gérard Grisey, passando ainda por ressonâncias de Olivier Messiaen. Lançado em 25 de abril de 2025 pela gravadora Cantaloupe Music, adjust marca também a estreia fonográfica do Anzû Quartet —— formado por Olivia De Prato (violino), Ashley Bathgate (violoncelo), Ken Thomson (clarinete) e Karl Larson (piano) —— quatro intérpretes consagrados da cena de música contemporânea de Nova York, numa formação inspirada na instrumentação do Quatuor pour la fin du temps, de Olivier Messiaen. O projeto apresenta duas obras de fôlego: a suíte adjust (cinco partes), composta em 2022 por Anna Webber especialmente para o quarteto, e a tríptica Uneasy (três movimentos), escrita por Ken Thomson entre 2017 e 2019 e originalmente encomendada pelo Unheard-of//Ensemble. Com duração total de 40 minutos, o álbum traz um encarte de 16 páginas com notas de Karl Larson, detalhando os procedimentos composicionais empregados pelos dois criadores. Uma atenção especial é necessária para compreender o conjunto de processos que Anna Webber incorpora em cada camada de suas peças. Além das seções previamente estruturadas e totalmente notadas, a compositora inclui gestos rítmicos sem alturas definidas, concedendo ao intérprete liberdade para determinar as notas específicas. Em outros trechos —— como no terceiro movimento —— Webber exige que cada músico combine ou mescle “material primário” e “material secundário”. Há também passagens em que a compositora sugere que os integrantes do quarteto improvisem contrarritmos e contrapontos polirrítmicos sobre as linhas escritas, iniciando juntos, mas sem sincronização. Em momentos adicionais, ela solicita que os músicos interponham o “material secundário” sobre o “material primário” à vontade, interrompendo e reformulando a textura previamente estabelecida. Seguindo uma linhagem trans-idiomática que dialoga com os jogos e rituais composicionais de Anthony Braxton, Webber busca revelar um todo coeso que, apesar dos numerosos elementos experimentais, mantém um senso idiomático próprio. Fiel à sua prática de integrar improvisação livre às estruturas notadas, a compositora abre espaço para que o clarinete improvise à vontade no quarto movimento, instruindo Ken Thomson a “improvisar livremente” sobre as camadas suavemente repetitivas entrecruzadas por violino, violoncelo e piano. Assim, interpolações, enxertos, bitonalidades, atonalidades e efeitos assíncronos coexistem em um conjunto inventivo e repleto de surpresas. Esteticamente, adjust situa-se na intersecção entre música de câmara contemporânea e elementos oriundos do jazz experimental, incorporando técnicas estendidas —— uso não convencional do arco e dos sopros, pizzicatos, multifônicos, microtonalidades, timbres percussivos e improvisação controlada —— para criar um discurso que oscila entre o sombrio e o luminoso, alternando tensão e fluidez em fluxo contínuo. A peça-título reflete o “ajuste” entre escrita e improvisação: o termo funciona como metáfora para a retomada da vida e das atividades no período de encerramento dos lockdowns e do retorno pós-pandemia, explorando, de forma imagética, muitos dos contrastes e complexidades daquele momento. Já Uneasy, de Ken Thomson, traduz em textura cinética as ansiedades do mundo moderno. Trata-se de um registro que nos permite atestar, com clareza, as intenções criativas e inovadoras de Anna Webber nesse território mais erudito da new music. Uma das surpresas de 2025!

Facts & News not to Forget 2024: 90 Anos da Downbeat, 25 Músicos para o Futuro do Jazz, Pulitzer e outros prêmios...

IMMANUEL WILKINS | TYSHAWN SOREY | ESPERANZA SPALDING | MIGUEL ZENÓN

A Downbeat Magazine, a mais tradicional revista sobre jazz, está fazendo 90 anos de idade neste ano de 2024. E para comemorar, a revista lançou neste mês uma double edition, com duas edições conjuntas e exclusivas. São praticamente duas revistas em uma, para quem fizer o download ou para quem comprar a versão física: uma para celebrar seu legado histórico e outra para atualizar seus leitores quanto ao futuro. Há um edição👉"Legacy - Special Collectors Edition" com capa comemorativa e com entrevistas, blindfold tests e artigos históricos envolvendo Bessie Smith, Louis Armstrong, Duke Ellington, Miles Davis, Sara Vaughan, John Coltrane, Max Roach, Melba Liston, Randy Weston, Sonny Rollins, Joni Mitchell, Toshiko Akiyoshi, McCoy Tyner, Michael Brecker, dentre outras figuras lendárias do jazz. E há outra edição chamada 👉25 For The Future, com artigos sobre alguns jovens músicos despontados nos últimos tempos aos quais os críticos da revista estão creditando serem Essenciais para o Futuro do Jazz. Se não nos falha a memória, as últimas listas 25 For The Future foram publicadas em 2016 e 2020 —— uma lista atualizada aos leitores de quando em quando, sendo que vários desses rising stars nós já abordamos aqui no blog.

Segue a lista 25 For The Future: 

Immanuel Wilkins (saxofonista, USA)

Isaiah Collier (saxofonista, USA)

Laufey (cantora, Islândia)

Emmet Cohen (pianista, USA)

Riley Mulherkar (trompetista, USA)

Pasquale Grasso (guitarrista, Itália)

Bunker & Moses (dupla de saxofone e bateria, Reino Unido)

Samara Joy (cantora, USA)

Samora Pinderhughes (cantor e pianista, USA)

Elena Pinderhughes (flautista e cantora, USA)

Micah Thomas (pianista, USA)

Theon Cross (tubista, Reino Unido)

Steven Feifke (pianista e arranjador, USA)

Simon Moullier (vibrafonista, França)

Vanisha Gould (cantora, USA)

Nick Dunston (contrabaixista, USA)

Summer Camargo (trompetista, USA)

Julieta Eugenio (saxofonista, Argentina)

Liany Mateo (contrabaixista, USA)

Kalia Vandever (trombonista, USA)

Justin Tyson (baterista, USA)

Josh Johnson (saxofonista, USA)

Miki Yamanaka (pianista, Japão)

Chien Chien Lu (percussionista, vibrafonista, China)

Jeremy Dutton (baterista, USA)

A Fundação Doris Duke, criada em 1958 pela homônima filantropa estadunidense, anunciou há poucos dias os ganhadores do seu prêmio filantrópico de incentivo às artes —— praticamente uma bolsa de incentivos dada para artistas já aclamados. O Doris Duke Artist Award foi criado pela fundação em 2012 para incentivar a criatividade, financiar artistas e contribuir para uma melhor sociedade, reconhecendo os artistas pelo seu histórico já estabelecido em disciplinas das artes performáticas como dança contemporânea, jazz e teatro. O prêmio e toda a programação à ele associada são projetados para criar condições nas quais os artistas possam prosperar: isso inclui financiamento para novas peças e novas gravações, despesas pessoais, um fundo disponível para financiar novos projetos educacionais e culturais e até uma economia para colaborar com a aposentadoria do artista. Além de fornecer um prêmio em dinheiro de US$ 525.000 em fundos irrestritos e um incentivo de até US$ 25.000 para a aposentadoria, a fundação também oferece apoios aos artistas vencedores no desenvolvimento profissional, planejamento financeiro, serviços de gerenciamento de carreira, oportunidades de networking, shows, concertos, programações e outras oportunidades. Os ganhadores-homenageados de 2024 são Nataki Garrett (teatro), Shamel Pitts (dança), Acosia Red Elk (dança), Esperanza Spalding (jazz), Chay Yew (teatro) e Miguel Zenón (jazz). Para nós, aqui do blog, interessa os fatos de a contrabaixista Esperanza Spalding e o sax-altoísta Miguel Zenón terem sido laureados. Tratam-se de dois dos grandes músicos de jazz do nosso tempo!!! Miguel Zenón, porto-riquenho radicado nos EUA, vem se estabelecendo desde os anos 2000 com seus inovadores álbuns de fusão entre o post-bop e suas raízes caribenhas e latinas, foi membro-fundador do emblemático San Francisco Jazz Collective, tem sido indicado a vários Grammys e já foi laureado com bolsas e prêmios como Guggenheim e MacArthur Fellow. Já a vocalista e contrabaixista Esperanza Spalding ganhou cinco Grammy Awards, um Boston Music Award, um Soul Train Music Award, foi laureada com dois doutorados honorários (um alma mater na Berklee College of Music a outro no California Institute of the Arts), tem lançado álbuns hiper-criativos em diversos conceitos com faixas sempre presentes nos top lists da Billboard e é fanática pela música brasileira, tendo lançado, agora recentemente, um álbum em parceria com ninguém menos que o nosso querido e legendário cantor Milton Nascimento.

O Prêmio Pulitzer, considerado a premiação mais importante das áreas da composição musical, jornalismo e literatura nos EUA, também revelou há poucos dias os seus ganhadores. E mais uma vez o Pulitzer se mostrou atento à diversidade da criação musical que hoje enriquece os palcos estadunidenses —— vocês devem se lembrar (e eu já escrevi sobre isso👉aqui no blog) que de 1917 até os anos de 1990 esse prêmio foi dado apenas para compositores eruditos brancos do restrito circuito da música de concerto, mas já a partir da segunda metade dos anos 90, com o trompetista e compositor Wynton Marsalis ganhando o prêmio por sua masterpiece Blood On The Fields no certame de 1997, houve um direcionamento de valorização da diversidade que começou a englobar compositores do jazz e doutros gêneros musicais. Pois o ganhador do👉Pulitzer Prize em Música de 2024 foi o versátil baterista e compositor Tyshawn Sorey, que ganhou o prêmio por sua peça "Adagio (For Wadada Leo Smith)". Além de ser um requisitadíssimo bandleader e liderar suas própias bandas e grupos ambientados no jazz contemporâneo, Tyshawn Sorey também vem sendo requisitado e comissionado para escrever peças para vários ensembles e grandes orquestras de música erudita, incluindo peças encomendadas pelo International Contemporary Ensemble, pelo Alarm Will Sound e pela Opera Philadelphia. Essa peça "Adagio (For Wadada Leo Smith)" —— escrita em homenagem ao trompetista e compositor Wadada Leo Smith, que também foi finalista do Pulitzer em 2013 —— foi encomendada para ser apresentada no Festival de Lucerna pela Orquestra Sinfônica de Atlanta, e trata-se de um concerto que Tyshawn escreveu para saxofone e orquestra na condição de um curioso "anti-concerto". A peça consiste no saxofone pairando melodiosamente num espectro de lentidão repleto de texturas, atmosferas silenciosas e harmonias sobrepostas, oferecendo uma abordagem diferente tanto para o saxofone na condição de solista quanto para o gênero do concerto, que é sempre muito afeito à demonstrações técnicas de frases velozes. Para ser ganhadora, a peça "Adagio (For Wadada Leo Smith)" de Tyshawn Sorey precisou desbancar duas outras peças finalistas: "Paper Pianos" da compositora armênia Mary Kouyoumdjian; e Double Concerto para Flauta, Contrabaixo e Orquestra, escrita para a contrabaixista Esperanza Spalding e a flautista Claire Chase pelo compositor brasileiro Felipe Lara —— todos jovens compositores! Aliás, o fato surpreendente, enfim, é ter um brasileiro como finalista desse tão grandioso prêmio!!! Felipe Lara merece não apenas ser notícia em todos os sites, canais e espaços jornalísticos brasileiros e internacionais, bem como agora suas obras também merecem mais atenção nos programas dos grandes palcos, teatros e outros circuitos! Ademais, vale aqui ressaltar que o Pulitzer também laureou o emblemático crítico e pensador cultural Greg Tate com uma menção especial post-mortem. Crítico de longa data do jornal The Village Voice, Greg Tate entrou para a história da literatura americana como um dos escritores e pensadores mais afiados nos assuntos históricos e contemporâneos de raça, música e cultura afro-americana , sendo um dos responsáveis pela conquista da respeitabilidade do hip-hop como um gênero digno de crítica musical e enriquecendo trilhas de pensamento cultivadas por escritores e pensadores —— nem sempre concordantes entre si, por vezes divididos entre Martin Luther King e Malcom-X... —— tais como Amiri Baraka, Stanley Crouch, Emily Ruth Rutter, Naila Keleta-Mae e Cornel West.

A Jazz Journalist Association, uma organização internacional formada pelos profissionais de mídia que produzem, documentam, escrevem e promovem em torno do jazz, acaba de anunciar sua premiação aos "Melhores do Ano" em várias categorias. As listas são duas: Winners for Jazz Performance and Recordings, que traz os melhores instrumentistas, os melhores ensembles, os melhores álbuns e os melhores shows e performances do ano, entre outras categorias...; e também temos Winners in Jazz Journalism, onde são elencados os melhores jornalistas, críticos, radialistas, podcasters, blogueiros, fotógrafos, designers, escritores e etc... Como é uma lista formada por profissionais do jornalismo, então é comum que alguns músicos veteranos estejam elencados mesmo quando esses músicos não foram produtivos em termos de novas gravações e novos álbuns, pois também são considerados fatores quantitativos e qualitativos em termos de shows, concertos, projetos, aparições na mídia, relevância em publicações..., fatores esses mais atestados num trabalho de campo jornalístico. Trata-se de uma lista, enfim, mais centrada nos músicos já aclamados. Mas é uma lista importante que também sempre traz boas surpresas. Segue abaixo os melhores de 2023/ 24. No👉site da JJA é possível verificar todos os indicados em cada categoria.


Performance and Recordings Awards

Lifetime Achievement in Jazz: Jack DeJohnette

Musician of the Year: Christian McBride

Up and Coming Musician of the Year: Isaiah J. Thompson

Composer of the Year: Billy Childs

Arranger of the Year: Darcy James Argue

Record of the Year: Where Are We, Joshua Redman (Blue Note Records)

Historic Record of the Year: Evenings At The Village Gate, John Coltrane and Eric Dolphy (Impulse!)

Record Label of the Year: Blue Note Records

Record Producer of the Year: Zev Feldman

Male Vocalist of the Year: Kurt Elling

Female Vocalist of the Year: Cécile McLorin Salvant

Large Ensemble of the Year: Sun Ra Arkestra

Mid-sized Ensemble of the Year: Artemis

Duo of the Year: Fred Hersch (piano) & Esperanza Spalding (vocals)

Trumpeter of the Year: Ambrose Akinmusire

Trombonist of the Year: Trombone Shorty

Brass Specialist: Marcus Rojas (Tuba)

Alto Saxophonist of the Year: Lakecia Benjamin

Tenor Saxophonist of the Year: Joshua Redman

Baritone Saxophonist of the Year: Claire Daly

Soprano Saxophonist of the Year: Branford Marsalis

Multiple Reeds Player of the Year: James Carter

Flutist of the Year: Nicole Mitchell

Clarinetist of the Year: Anat Cohen

Guitarist of the Year: Mary Halvorson

Strings: Violin, Viola, Cello Player of the Year: Tomeka Reid

Pianist of the Year: Kenny Barron

Keyboards Player of the Year: Herbie Hancock

Bassist of the Year: Linda May Han Oh

Electric Bassist of the Year: Esperanza Spalding

Percussionist of the Year: Kahil El’Zabar

Mallet Instrumentalist of the Year: Joel Ross

Traps Drummer of the Year: Brian Blade

Player of Instruments Rare in Jazz: Béla Fleck


Journalism and Media Awards

Lifetime Achievement in Jazz Journalism: Will Friedwald

Robert Palmer-Helen Oakley Dance Award for Excellence in Writing in 2023: Larry Blumenfeld

The Marian McPartland-Willis Conover Award for Career Excellence in Broadcasting: Sid Gribetz

The Lona Foote-Bob Parent Award for Career Excellence in Photography: Adriana Mateo

Photo of the Year: Susana Santos Silva by Luciano Rossetti

Book of the Year About Jazz: Biography or Autobiography: Easily Slip Into Another World: A Life in Music, by Henry Threadgill with Brent Hayes Edwards (Penguin Random House)

Book of the Year About Jazz: History, Criticism and Culture: In Search of a Beautiful Freedom, by Farah Jasmine Griffin (Norton)

Jazz Periodical/Website of the Year (edited, curated, multiple contributors): DownBeat

Jazz Blog of the Year (posts by a single author or collective): The Honest Broker, by Ted Gioia

Jazz Podcast of the Year: The Buzz: The JJA Podcast

Album Art of the Year: Roscoe Mitchell Orchestra and Space Trio at the Fault Zone Festival, painting by Roscoe Mitchell