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Jazz and Art 5 - 85 Anos da Blue Note: As fases da gravadora retratadas pelo design gráfico dos seus álbuns icônicos!!!

 
A Blue Note, a gravadora que definiu a modernidade do jazz entre as décadas de 40 e 60 —— e ainda mantendo-se importante nas décadas posteriores, mesmo diante de períodos de inatividade, mudanças comerciais e fusões com outras subsidiárias ——, faz 85 anos de vida neste ano de 2024 e continua sendo um exemplo inconteste de frescor e contemporaneidade. Em seu site, a Blue Note está anunciando que este ano de 2024 será repleto de várias mostras e eventos em celebração ao seu aniversário: merchandising e vendas de produtos e kits celebrativos (camisetas, bonés, canecas, box sets e etc), exposições das fotos de Francis Wolff, playlists, shows e turnês com seu grupo de estrelas Blue Note Quintet, programações especiais envolvendo os clubes da franquia Blue Note (e outros clubes terceiros), reedições e lançamentos... e diversas outras programações, eventos e mostras. E neste post, iremos contar um pouco da história do selo com um enfoque voltado mais para os inovadores conceitos de arte gráfica que marcaram seus álbuns icônicos. Quando os imigrantes Alfred Lion (judeu naturalizado alemão) e seu amigo de infância Francis Wolff (alemão) fundaram a Blue Note em 1939, uma pequena gravadora independente inicialmente ambientada em estilos do jazz tradicional (hot jazz, boogie woogie, swing e etc), eles talvez não previram que seu pequeno empreendimento se tornaria a mais icônica gravadora da história do gênero. E essa grandiosidade não é representada apenas pelos top charts da Billboard ou por seus rankings de vendas —— o que, para os empresários e produtores, sempre foi uma obsessão ——, mas o é, sobretudo, por seu conceito e por sua linhagem musical, os quais realmente definiram o jazz moderno nas décadas de 1940, 50 e 60 através das inovações do bebop, hard bop, modal jazz, post-bop e free jazz. Através dos inovadores conceitos de fotografia, design, arte gráfica, gravação e engenharia de áudio introduzidos por Francis Wolff, Reid Miles e Rudy Van Gelder, os álbuns da Blue Note revelaram, redescobriram e popularizaram os mais inovadores músicos que ajudaram a modernizar o jazz, incluindo desde pioneiros como Sidney Bechett até mestres modernos como Horace Silver, Miles Davis, Donald Byrd, Lee Morgan, John Coltrane, Wayne Shorter, Herbie Hancock... incluindo até vanguardistas como Ornette Coleman, Eric Dolphy e Sam Rivers. Após essa fase de inovações constantes, a Blue Note, assim como todas as gravadoras de jazz dos anos 60 e início dos anos 70, entraria em um inevitável declínio diante das tantas tendências que começaram a dominar o mercado da época, começando a sofrer grandes perdas de faturamento e de espaço por conta do rock'n'roll e das variabilidades comerciais do soul, funk e R&B —— era uma época de muito Beatles, invasão inglesa, hippies, James Brown, Motown, início das discotecas e etc. Diante disso, a saída não foi outra a não ser apelar, também, para designs e roupagens sonoras mais jovens e comerciais, a começar pelo sucesso repentino do álbum The Sidewinder (1964), onde o trompetista Lee Morgan mostra seu penetrante hard bop com levada "funky", e a evoluir para os álbuns ainda mais comerciais onde a gravadora adota a tendenciosa abordagem de design gráfico com inclusão de mulheres nas capas dos álbuns: nessa fase de diretriz comercial, mas ainda inovadora e emblemática em termos estéticos, os álbuns de saxofonista Lou Donaldson, por exemplo, foram deveras representativos. Contudo, ainda assim, o declínio da Blue Note estava cravado e se acentuaria ainda mais com a aposentadoria de Alfred Lion em 1967, com a seguida demissão de Reid Miles e com o falecimento de Francis Wolff em 1971.
   
Já em 1965, as quedas de faturamento levaram a Blue Note a ser adquirida pela Liberty Records, que ainda conseguiu manter os lançamentos do selo até meados dos anos 70. Em 1979, a EMI comprou a United Artists Records, que havia absorvido a Liberty em 1971, e desativou os estúdios e o selo da Blue Note, que permaneceu inativa até 1985, quando o produtor e executivo Bruce Lundvall foi contratado para reativar a gravadora de jazz como uma subsidiária do grupo. Nos anos de 1970 e 1980, a Blue Note perdeu, então, muito daquele seu protagonismo que fora constante nas décadas de 50 e 60. Além das tendências comerciais, a Blue Note sofreria agudo revés diante do surgimento de inúmeros selos e gravadoras independentes que acentuaram ainda mais a concorrência e expandiram ainda mais a multiplicidade de estilos do jazz nos anos 80 e 90. Mas, em seus 27 anos de gestão, Bruce Lundvall de fato conseguiu fazer a Blue Note ressurgir através de contratos com músicos e cantores como Kevin Hays, Diane Reeves, Cassandra Wilson, Joe Lovano, Greg Osby, Jason Moran, Terence Blanchard, Wynton Marsalis, Wayne Shorter, Avishai Cohen, Norah Jones, Aaron Parks entre tantos outros. Para manter um equilíbrio entre conceito estético e necessidade de aumento de vendas, Bruce Lundvall priorizou por uma certa combinação entre a valorização da essência do jazz e uma verve voltada para um certo "pop adulto", também mantendo, por outro lado, um caráter mais "jovem" através de álbuns com o fusion do guitarrista John Scofield, com o sax-altoísta Greg Osby em seu projeto baseado no hip hop, com o grupo inglês de jazz rap e acid jazz US3, com o crossover do guitarrista Stanley Jordan, com o nu-jazz do trompetista Erik Truffaz, com o estilo jam band e avant-jazz do Medeski Martin & Wood, com a cantora de jazz pop Norah Jones e até com projetos onde grupos e figuras do hip hop e da eletrônica foram convidados a samplear e remixar algumas pérolas do arquivo Blue Note, incluindo nessa prateleira projetos de St Germain, Jazzanova, Madlib, Questlove e J Dilla. Após a aquisição da EMI pela Universal Music Group, Bruce Lundvall foi para o conselho executivo do grupo e o músico Don Was tornou-se presidente da Blue Note em janeiro de 2012. Desde então, Don Was tem procurado manter o mesmo equilíbrio, mas com um tino conceitual mais aguçado e mais voltado para a essência histórica do selo: priorizando contratos tanto com jovens músicos advindos do post-bop e do straigh-ahead mais purista, como também com músicos de jazz que começaram a se inspirar em beats e tons frescos de neo-soul, hip hop e pop-rock alternativo tais como Robert Glasper, Derrick Hodge, Aaron Parks e Trombone Shorty; incluindo também o jazz pop da cantora Norah Jones, do trompetista Chris Botti e outros; e também contratando veteranos ecléticos como Bill Frisell, Charles Lloyd e Nels Cline. Ademais, diante de uma pósmodernidade cada vez mais eclética, Don Was também tem se mostrado bastante atento em como a diversidade estilística do jazz está viralizando nas redes sociais, priorizando, também, pela contratação de músicos e bandas virais tais como a banda inglesa GoGo Penguin e a dupla franco-americana Domi & JD Beck. Embora atualmente mais eclética, a Blue Note sob a gestão de Don Was evidencia um envolvente resgate daquela primal essência que fez a gravadora ser o principal selo a modernizar o jazz nos anos 50 e 60. Basta ouvir e atestar os excelentes álbuns de músicos como o sax-altoísta Immanuel Wilkins, o vibrafonista Joel Ross e a saxtenorista Melissa Aldana, músicos jovens que, novamente, estão renovando o frescor do post-bop e, consequentemente, recuperando aquele tão essencial "conceito Blue Note" que tanto marcou a modernização do jazz através dos estilos do bebop, hard bop e post-bop —— boa parte desse protagonismo, como já citado, fora abocanhado por gravadoras independentes como, por exemplo, a Criss Cross Jazz, selo fundado em 1980 por Gerry Teekens, um dos núcleos centrais dos músicos de post-bop nessas últimas décadas. Abaixo, após esse resumo, a ideia é celebrar o 85º aniversário da Blue Note mostrando sua evolução de forma ainda mais detalhada, mas agora sob a ótica da sofisticada arte gráfica que estabeleceu seu conceito visual em cada uma das suas várias fases super criativas. 


Um prato cheio para maníacos por arte, jazz e design: Books, filmes e outras edições especiais 

Como já reconhecido, o conceito da Blue Note ficou imortalizado, sobretudo, por combinar as inovações estilísticas do jazz com a arte gráfica dos LP's, tornando-a uma grife de discos que continham conceito desde a capa até o material sonoro. Esse panorama visual pode ser atestado no ótimo book compilativo The Cover Art of Blue Note (1991), onde temos explanações dos especialistas em design e jazz Graham Marsh, Glyn Callingham e Felix Cromey. Para criar um conceito e manter o padrão e a essência desse conceito, a Blue Note contou com as onipresentes e inovadoras paletas e matizes de Reid Miles, que fez uso magistral das fotos de Francis Wolff para criar um design dos mais inovadores do universo dos álbuns de jazz e da própria história da arte gráfica. Reid Miles, que se tornaria diretor de arte da gravadora, até deu uma variada no design gráfico dos LP's ao contratar, vez ou outra, trabalhos de outros jovens artistas que emergiam nos anos 50 e 60, incluindo o então jovem artista emergente Andy Warhol. Mas foi o próprio design de Reid Miles que mais marcou a história da Blue Note a partir de 1956. Das mais de 500 capas de álbuns desenhadas por Reid Miles, o book The Cover Art of Blue Note expõe ao menos 200 delas, mostrando um panorama emblemático desse conceito que uniu a arte visual com a arte sonora dos inovadores álbuns de jazz. Outro livro interessante é o Blue Note: Uncompromising Expression, redigido pelo escritor, jornalista, locutor e documentarista Richard Havers. Lançado em 2022, esse livro documenta toda a trajetória da Blue Note desde seus primeiros lançamentos, ainda ambientados no jazz tradicional (stride, boogie-oogie, swing, dixieland e etc), até seus lançamentos mais modernos da década de 50 e 60 (ambientados em estilos como hard bop, post-bop, modal e free jazz), mostrando um amplo panorama através de história escrita e através de ilustrações, fotografias e imagens das emblemáticas capas dos álbuns, incluindo até material nunca dantes publicado. Ademais, para quem se interessa por filmografias sobre jazz, também há pelo menos três documentários sobre a Blue Note que são relativamente fáceis de serem encontrados. Um é o documentário do produtor e jazzófilo alemão Julian Benedikt chamado "Blue Note – A Story of Modern Jazz", inicialmente lançado na Alemanha em 1996, mas atualmente já disponível nos EUA e Japão, e até disponível em plataformas que oferecem o serviço de legendas em português e outros idiomas, tais como MUBI e Amazon Prime. Depois temos o filme "It Must Schwing! The Blue Note Story" (2018), do documentarista australiano Eric Friedler  (vide imagem acima): este filme também está acessível no MUBI e noutras plataformas, e também já até entrou nas programações do SESC e do In-Edit Brasil. E, por fim, temos o mui bem produzido "Blue Note Records: Beyond the Notes" (2018) do aclamado cineasta alemão Wim Wenders e da produtora alemã Sophie Huber: um doc que ainda não é tão acessível nas plataformas de streaming de filmes e docs, mas que pode ser adquirido em DVD nos marketplaces da Amazon, e-Bay e correlatos. Ademais, a "Blue Note Mania" também inclui diversas compilações especiais tais como os volumes históricos lançados pela Mosaic Records, os vários volumes da série Blue Note Trip que traz faixas históricas dos músicos históricos sendo remixadas por DJ's e grupos de hip hop, acid jazz e eletrônica, e os recentes dois volumes da série "Blue Note Re:imagined", no qual a gravadora mostra um compilado de faixas de artistas do Reino Unido, recentemente um dos cenários mais explorados pela gravadora fora dos EUA. Eis aí um prato cheio para completistas, audiófilos e maníacos por arte e design!






O design gráfico de Paul Bacon - Reedição das gravações de hot, stride, boogie-oogie & swing 

A primeira fase criativa da Blue Note compreende, mais ou menos, um período de 1939 até 1947, sendo caracterizada por lançamentos ambientados em estilos como stride, swing, hot jazz, o dixieland de New Orleans e até boogie-oogie (estilo agitado e dançante de blues instrumental). Nessa fase, o catálogo inclui discos de músicos como o pianista Meade "Lux" Lewis, os clarinetistas Sidney Bechet e George Lewis, os pianistas James P. Johnson e Art Hodes, entre muitos outros. Muitos registros dessa época foram gravados ainda nos antigos compactos em 78 rpm, os antigos discos de goma de laca. A Blue Note, então, ainda estava um tanto atrasada em relação às mudanças trazidas pelas novas modernidades da época. Enquanto focava em músicos adeptos aos estilos do jazz tradicional ainda em voga, mesmos as gravadoras menores que surgiam já davam vazão em gravações com os músicos modernistas do bebop. Além disso, em meados da década de 40 foi criado o inovador conceito do disco de vinil em formato "long play" (LP), um disco de 10 polegadas feito de PVC (substituindo a goma de laca, da qual os discos antigos eram feitos), formato que reproduzia cerca de 22 minutos de faixas em cada lado utilizando uma agulha mais fina (chamada microgroove) numa rotação padrão de 33¹/³ rpm . Com o advento do bebop e com a popularização do vinil em formato LP, a Blue Note abandona esses estilos de jazz tradicional e começa a priorizar gravações com os novos músicos do bebop que estavam modernizando o jazz. Em paralelo, porém, a Blue Note aproveita seu rico arquivo de gravações de jazz tradicional e reedita boa parte desse seu material antigo entre 1951 e 1955, relançando-as agora no novo formato de LP através da sua série 7000. A série 7000 teve como principal designer o legendário artista gráfico Paul Bacon, um dos inventores do inovador conceito "Big Book Look", que se caracterizava pelo design usado em capas de livros com tipografias grandes e largas para criar um efeito visual de aumento dimensional. Paul Bacon, que também era músico de jazz, foi responsável por ilustrar dezenas de capas de livros best-sellers e tinha essa faceta de designer de álbuns de jazz como seu terceiro principal ofício, trazendo muita influência do seu estilo de tipografia para o universo da arte gráfica dos discos. Outra característica marcante de Paul Bacon era o fato de boa parte das suas fontes, tipografias, caricaturas e ilustrações serem desenhadas à mão para só depois serem combinadas com as técnicas e os moldes da gráfica moderna, o que dava um aspecto mais caricaturista e pessoal para seu design. Como se pode atestar nas capas da serie 7000 dispostas abaixo, Paul Bacon criava a arte gráfica dos discos de acordo o estilo e o contexto da gravação, frequentemente combinando estilos variados de fontes, letreiros, tipografias, fotos e ilustrações, e assim mesclando tradição com modernidade. Faltou padronização nessa série, mas a Blue Note não deixou de mostrar predileção por um conceito gráfico envolvente e bem elaborado.


Bebop - Modern Jazz Series: designs de Gil Mellé, J. Hermansader, Burt Goldblatt  & B. Hughes

A segunda fase da Blue Note começa, mais ou menos, em 1947. Era fase em que, depois de uma greve arregimentada pelo sindicato dos músicos para pleitear seus direitos sobre os royalties de gravação, o estilo popular e dançante das big bands e do swing jazz já entrara em decadência dando lugar ao novo estilo chamado bebop, esse mais ambientado na expansão da improvisação com bandas menores, onde os músicos tinham toda a liberdade para compor seus próprios temas e também tinham mais autonomia sobre os respectivos royalties. É utilizando gravações dessa época, então, que a Blue Note passa a prensar seus discos no novo formato de LP e estreia seu catálogo 5000, onde já transfere suas atenções totalmente para os músicos que estavam tocando bebop. Dessa forma, a Blue Note passa a ser uma das gravadoras responsáveis por dar visibilidade para uma segunda geração de jovens músicos de bebop tais como Kenny Drew, Kenny Dorham, Art Blakey, Horace Silver, Clifford Brown, Fats Navarro, Miles Davis, Gill Mellé, Bud Powell, Thelonious Monk, dentre outros. Diante da modernidade desse novo estilo de jazz mais contemporâneo e diante do moderno conceito do LP, a Blue Note também achou necessário atualizar o design gráfico dos seus álbuns para criar uma identidade visual moderna e para atender as exigências do novo formato, que agora incluía a necessidade do encarte com fotos e sinopses. Esse novo conceito também permitiu Alfred Lion e Francis Wolff a categorizar os catálogos em temas, séries e subséries. Foi aí, então, que no início dos anos 50 eles iniciaram a série de LP's chamada Modern Jazz Series. Uma das subcategorias dessa série foi chamada, inclusive, "New Faces New Sons", e foi onde as emblemáticas fotos de Francis Wolff já começavam a ter ainda mais proeminência ao evidenciar as novas faces desses jovens  músicos que estavam modernizando o jazz, e por consequência sendo fator importante na construção do novo design gráfico das capas dos LP's, design agora marcado por uma combinação de fontes modernas, ilustrações geométricas, paletas de cores quentes em contraste com azul e fotos em preto e branco. O designer Paul Bacon continua a desenhar as capas dos álbuns da gravadora, mas o aumento de vendas e essa busca por maior modernidade faz com que Francis Wolff também contrate o inovador John Hermansader, considerado o artista que lançou as bases para o maior pico de inovação gráfica que viria a seguir, por vezes usando as modernistas influências da Escola de Arte alemã conhecida como Bauhaus. Nessa fase, ainda como uma busca por maior modernidade, Francis Wolff também contrata outros artistas freelancers, incluindo Gil Mellé (também músico), Burt Goldblatt  e Bill Hughes. A série 5000 consiste, enfim, em setenta discos de vinil de 10" lançados entre fins dos anos 40 e início dos anos 50, alguns dos quais posteriormente relançados no novo formato de 12" com reedições sob o novo estilo de design que a gravadora adotaria a partir de 1956, após Reid Miles ser contratado como diretor de arte do selo. Esses discos de vinil de 10" são considerados, portanto, raridades de grande valor histórico.



































O design gráfico de Andy Warhol: uma breve passagem pela Blue Note antes da fase pop-art

Em 1956, Reid Miles assumiu o cargo de diretor de arte da Blue Note, levando consigo o então jovem artista Andy Warhol. A passagem de Warhol pela gravadora foi breve, mas deixou alguns poucos registros com uma abordagem gráfica bem singular marcada por caligrafias e desenhos que eram finalizados num distinto estilo de "rascunhos" e "esboços". Andy Warhol inicialmente trabalhou as capas dos álbuns do guitarrista Kenny Burrell —— seu álbum homônimo e os dois volumes de Blue Lights, lançado em 1958 —— e, em paralelo, ilustrou a capa do álbum Congregation (1957), último disco de Johnny Griffin na Blue Note. Warhol também teve breve passagem como freelancer em outras gravadoras de jazz tais como RCA Victor e Prestige, nas quais desenhou capas para discos de Count Basie, Artie Shaw, Moondog e Thelonious Monk. Várias das capas de discos ilustradas por Andy Warhol também traziam a distinta caligrafia da sua mãe Julia Warhola, a qual ele usava para assinar seu nome ou para preencher seus designs: é o caso da capa do álbum The Story of Moondog (1958), que até chegou a ganhar um prêmio da  American Institute of Graphic Arts. Foi depois dessa fase, então, que o jovem Warhol antenou-se de vez com o movimento da Pop Art —— inicialmente uma tendência inglesa, mas que já começava a ser grande influência nos círculos artísticos americanos. Em 1961, ele realizou a sua primeira obra em série usando as latas da sopa Campbell's como tema das suas serigrafias, continuando em seguida com as garrafas de Coca-Cola e as notas de Dólar. Depois, ele produziria a séries de pessoas famosas: de Jacqueline Kennedy a Marilyn Monroe, passando por Mao Tse-tung, Che Guevara, Elvis Presley e outros.



Hard Bop, Post-Bop & Free - O design hipermoderno de Reid Miles com fotografia de F. Wolff

A terceira fase criativa da Blue Note —— a sua fase mais criativa e moderna, que inovou o jazz sobremaneira —— foi a fase de 1956 até a primeira metade dos anos 60, período onde a gravadora surfou nas ondas da inovações estéticas do hard bop, modal jazz, post-bop e free jazz através de álbuns de músicos como Art Blakey, Lee Morgan, John Coltrane, Wayne Shorter, Jack McLean, Joe Henderson, Freddie Hubbard, Herbie Hancock, Ornette Coleman, Eric Dolphy, entre muitos outros. Foi uma fase de transição entre os formatos de LP de 10" e 12", e foi uma fase consistentemente marcada pelo design gráfico de Reid Miles, que até chegou a contar com a assistência de vários outros designers emergentes, mas procurou manter sempre o seu padrão visual como sendo o retrato fiel de uma certa essência e uma certa organicidade que a Blue Note conferia ao jazz de então. O fato é que; as inovações estéticas desenvolvidas pelos músicos, a sofisticada engenharia de som de Ruddy Van Gelder, a instantaneidade das fotos de Francis Wolff e o design hipemoderno de Reid Miles foram os pilares que verdadeiramente criaram algo como sendo o "Conceito Blue Note". Reid Miles foi contratado como diretor de arte por Francis Wolff entre 1955 e 56 e seu casamento com a Blue Note durou até 1967. Nesse período o design arrojado e moderno de Miles foi magistralmente combinado com as emblemáticas fotografias de Wolff, que prezava por captar imagens dos músicos em poses intimistas, inusitadas ou informais durante os shows nos clubes e as sessões de gravação nos estúdios. Dessa forma, seguindo uma tendência anteriormente semeada pelo designer John Hermansader, Reid Miles prezava por distinguir seu design tanto pelo uso inteligente de fontes coloridas e paletas de cores quentes sobre essas fotos em preto e branco como também por tipografias, layouts e imagens que eram influenciadas por novos estilos de fontes enormes e por novos estilos de design gráfico que prezavam por contrates, deformações e assimetrias, incluindo estilos evoluídos a partir da influência da escola vanguardista alemã conhecida como Bauhaus. Além do uso inteligente de cores quentes e fontes hipermodernas sobre as fotos de Francis Wolff, o design de Reid Miles também passou a fazer uso de inovadoras formas de diagramação e cortes, por vezes picotando as fotos em combinações assimétricas e espelhadas. Dessa forma, Reid Miles praticamente fundiu a arte visual do design com a arte sonora da música em um só conceito.  A identificação estética do design gráfico de Reid Miles com o som modernista da Blue Note é tão emblemática que, no livro "The Cover Art of Blue Note Records", o designer Felix Cromey afirma que: “Miles made the cover sound like it knew what it lay in store for the listener”. Também sendo fotógrafo, Reid Miles costumava tirar suas próprias fotos quando sentia que as de Francis Wolff não eram ideais. Conta-se, aliás, que o convívio de Reid Miles com Francis Wolff nem sempre foi de total amizade e concordância. Conta-se que Wolff ocasionalmente expressava frustração e irritação com a forma como Miles cortava e editava suas fotos nas capas dos álbuns. Exemplos de álbuns com fotos tiradas pelo próprio Reid Miles são Like Someone In Love de Art Blakey com os Jazz Messengers, Out To Lunch de Eric Dolphy e Takin' Off de Herbie Hancock. Já consagrado como um dos maiores designers do seu tempo —— e não apenas do jazz, mas da história da arte gráfica ——, em 1967 Reid Miles deixa a Blue Note e retorna permanentemente para Los Angeles. Posteriormente, Miles ainda ficaria conhecido por fechar um contrato de 1 milhão de dólares por ano para dirigir a publicidade e o merchadising da Coca-Cola Company, tendo dirigido campanhas de marketing, merchandising e comerciais de televisão que lhe renderiam o cobiçado Prêmio Clio em 1976.



Soul Jazz & Jazz-funk: design com foco na diversidade usando fotos coloridas de belas mulheres

A quarta fase mais criativa da Blue Note foi marcada por uma adequação às tendências comerciais surgidas entre meados dos anos 60 e 70. Era uma fase em que as lutas pelos direitos civis haviam derrubado as leis segregacionistas e os EUA caminhava para uma maior valorização da igualdade de gênero e raça. Também era uma fase em que já nascia os primeiros rompantes da cultura pop, e uma fase em que gravadora já amargava quedas consecutivas nas vendas diante das tendências do soul, rock, fusion, crossover e etc. Contudo, é preciso sempre reafirmar que a Blue Note, mesmo diante da necessidade de tornar seus lançamentos mais palatáveis, sempre priorizou a essência acústica e orgânica do jazz mesmo numa fase em que o uso de sintetizadores e alguns instrumentos elétricos era corriqueiro em alguns dos seus registros, de forma que essa sua fase mais comercial continuou a lançar álbuns altamente inovadores, elegantes e envolventes. Uma das estratégias de marketing muito bem usada por seus editores e artistas gráficos —— Francis Wolff, Reid Miles e equipe  —— foi a inclusão de mulheres nas capas dos álbuns de seus músicos, que agora estavam transitando entre o estilo do post-bop (Wayne Shorter, Herbie Hancock, e etc) e estilos mais comerciais como o souljazz e o jazz-funk (Horace Silver, Donald Byrd, Lou Donaldson e etc). Diante da beleza dessas imagens femininas, o design gráfico evoluiu para mostrar a diversidade da época, diminuindo substancialmente a tipografia das fontes, por vezes usando os novos estilos de fontes e letreiros usados nas tipografias e cartazes da cultura negra, muito comuns em anúncios de shows e publicidade de filmes da blaxploitation. Empregar a sensualidade das várias mulheres e seus fenótipos —— negras, brancas, orientais, morenas, loiras e etc —— foi um trunfo da Blue Note que, junto aos embalos do soul jazz e jazz-funk da época, lhe deu considerável sobrevida ao selo e ao jazz, que praticamente entrariam em coma nos anos 70. Fato é que outras gravadoras, como a Columbia Records e a Prestige, já haviam utilizado a sensualidade das mulheres nas capas de seus álbuns —— como, por exemplo, no álbum Playboys, de Chet Baker e Peper Adams (1957) ——, mas essa estratégia se massificou mesmo através dos álbuns que a Blue Note produziu nesse período dos anos 60 e início dos anos 70. Uma observação inevitável é que o músico que mais parece ter gostado da ideia de usar mulheres nas capas de seus discos foi o saxofonista Lou Donaldson, com a maioria dos seus discos desse período sendo ilustrados pela diversidade e pelo exotismo da beleza feminina sem estereótipos: com fotos de mulheres negras, brancas, morenas, loiras, orientais... mulheres com franjinha, black power, roupas que caracterizavam o lifestyle hispter da época... —— enfim..., os álbuns de Lou Donaldson, fartando-se do seu estilo sempre muito palatável de explorar o soul jazz e o jazz-funk, foram grandes veículos de melodias soulful e pop tunes cativantes, agora sob a inspiração da diversidade feminina da época.




























































Ressurgimento: A arte gráfica da Blue Note nas décadas de 80, 90, 2000, 2010... e atualmente...

Nas últimas quatro décadas, a Blue Note passou por ao menos duas fases importantes: a de ressurgimento como um selo rentável; e a fase em que combina a autoafirmação da sua importância histórica com a autoafirmação da sua importância para a contemporaneidade do jazz. Como já citado, foi em 1985 que, impulsionada pelo fervor do renascimento do jazz acústico através da geração "young lions", a EMI contratou o produtor e executivo Bruce Lundvall para reativar o selo Blue Note e fazê-lo ser rentável. O momento de renascimento da popularidade do jazz nos anos 80 e 90 favoreceu o ressurgimento do selo, que, para tanto, começou gravar esses jovens músicos emergentes tais como Joe Lovano, Kevin Hays, Javon Jackson, Stanley Jordan, Bobby McFerrin, Geri Allen, Benny Green, Charnett Moffett, bem como também prezou por recontratar músicos veteranos remanescentes do seu antigo cast tais como Ronnie Laws, Freddie Hubbard, Andrew Hill, Stanley Turrentine, McCoy Tyner e Tony Williams. Mas a grande quantidade de gravadoras independentes que surgiram nesse período —— e que davam aos músicos maior autonomia para manipular e vender os seus registros como quisessem —— foi um fator que pulverizou o mercado e permitiu uma maior liberdade em termos de ecleticidade de estilos. Naturalmente,  Bruce Lundvall logo percebeu que apenas resgatar aquele conceito dos anos 50 e 60 com o mesmo purismo e a mesma autenticidade e organicidade histórica não seria o suficiente e não seria condizente com o novo momento comercial. Bruce Lundvall usou, então, a estratégia de aumentar o alcance do jazz dentro da gravadora a partir de ao menos três vias principais: registrar o quanto possível fosse os músicos da geração "young lions" que estavam resgatando o straight-ahead mais purista e estavam desenvolvendo um post-bop mais contemporâneo, assim mantendo o selo fiel ao gênero do jazz; expandir a identidade jovem do jazz a partir da sua associação com outros gêneros e cenários correlatos, tais como o acid jazz, o hip hop, o nu jazz, a eletrônica e os estilos do crescente cenário inglês; e sempre ter contrato com alguns artistas ambientados numa verve mais pop e mais crossover para garantir faturamento. Essa estratégia alcançou grande êxito, por exemplo, na temporada entre 2001 e 2002, época em que a Blue Note se fartou do estrondoso sucesso comercial do "jazz pop" da cantora Norah Jones —— quando seu álbum Come Away with Me (2002) vendeu 5 milhões de cópias no ano —— ao mesmo tempo em que lançava álbuns de músicos como Stefon Harris, Jason Moran, Jacky Terrasson, Renee Rosnes, Cassandra Wilson, Joe Lovano e John Scofield. A grande característica da arte gráfica desse período, compreendido entre 1985 e 2011, foi a substituição do disco long play (LP) pelo formato digital do CD, com  maioria dos álbuns apresentando um design com fotos dos rostos dos músicos em resoluções de qualidade já condizente com os novos estilos de fotografia produzidas pelas câmeras digitais. Essas fotos preenchiam quase todo o espaço da capa do álbum num design que, diante do pequeno formato do CD, tendenciou a dar maior enfoque para a imagem do músico —— o novo formato do CD não permitia, então, um design carregado de ilustrações e detalhes tipográficos tal como o velho LP. Diante desses fatores, a nova direção de arte da Blue Note preferiu trabalhar as capas dos seus álbuns de forma mais aberta e flexível, sem um conceito de design gráfico estabelecido tal como ocorrera nas décadas de 50 e 60. Aliás, agora, muito do design gráfico dos álbuns seria cada vez mais desenvolvido através de softwares em companhias e estúdios de arte e design terceirizados, não sendo mais necessário que a gravadora mantivesse alto custo com artistas gráficos de renome tal como manteve Reid Miles e outros artistas nos anos 50 e 60. Dessa forma, a Blue Note prezará mais pela rotatividade na contratação de designers, fotógrafos e diretores de arte, contando com nomes como Carol Friedman, Gilles Larrain, Darcy Cloutier-Fernald, Jimmy Katz, William Claxton, Kaoru Taku, Satoshi Kobayashi, e muitos outros. No site da 👉 Blue Note é possível visualizar todas as capas de 1986 à 2011!

















A partir de 2012, Bruce Lundvall passa o bastão da presidência da Blue Note para Don Was, que mantém a estratégia construída nas últimas décadas —— de manter contratos com músicos do straight-ahead e post-bop, ao mesmo tempo de manter certa conexão do jazz com outras expressões como o pop, o hip hop, a eletrônica e novos estilos dos músicos e bandas que estão transformando o cenário inglês ——, mas que, também, tem levado a gravadora para uma nova fase de autoafirmação da sua importância para a contemporaneidade do jazz e tem procurado, por outro lado, resgatar um tanto da organicidade e autenticidade artística que marcou o "conceito Blue Note" nas décadas de 50 e 60. Essa conexão da Blue Note de hoje com o conceito histórico da Blue Note de Francis Wolff e Reid Miles fica patente tanto pelo acalentador e novo frescor que jovens músicos —— tais como Joel Ross, Immanuel Wilkins, Melissa Aldana, Julian Lage, Ethan Iverson e etc —— estão dando para o post-bop, como também pela nova direção de arte que tem se reportado direta ou indiretamente à Don Was nesses últimos anos. Agora já estamos falando de uma era em que o CD também deixava de ser a tônica, e a distribuição da música passaria a ser protagonizada pelas plataformas de streaming. Na verdade, os formatos físicos do CD e do vinil —— que até voltou a ser uma tendência vintage para completistas, colecionadores e audiófilos —— ainda resistem em coexistência com os formatos digitais das plataformas de streaming. Diante dessa realidade, fica evidente que há um retorno da necessidade de sofisticação do design das capas e dos encartes dos álbuns, até para atender a uma nova demanda de audiófilos e entusiastas dos formatos físicos. Nas liner notes dos álbuns da Blue Note que pesquisamos ou que já adquirimos, está relacionado que Don Was passa a contar, então, com designers, fotógrafos e diretores de arte tais como Todd Gallopo (CEO e Diretor Criativo da companhia de arte e design Meat And Potatoes, Inc.), Tomo Muscionico (responsável pela arte do fantástico álbum Emanon, de Wayne Shorter), Gordon H. Jee, Michael Schreiber, Jewell Green, Hayden Miller, dentre outros —— lembrando que muitos desses fotógrafos e designers são contratados de forma terceirizada via companhias e estúdios de arte e design já acostumados a dirigir campanhas de marketing e publicidade para grandes empresas. Mas é visível como que a Blue Note, sob a batuta de Don Was, tem conseguido resgatar um tanto daquele seu sofisticado conceito de cover design onde as paletas de cores formam um contraste intimista e atraente com formas de sombras e fotos em preto e branco. Essa identidade é mantida mesmo quando há o uso explícito de efeitos digitais. Essa preocupação pela sofisticação no design e conceito artístico dos álbuns se mostra, por exemplo, através do rostos refratados do álbum Black Radio (2012) do pianista e tecladista Robert Glasper, do encarte futurista com história em quadrinhos de Emanon (2018) do saxofonista veterano Wayne Shorter e da art work de Origami Harvest (2018) do trompetista Ambrose Akinmusire. Outra tendência aparente do cover design contemporâneo que a Blue Note vem aderindo são os álbuns ilustrados apenas por imagens e fotografias, sem a disposição de tipografias, sem o nome do álbum e do nome do artista na capa, que é caso de alguns álbuns do vibrafonista Joel Ross, do sax-altoísta Immanuel Wilkins e do baterista Johnattan Blake: ou seja, essas capas, através um conceito clean e minimalista, fazem o uso elegante de imagens e fotografias de sofisticado teor artístico para instigar o ouvinte a memorizar os nomes do artista e do álbum, estabelecendo uma conexão mais íntima e subjetiva entre o fã e a obra de arte. Ademais, espero que o leitor aficionado por arte, música e design —— e os curiosos que por aqui passam na intenção de adentrar o fantástico universo do jazz —— curtam essa nossa exposição sobre as fases percorridas pela Blue Note sob a ótica do seu legendário design gráfico. Trata-se de uma gravadora que conseguiu unir arte visual com arte sonora como poucas gravadoras até hoje conseguiram fazê-lo!!! Parabéns à Blue Note pelos seus 85 anos de vida!!!









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