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Do rock ao free jazz, do hardcore punk ao "modern creative": 11 dos guitarristas mais criativos das últimas décadas


Se podemos dizer que os trompetistas e os saxofonistas foram os principais revolucionários do jazz moderno até o final dos anos 60 do século passado, também podemos dizer que os guitarristas tem sido não apenas importantes, mas tem sido crucialmente revolucionários e inovadores para a música instrumental criativa a partir  dos anos 70. Instrumento que começou numa versão rural e acústica nos estilos do blues, country e folk e teve sua ascensão no rock and roll, a guitarra passou por várias fases e transformações: do fase acústica à eletrificação, passando pelos pedais de efeitos até incorporar os aspectos criativos da música eletrônica e da música experimental. Pois bem: estes guitarristas aqui indicados foram e/ou são grandes responsáveis por aprimorar a técnica, experimentar novas abordagens e criar novos efeitos e interações sonoras. Para tanto, estes músicos passaram a ser grandes portadores do conceito de pós-modernidade no que diz respeito a usar a ecleticidade como princípio ou diretriz musical, ou para criarem seus universos sonoros individuais. Country, folk, rock progressivo, free jazz, funk, fusion, pop, os subgêneros originados do punk rock (hardcore, no wave, grindcore e etc), a música eletroacústica, a música experimental com uso de técnicas estendidas e até a música erudita, todos são incorporados, misturados, amalgamados e explorados..., ou seja, elementos de todos estes estilos, gêneros e subgêneros da música mundial passaram a ser utilizados pelos guitarristas das últimas décadas para formar a gênese do que podemos chamar hoje de música pós-moderna. Não coincidentemente, a maioria destes guitarristas foram ou são ligados ao cenário artístico da Downtown, de Nova Iorque.


Frank Zappa, um dos expoentes do rock progressivo, foi um dos mais prolíficos, conceituais e ecléticos guitarristas da história -- é, com certeza, um compositor e realizador musical que pode ser considerado um dos precursores do pós-modernismo musical, e verdadeiramente um gênio da música em âmbitos universais. Sendo um produtor de natureza autodidata na maioria dos seus próprios álbuns e sendo intensamente influenciado pelo blues, folk, doo woop, rock, pop, jazz-fusion e música erudita de vanguarda, Zappa também foi um dos primeiros a demonstrar a técnica de colagem musical, usando "recortes" e "excertos" de vários gêneros musicais para compor uma mesma obra. Zappa também sempre fez questão de deixar claro que os solos e arranjos instrumentais eram tão ou mais importantes do que os vocais, mesmos nos álbuns onde a influência do rock vocal é mais veemente. Não à toa, Zappa lançou vários álbuns instrumentais usando a guitarra como instrumento solista ou colocando-a como um elemento de acompanhamento timbrístico e harmônico importante dentro da sua visão pós-modernista de arranjo orquestral. Àquela altura -- dos anos 70 --, estes álbuns essencialmente instrumentais de Zappa muitas das vezes eram limitadamente categorizados dentro das estéticas do "jazz fusion" ou do "rock progressivo". Mas a riqueza composicional e os detalhes instrumentais, inseridos em seus arranjos preferencialmente orquestrais, o colocava a um nível mais elevado em termos conceituais: as colagens musicais usando uma infinidades de elementos sonoros diversos para criar uma composição, as frases cerebrais e intrincadas com influências jazzísticas e eruditas, o uso elaborado e timbrístico de instrumentos como os orgãos e teclados eletrônicos, o uso dos sintetizadores Moog, do violino (acústico e elétrico), da harpa e instrumentos de metais com influências das big bands, os solos e acompanhamentos viscerais da bateria e guitarra oriundos do rock, entre outras características, deram ao gênio Zappa um amálgama indescritível, uma identidade sem nenhuma categoria ou definição limitante. Esses efeitos podem ser sentido em álbuns essencialmente instrumentais -- sem ou com poucas canções vocais -- tais como Hot Rats (Rycodisc, 1969), Waka/Jawaka (Bizarre/Reprise, 1972), The Grand Wazoo (Bizarre/Reprise, 1972), Studio Tan (DiscReet, 1978), Sleep Dirt (DiscReet, 1979) e Jazz from Hell (Barking Pumpkin Records, 1986). Além destes álbuns, podemos citar cinco lançamentos que focaram mais essencialmente na guitarra como instrumento solista: a trilogia Shut Up 'N Play Yer Guitar (Barking Pumpkin Records, 1976/80), Guitar (Barking Pumpkin Records, 1986) e Trance-Fusion, um bootleg com faixas de 77 a 88, que foi compilada em CD em 2006. Com as mãos cirúrgicas de roqueiro virtuoso que dominava a composição erudita, o guitarrista Frank Zappa praticamente criou as bases para a composição musical pós-moderna.

 
O guitarrista norte-americano Sonny Sharrock começou sua carreira cantando doo woop nos anos 50, um estilo oriundo do rhythm and blues que fazia uso dos recursos do vocalese e backing vocals com pelo menos quatro integrantes. Depois enveredou-se para o jazz, inicialmente tocando saxofone, até enveredar-se em definitivo para a guitarra em meados dos anos 60, sendo um dos pioneiros deste instrumento dentro da estética do free jazz. Inicialmente, como sideman, ele participou dos álbuns Tauhid (lançado em 1967 pelo saxofonista Pharoah Sanders), A Tribute to Jack Johnson (lançado em 1971 por Miles Davis) e Eternal Rhythm (lançado por Don Cherry em 1968). Seu álbum de estreia foi o cult Black Woman (Vortex, 1969), onde a participação da voz da sua esposa Linda Sharrock, a predileção pelo blues, pelo canto de protesto e pelo free jazz foram os elementos principais. Em seguida, com estes mesmos elementos compositivos, viria o álbum Monkey-Pockie-Boo, gravado em Paris e lançado pela gravadora francesa BYG Actuel em 1970. Depois, Sharrock passaria por muitos anos de ostracismo, apenas colaborando aqui e ali em álbuns de terceiros, chegando a se separar de Linda em 1978 e decidindo a se aposentar da música, trabalhando como motorista e cuidador de crianças com problemas mentais. Quer dizer, os álbuns iniciais já bastariam para que Sharrock pudesse ser visto como um dos guitarristas precursores do avant-garde  dentro da história do jazz, mas o destino lhe presentearia com aparições igualmente brilhantes nas décadas vindouras. Em 1981, o contrabaixista e produtor Bill Laswell persuadiu o guitarrista a voltar para o cenário musical, fase que iniciou-se com sua participação no álbum Memory Serves da banda Material ambientada em fusões do free jazz com texturas do punk rock, no wave entre outros elementos. Em seguida Sonny Sharrock fundaria o supergrupo Last Exit, com o qual iniciaria, de fato, seu revival. Este retorno é marcado por uma fase ainda mais visceral, barulhenta e intensa ao lado do contrabaixista Bill Laswell, do saxofonista Peter Brötzmann e do baterista Ronald Shannon Jackson. Com a carreira retomada, Sonny Sharrock também retomou seus próprios álbuns solo. Em 1986, Sharrock lançou, por exemplo, o álbum Guitar, produzido por Bill Laswell apenas com guitarra solo. Em 1991, lançou Faith Moves (CMP) em duo com o guitarrista Nicky Skopelitis, um dos seus mais interessantes álbuns dos anos 90. A guitarra de Sonny Sharrock é particularmente e essencialmente intensa, ríspida, rústica, free e poderosa. Nos anos 90, contudo, o precursor da guitarra free passou a adotar uma postura mais elástica em seus lançamentos. Sharrock faleceu em 25 de Maio de 1994.

 
O inglês Fred Frith é outro dos guitarristas experimentalistas que pode ser considerado um dos magos pioneiros da música pósmoderna não facilmente categorizável. A carreira do guitarrista começa em 1968, quando ele ajudou a fundar a banda Henry Cow, uma banda inglesa de vanguarda que misturava aspectos experimentais com rock progressivo, livre improvisação e até aspectos da música erudita moderna. Mas em se tratando do seu pioneirismo enquanto guitarrista, propriamente dito, Fred Frith tem sua estreia solo em 1974 quando lança o álbum Guitar Solos (LP, Caroline, UK). Seu pioneirismo consiste em subverter a sonoridade da guitarra com várias técnicas estendidas e experimentais, ou seja usando instrumentos criados por ele mesmo ou objetos como vidros, plásticos e objetos de metais, ou ainda friccionando o arco do violino nas cordas da guitarra, além de modificar as cordas da guitarra e trabalhar com diversos experimentos com aparelhos eletrificadores, distorções, delay, reverb, entre outros efeitos e modificações. Sua série de Guitar Solos seria constituída de mais dois lançamentos: Guitar Solos 2 (1976) e Guitar Solos 3 (1979), onde surgem convidados como Derek Bailey e Hans Reichel, dois guitarristas de livre improvisação. O lançamento seguinte, o álbum Gravity (1980, Ralph,US), contém um aspecto menos improvisativo e mais compositivo: com a guitarra sendo inserida num contexto amalgamado de banda e música percussiva, com vários recortes musicais oriundos de vários tipos de danças, do jazz, do calypso, do folk, músicas do leste europeu, da klezmer music judaica, com o uso de excertos vocais, palmas, entre outros elementos. À esta altura, no início dos anos 80, Fred Frith já estava frequentando o crescente cenário da vanguarda americana, mais especificamente da Downtown nova iorquina, onde a livre improvisação, o movimento Fluxus e a música minimalista encontravam um território fértil para se fundir com aspectos do folk, no wave e o barulhento punk rock. Pois bem, seus próximos lançamentos seriam um amálgama de música erudita de câmera, livre improvisação com jazz, músicas tradicionais judaicas e do leste europeu, folk e, principalmente, com estes novos elementos do punk rock e no wave da Downtown. Dois dos dos elementos mais novos e crescentes no início dos anos 80 foram os chamados grindcore (mais ambientado no rock, com vocais) e noisecore (mais ambientado na seara instrumental) -- duas extensão do punk rock, ainda mais barulhenta, por sinal --, que além dos americanos Lou Reed, John Zorn e Elliot Sharpp e do japonês Keigi Haino, também podem ter em Fred Frith um dos seus pioneiros. Essa fase inicial da guitarra de Fred Frith inserida no punk e noisecore pode ser sentida nos álbuns da banda Massacre (que também tiveram o contrabaixista Bill Laswell e o guitarrista Sonny Sharrock como integrantes) e posteriormente na banda Naked City, fundada no final dos anos 80 por John Zorn. Nas décadas seguintes, Fred Frith expandiria seu leque criativo para a composição formalmente erudita, colaborando com orquestras, quartetos e outras formações. No álbum Quartets (Recrec, 1994), Fred Frith mostra sua face erudita com duas composições extensas para quarteto de cordas e quarteto de guitarras.

Parceiro de John Zorn e Fred Frith na banda Naked City, Bill Frisell também é um dos protagonistas da cena Downtown dos anos 80. Porém, o estilo da guitarra de Frisell está mais nas abordagens ecléticas das suas composições, releituras e nas sutilezas de uma sonoridade incomparável, caracterizada por efeitos de reverb e delay, do que na visceralidade punk dos guitarristas da época. Na verdade, Frisell pode ser considerado um dos pilares do estilo de jazz rotulado como "modern creative": um estilo amalgamado de jazz contemporâneo que engloba minúcias que se originaram tanto do mainstream quanto do avant-garde, tanto do pop e rock quanto da eletrônica. Contudo, os elementos mais determinantes que moldaram seu estilo foram o folk, country music e a influência do guitarrista Jim Hall, com quem estudou. Inicialmente começando seus lançamentos pela ECM -- sendo indicado à gravadora por ninguém menos que Paul Motian --, Frisell sempre buscou diferentes combinações instrumentais em seus álbuns. Seu álbum de estreia In Line (ECM, 1982), começa com um duo com o contrabaixista Arild Andersen. O segundo lançamento, Rambler (ECM, 1984) já traz uma banda como o trompetista Kenny Wheeler, o tubista Bob Stewart, o contrabaixista Jerome Harris e o baterista Paul Motian. Seu terceiro lançamento pela ECM, Lookout for Hope, apresenta ao público seu célebre quarteto, com o qual efetuaria uma série de lançamentos: o quarteto apresenta Hank Roberts no violoncelo, Kermit Driscoll no contrabaixo e Joey Baron na Bateria. Em seguida o registro News for Lulu, álbum com uma combinação instrumental e de improvisos muito emblemáticos: John Zorn no saxofone alto, ele, Bill Frisell, na guitarra e o excelente George Lewis no trombone. No final dos anos 80, além de se mudar de Nova Iorque para Seattle, ele deixaria também de gravar pela ECM para gravar pela Nonesuch Records. Nesta fase ele gravaria o álbum Where in the World? (Nonesuch, 1991), outro dos mais interessantes álbuns com seu quarteto. Outro álbum célebre do início da sua fase na Nonesuch Records é o Have a Little Faith (Nonesuch, 1992), onde une releituras sobre temas do compositor erudito americano Aaron Copland com releituras sobre temas de Bob Dylan, Madonna e Neil Young. Aproximando-se mais do mainstream em meados dos anos 90, Bill Frisell passou a ser um dos mais venerados guitarristas do jazz contemporâneo até o presente momento. Porém, ele nunca perdeu suas particularidades: compor temas e efetuar releituras que captam os mais variados elementos do pop, rock, country e folk, bem como efetuar gravações com as mais variadas formações e combinações instrumentais, muitas das vezes com combinações exóticas usando tuba, violino, cello, acordeon, vibrafone e clarinete e efeitos eletrônicos. Vale à pena escutar o álbum Nashville (Nonesuch, 1997), onde o guitarrista cai de cabeça nas formas da música country e folk de raiz.

 
A importância de Thurston More enquanto guitarrista vai muito além do seu protagonismo em sua banda Sonic Youth no cenário do punk rock dos EUA nos anos 80. Em termos gerais, o Sonic Youth -- lançado em 1981 pela Neutral Records, selo do guitarrista, compositor e experimentalista Glenn Branca --, foi a mais importante banda a apresentar, ainda com mais força e protagonismo que outras bandas da época, os elementos do avant-garde para o rock alternativo da Downtown, definindo ajudando a definir a vertente do "no wave" através de experimentalismos que uniam o uso de objetos nas cordas das guitarras, afinações diferentes, dissonâncias e desafinações propositais, o uso de aparatos eletrônicos diversos e uma expansão da sonoridade crua do hardcore, oriunda do punk. Mas a partir da década de 90, Thurston Moore se mostraria ainda mais interessado em uma abordagem mais instrumental e improvisativa da sua guitarra, com base em suas predileções pelas sonoridades cruas das gravações mais undergrounds do "loft jazz" (de músicos poucos conhecidos do free jazz), e pela música experimental como um todo. Porém, Thurston More sempre preferiu manter-se como um "sideman" e um colaborador em projetos instrumentais, ao passo em que sempre foi um mais "leader" e organizador em projetos com vocais. Em 1992, por exemplo, Thurston More colabora com o baterista William Hooker no álbum Shamballa, álbum no qual também participa o guitarrista Elliott Sharp. Em 1996, Thurston Moore colabora com o guitarrista Nels Cline no álbum Pillow Wand, registrando um dos mais interessantes duetos de guitarras das últimas décadas. No final dos anos 90 e início dos anos 2000, Thurston Moore também se aproximaria de músicos da livre improvisação europeia, a iniciar pelo álbum The Promise, com Evan Parker e Walter Prati. Em 2000 ele colabora no álbum Ystad, que além do seu colega Lee Ranaldo (também membro do Sonic Youth), teria a participação do impressionante saxofonista sueco Mats Gustafsson -- parceria que se repetiu em 2015 no álbum Hit the Wall (Smalltown Superjazz). A não perder, também, está a gravação em duo com ninguém menos que John Zorn, no álbum "@". E por, fim, indico suas gravações com o "underrated" saxofonista Paul Flaherty, vistas nos álbuns The Roadhouse Session e Untitled. Aficcionado por fitas, vinis e gravações raras, Thurston Moore sempre fomentou a busca pelo desconhecido, pelo underground e pela música improvisada.

Tendo estudado composição e música eletrônica erudita com os compositores americanos Benjamin Boretz e Morton Feldman, e tendo estudado jazz e improvisação com o trombonista Roswell Rudd, o guitarrista Elliott Sharp se tornaria uma figura central no cenário experimental da Downtown após seu período universitário a partir do final dos anos 70. Inventor de instrumentos, Sharp frequentemente se aventura a também tocar bateria e o saxofone. Ele também estudou antropologia na Cornell University, onde tocava com uma banda e fez uma aula de eletrônica com o inventor do sintetizador Robert Moog. Todas essas influências, mais o fato de conviver com o cenário do rock alternativo americano no final dos anos 70 -- mais especificamente o punk rock --, seriam importantes para as inúmeras abordagens que viriam definir suas obras. Suas produções, experimentos e composições incluem música erudita de vanguarda, blues, jazz, livre improvisação, noise, no wave, tecno music, instalações de multimídia e trabalhos performáticos que unem música e teatro ao estilo do movimento Fluxus. Proficientemente técnico e especialista em aplicar efeitos diversos em sua guitarra, Sharp gravou Resonance, seu primeiro álbum solo, em fins de 1978. De lá para cá já gravou duas dezenas de trabalhos solos, onde se destaca seu domínio técnico e experimental em várias facetas: desde composições e improvisos apenas com a guitarra solo, passando por grupos com variadas combinações instrumentais, até a inserção da guitarra em abordagens mais tecnológicas, com sintetizadores, pedais de efeitos e uso de computadores -- sem falar da sua proficiência enquanto compositor contemporâneo inserido no universo erudito. Seus primeiros e mais frequentes colaboradores incluíam o trompetista Olu Dara, o trombonista Art Baron e o contrabaixista Bill Laswell: a conferir no vinil Nots, de 1981. Mais adiante Elliott Sharp lançaria In the Land of the Yahoos (1987), um interessante álbum com a presença da cantora experimentalista Shelley Hirsch e do DJ Christian Marclay -- pioneiro da técnica de colagens e mixagens instrumentais com toca discos inseridos no âmbito da livre improvisação. Em outra abordagem mais guitarrística, Elliott Sharp se une a mais três guitarristas no álbum Dyners Club (1994), com Roger Kleier, David Mecionis e John Myers. Em relação aos seus grupos destacam-se ao menos quatro projetos fixos: Carbon, Orchestra Carbon, Terraplane e Tectonics. O Carbon é um projeto de início de carreira que se extendeu nos anos 90, um grupo composto pelo próprio Sharp tocando vários instrumentos (instrumentos inventados, saxofone, guitarra com pedais de efeitos e etc) com a presença de pelo menos um baterista e algum outro músico convidado: vide o álbum Monster Curve (1983), com os bateristas Charles K. Noyes e Bobby Previte e o trombonista Jim Staley em alguns takes. A Orchestra Caborn ja é mais uma orquestra com inúmeros convidados que une a improvisação livre com a composição erudita moderna, sendo mais uma orquestra de música erudita contemporânea. Já o Terraplane é um grupo onde o guitarrista toca abordagens baseadas no blues, R&B, pop e funk. Porfim, Tectonic é o projeto onde Sharp insere a guitarra no âmbito eletroacústico, usando samplers e programas de laptop em suas interações musicais. A não perder também estão os álbuns: Downtown Lullaby (1998) com John Zorn, o tecladista Wayne Horvitz e o baterista Bobby Previte; GTR OBLQ (1998) com os guitarristas Vernon Reid e David Torn; e High Noon (1999) com o DJ Christian Marclay.

Desde meados o início dos anos 90, Marc Ribot tem sido figura constante em mais de uma centena de lançamentos com artistas diversos, tais como John Zorn, Wadada Leo Smith, Caetano Veloso, Vinícius Cantuária, Marisa Monte, Elvis Costelo, Tom Waits, McCoy Tyner, Elton John, Madeleine Peyroux, Marianne Faithfull, Diana Krall, Mike Patton, Norah Jones, T-Bone Burnett, Medeski, Martin and Wood e James Carter, para citar apenas alguns. A flexibilidade do guitarrista em transitar pelo pop, rock, pela música brasileira, latina e o modern creative do jazz faz dele um dos sidemans mais requisitados das últimas décadas por artistas em todo o mundo. Sendo questionado pela revista Guitar Player sobre sua ecleticidade, Marc Ribot disse que ao trabalhar com o icônico organista Jack McDuff no início da carreira, ele mesmo se definiu como um músico de técnica limitada. Isso porque ao ouvir os históricos álbuns do organista em parceria com o guitarrista George Benson -- um dos guitarristas mais virtuosos da história do jazz --, reconheceu que nunca quis e nem poderia ser um virtuose do jazz propriamente dito, uma vez que aprendeu a tocar guitarra com a mão direita mesmo sendo canhoto, o que o limita tecnicamente em relação a um guitarrista destro. Então, não houve outro objetivo que não fosse o de se diversificar na carreira. Em se tratando das suas participações e lançamentos no âmbito do jazz, Marc Ribot tem uma sonoridade própria marcada por distorções e eletrificações um tanto ásperas -- uma influência da psicodélica sonoridade da guitarra de Jimmy Hendrix e do saxofone de Albert Ayler, diga-se de passagem --, com pitadas apimentadas de música latina e com frases bem elaboradas. Lançamentos em guitarra solo incluem os álbuns Marc Ribot Plays Solo Guitar Works of Frantz Casseus (Les Disques du Crépuscule, 1993), The Book of Heads (Tzadik, 1995, com composições de Eugene Chadbourne e produção de John Zorn) e Silent Movies (com 13 composições próprias, pela Tzadik, de 2008), entre outros. Um dos seus grupos mais conhecidos são a banda Shrek (com Chris Wood, guitarra; Sebastian Steinberg, baixo; Christine Bard / Jim Puliese, bateria) e Los Cubanos Postizos, onde ele explora sua predileção pela música latina e afro-cubana, a conferir nos álbuns The Prosthetic Cubans (Atlantic, 1998) e Muy Divertido! (Atlantic, 2000). A não perder também estão os álbuns Saints (Atlantic, 2001) e Spiritual Unity (Pi Recordings, 2005), dois lançamentos dedicados às composições do incônico saxofonista Albert Ayler, um dos maiores nomes do free jazz nos anos 60 e, como já citado, uma das suas maiores influências sonoras. Ademais, a sonzeira de Marc Ribot pode ser conferida em dezenas de álbuns das séries Book of Angels, Filmworks, Bar Kokhba e Masada do compositor e saxofonista John Zorn.


Poucos fãs de jazz e free improvisation sabem que David Torn é um célebre compositor de trilhas sonoras para filmes, documentários, seriados e programas de TV. David Torn também é um multifacetado e bem requisitado sideman, já tendo colaborado como artistas diversos tais como David Bowie, k.d. lang, John Legend, Madonna, Tori Amos, Bill Bruford, Tony Levin, Mick Karn, David Sylvian, Chocolate Genius, Michael Shrieve, Steve Roach, Patrick O'Hearn, Andy Rinehart, Matt Chamberlain, Meshell Ndegeocello e Don Cherry. Mas enquanto guitarrista de música improvisada, propriamente dita, sua carreira começa no estilo fusion no início dos anos 80 no quarteto do saxofonista norueguês Jan Garbarek, o que o ajudou lançar seus primeiros álbuns pela gravadora ECM. Em seguida, David Torn compôs a banda Everyman Band, um grupo que também lançou uma sequência de álbuns pela ECM. Seu primeiro álbum Best Laid Plans (ECM, 1984) é um duo com o compositor erudito Geoffrey Gordon, que atua na percussão. No álbum Cloud About Mercury (ECM, 1987), David Torn já volta a imergir de cabeça e alma no estilo fusion -- ainda que este seja um "fusion" mais ao estilo ECM -- e, portanto, faz usos de variados efeitos eletrônicos (pedais de efeitos, sintetizadores, bateria eletrônica e afins), tendo a colaboração de músicos tais como o trompetista Mark Isham, o baterista e percussionista Bill Bruford e o contrabaixista Mick Karn. Aos poucos, porém, David Torn parte do fusion para começar a explorar outros efeitos experimentais venerados pelos artistas da Downtown, ampliando-se, daí em diante, para o estilo modern creative de música improvisada. Conhecido por ser um mestre dos efeitos eletrônicos, mais particularmente por explorar diversas texturas de eletrificações, distorções, "delay", "looping" e "samples", em 1996 Torn lança, por exemplo, o álbum What Means Solid, Traveller? (CMP), onde usa de forma inusitada uma sequência de efeitos de loop com influências claras dos estilos experimentais conhecido como hardcore e noisecore. Mas uma das suas colaborações mais importantes é sua sonoridade inserida no contesto do "modern creative jazz" do saxofonista Tim Berne a partir do início dos anos 2000. Ou seja, a participação de David Torn, enquanto produtor, foi muito importante na música da Tim Berne a partir desta data. Os projetos emblemáticos desta parceria é o Science Friction (Screwgun, 2002) e os álbuns do Big Satan, para os quais David Torn participou como produtor -- já que o guitarrista mais presente nestes dois projetos é Marc Ducret. Participando como colaborador nesta fase mais jazzística, os efeitos eletrônicos e as texturas eletrificantes que moldam o amálgama sonoro de Torn unem-se perfeitamente à sonoridade free e razante do saxofone de Berne. Deste projeto com Tim Berne, o guitarrista David Torn garantiu energia e parcerias com músicos tais como o tecladista Craig Taborn e o baterista Tom Rayney para lançar o álbum Prezens (ECM, 2007). Ademais, é interessante conferir, também, seu álbum em guitarra solo Only Sky (ECM, 2015).

Vernon Reid é um guitarrista e cantor inglês, naturalizado americano, que se destacou inicialmente como membro-fundador da banda Living Colour, com a qual empreendeu uma criativa mistura de fusion, heavy metal, funk, jazz, hip hop, country e rock alternativo, a partir de 1984. Com a Living Colour, Vernon Reid ganhou quatro prêmios Grammy, e ganhou três MTV Video Music Awards de uma vez só em 1989 pela canção "Cult of Personality": Best New Artist, Best Group Video e Best Stage Performance. As revistas Guitar Player e Rolling Stone, credita à Living Colour o fato dela ser uma das principais bandas pioneiras do estilo funk-metal, assim como distingue Vernon Reid como um dos grandes guitarristas das últimas décadas. Mas em se tratando da carreira solo na seara puramente instrumental, Vernon Reid começou sua carreira no grupo Decoding Society do baterista Ronald Shannon Jackson no cenário da Downtown, cenário onde também foi influenciado pelo punk e free jazz. Tanto que as primeiras versões da sua Living Colour -- antes do seu sucesso mainstream -- contou com alguns músicos ligados ao jazz da Downtown, tais como os baixistas Alex Mosely, Jerome Harris e Carl James, os bateristas Greg Carter, Pheeroan akLaff e J.T. Lewis e a tecladista Geri Allen. Em 1984, Reid também colaborou em parceria com o também emergente guitarrista Bill Frisell no álbum Smash & Scatteration (Minor Music, 1984), um dueto onde os dois guitarristas se revezam entre suas guitarras, pedais de efeitos, sintetizadores e banjo. Nos anos 90, portanto, Vernon Reid retoma sua verve instrumental lançando, com uma banda chamada Masque, o álbum Mistaken Identity (Epic, 1996), produzido pelo DJ Prince Paul, um dos grandes produtores de hip hop, e o veterano produtor de jazz Teo Macero: um debut que traz à tona suas principais influências, do jazz ao hip hop, do funk ao rock. A não perder também é o álbum GTR OBLQ (1998) lançado em guitar-trio com ele, Vernon Reid, Elliott Sharp e David Torn. Em 2007, Vernon Reid, tocando guitarra com pedais de efeito e efeitos de laptop, participa no álbum Free Form Funk Freqs: Urban Mythology Volume One, projeto do contrabaixista Jamaaladeen Tacuma (conhecido por ser um dos colaboradores de Ornette Coleman na banda Prime Time, responsável por efetuar fusões de free jazz com funk), com a participação também do baterista G. Calvin Weston. Em 2012, Vernon Reid lança o álbum Spectrum Road em colaboração com o contrabaixista pioneiro do rock&roll Jack Bruce, do tecladista e organista John Medeski e da baterista Cindy Blackman.

Nem todos os fãs do Wilco, excelente banda americana de rock alternativo, sabem da trajetória do seu guitarrista e arranjador principal: o multifacetado Nels Cline. Nem todos sabem, por exemplo, que Cline não começou sua carreira musical em uma banda de rock, mas sim no cenário do free jazz em Los Angeles, no final dos anos 70. A sua primeira aparição, como guitarrista e sideman, foi aos 22 anos no disco Openhearted, lançado em 1978 pelo saxofonista Vinny Golia. Desde então, Cline já participou de mais de 70 discos –- com destaque para as suas colaborações com o saxofonista Tim Berne e a Liberation Music Orchestra, do contrabaixista Charlie Haden. Em relação ao seu trabalho como leader, anos após anos Cline veio se aproximando do mainstream sem, contudo, sem perder sua gênese, de modo que seus primorosos trabalhos na área da improvisação passaram a ganhar menções e críticas elogiosas nos mais variados holofotes culturais americanos, incluindo as revistas JazzTimes e Downbeat. No que diz respeito aos trabalhos estritamente instrumentais, o estilo de Cline é denominado por uma improvisação que ora pode soar totalmente livre e cacofônica, ora pode soar estruturada e melódica; assim como há discos onde suas criações soam ora jazzísticas e outrora imprimem uma roupagem mais “punk-rock”, psicodélica ou até totalmente noisecore, muitas vezes com o uso de efeitos eletrônicos ou manipulação eletroacústica em tempo real. Atuando nessa linha de trabalho, um dos seus grupos que mais proficientes é o Quartet Music, com o baterista Alex Cline (seu irmão), o contrabaixista Eric Von Essen e o violinista Jeff Gauthier. Além desse quarteto, outro grupo de “free improvisation” que se solidificou e produziu trabalhos interessantes foi o Nels Cline Trio: com ele na guitarra, Mark London Sims no contrabaixo e Michael Preussner na bateria (posto que seria ocupado também pelos bateristas Bob Mair e Mike Watt). Mas Nels Cline já lançou outros trabalhos bem interessantes e oportunos com bandas, grupos e parcerias que não foram formados para se solidificarem ou que foram formados apenas ocasionalmente: é o caso dos trabalhos com o Acoustic Guitar Trio (com três guitarras acústicas), a parceria com o guitarrista Thurston Moore (da legendária banda Sonic Youth) nos discos experimentais In-Store e Pillow Wand, bem como a parceria com o baterista Gregg Bendian no fantástico disco Interstellar Space Revisited: The Music of John Coltrane, uma releitura psicodélica da suite Interstellar Space, originalmente gravada pelo saxofonista John Coltrane em sua fase free jazz, pouco antes de falecer em 1967. Afora esses projetos instrumentais, vale lembrar que Nels Cline sempre foi bem antenado com bandas de rock alternativo que imprimem uma roupagem mais experimental e original: além de ter trabalhado com Thurston Moore, do Sonic Youth, ele tambem foi membro dos Geraldine Fibbers, banda de country-rock moderno fundada pela cantora Carla Bozulich. Com um currículo de experiências vastas e sua já conhecida versatilidade, em 2004 Nels Cline seria convidado para assumir o posto de guitarrista principal da banda Wilco que, inicialmente influenciada pelo country e folk, estabeleceu-se como uma das principais bandas do rock alternativo dos anos 90 e 2000. Ademais, a não perder está um dos seus mais excelentes trabalhos com guitarra solo: o ótimo Coward, lançado em 2009, com faixas inspiradas em suas principais influências musicais: como as compositoras de jazz Carla Bley e Annette Peacock, o compositor erudito Steve Reich e camaradas como Thuston Moore e Jeff Gauthier, dentre outras influências.

 
No que diz respeito à guitarra, Mary Halvorson representou a chegada de um estilo novo, um estilo singular e uma garantia de arte imprevisível no cenário do modern creative jazz a partir do final dos anos 2000. A carreira de Mary Halvoroson começa com uma estadia com ninguém menos que o freejazzer, saxofonista, professor e compositor-concentualista Anthony Braxton na Wesleyan University. De lá para cá ela esteve presente em inúmeras gravações com novos e veteranos jazzistas e improvisadores tais como Taylor Ho Bynum, Tim Berne, Trevor Dunn, Assif Tsahar, Matana Roberts, Ted Reichman, Stephen Haynes, Curtis Hasselbring, Tomas Fujiwara, Jason Moran, Tony Malaby, Nicole Mitchell, Elliott Sharp, Evan Parker e John Tchicai. Quanto à sua carreira solo, Mary passou a ter cada vez mais notoriedade e espaço na mídia especializada através de vários projetos solos e colaborativos. Além de liderar seus próprios conjuntos, ela co-lidera um duo camerístico com a violinista Jessica Pavone, conforme documentado no álbum On & Off (Skirl, 2007), e é membro do People, banda de rock progessivo que forma com o baterista Kevin Shea. Ela também lecionou na New School e realizou workshops na School for Improvised Music. Na última década, Mary Halvorson ganhou expressiva notoriedade como uma das maiores guitarristas -- senão a principal guitarrista -- do cenário "modern creative" atual, se destacando em todas as críticas, revistas e jornais especializados, e chegando até mesmo a participar de shows e aparições no Jazz at Lincoln Center (dirigido pelo sisudo Wynton Marsalis, criticado por sua predileção e rigidez quanto jazz tradicional). Um dos lançamentos mais festejados de Mary Halvorson é o "Saturn Sings" (Firehouse 12, 2010), um dos álbuns responsáveis por colocá-la na mira dos holofotes como uma das principais revelações do jazz contemporâneo. O álbum, elaborado em torno da mística de Saturno e seus anéis, traz Halvorson na guitarra semi-acústica e como compositora única de todas as faixas, tendo a contribuição dos dois músicos que compõe seu trio, o contrabaixista John Hebert e o baterista Ches Smith, mais o acréscimo do trompetista Jonathan Finlayson e do saxofonista "rising star" Jon Irabagon, constituindo, então, um quinteto. A respeito deste lançamento, a própria Mary Halvorson dá um norte para uma descrição das suas influências: "The harmonies were inspired by a diverse group of composers (Clifford Brown, Thelonious Monk, Robert Wyatt, Dmitri Shostakovich, Archie Shepp), but the new horn section provides the guts behind the songs, taking the spirit of Sam Cooke and Marvin Gaye. It also doesn't hurt that Hebert, the drummer, knows his way around a funky bass line that tugs at the legs to move — or at least shuffle spasmodically". Outro lançamento que mostra sua particularidade de forma gritante é o álbum Eletric Fruit, com o trompetista Peter Evans e o drummer Weasel Walter. Sua guitarra e seu estilo são únicos: sua sonoridade orgânica, é um misto de som semi-acústico com distorções totalmente singulares; suas composições e fraseados flutuam entre um livre improviso e uma linguagem elaborada indescritível. Seus mais recentes lançamentos incluem: o álbum Mary Halvorson Quartet ‎– Paimon, volume 32 da série Book Of Angels de John Zorn (com o guitarrista Miles Okazaki, o baterista Tomas Fujiwara e o contrabaixista Drew Gress); o álbum Err Guitar (Intakt Records, 2018), com um trio de guitarras com Elliott Sharp e Marc Ribot; e, porfim, o já elogiado álbum Code Girl (Firehouse, 2018), seu primeiro álbum de canções vocais.






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