First Impressions (1974)/ The World of the Children (1977). Esses dois álbuns do sax-altoísta Shamek Farrah são dois dos mais raros e espetaculares registros da Strata-East. Em 2018, o LP First Impressions foi relançado numa edição remasterizada num vinil de 180 gramas pelo selo Pure Pleasure, mas os LP's originais são muito difíceis de se encontrar para comprar -- e se encontrar, os valores são os olhos da cara e os dedos das mãos (como diríamos em expressão popular). O fato triste é que tanto Shamek Farrah quanto os sidemans que o acompanham nestes registros sumiriam de cena nos anos seguintes -- problemas financeiros e problemas com drogas seriam as causas principais desses sumiços, de acordo os revisionistas e colecionadores. Dos sidemans que participam em First Impressions, o contrabaixista Milton Suggs foi o único que continuou ativo, gravando com Elvin Jones, Roland Kirk, Byron Morris & Unity e Famadou Don Moye, só se desligando das cenas do jazz no final dos anos 80. Milton Suggs, aliás, é reconhecido -- tanto aqui como em outras gravações com esses músicos citados -- por sua fluência entusiasmante na condução de grooves sincopados e ostinatos. Aqui em First Impressions, o contrabaixista aplica uma tratativa de linhas de baixo um tanto flexível junto a percussão proliferada e aos clusters com tons espirituais do piano, dando luz a um post-bop com improvisos e desenvolvimentos bem interessantes. O contrabaixo groovy e sincopado de Milton Suggs, aliás, foi lembrado em 2018, quando o DJ e produtor japonês Toshio Matsuura fez uma releitura da faixa "Kitty Bey" do LP Blow Thru' Your Mind (E.P.I, 1974) lançado por Byron Morris & Unity's, vide o CD Loveplaydance: 8 Scenes from The Floor, lançado pela gravadora Brownswood Recordings de Gilles Peterson. Ademais este segundo LP, The World of the Children, como o próprio título diz evoca o espírito de uma criança e mostra um spiritual jazz mais festivo e alegre em torno dos clusters e improvisos "quase free" do piano de Sonelius Smith.

Genesis (1974). O trompetista Charles Sullivan é um daqueles musician's musician do post-bop: ou seja, um solista talentoso que -- ou por preferência, ou por dificuldades, ou por destino... -- seguiu uma carreira mais como sideman de outros grandes músicos do que como líder, não faltando-lhe talento para uma carreira solo repleta de muitos bons álbuns autorais. Conhecido nos anos 70 pela alcunha de Kamau Adilifu -- uma vez que muitos músicos negros trocavam de nomes ao aderir às religiões e aos ideais islâmicos, orientais e africanos --, Charles Sulivan continuou relativamente ativo nas últimas décadas até recentemente: sendo possível vê-lo e ouvi-lo em registros com Kenny Barron, Sonny Fortune, Yusef Lateef, Sam Rivers, Roswell Rudd, Woody Shaw e McCoy Tyner. Como leader, Charles Sulivan tem apenas quatro álbuns lançados, sendo este pela Strata-East seu debut e sua obra-prima. Aqui neste álbum ele é acompanhado por Sonny Fortune no sax alto, Dee Dee Bridgewater nos vocais, Billy Hart na bateria, Stanley Cowell no piano e Alex Black no contrabaixo, além de participações do contrabaixista Anthony Jackson, do baterista Alphonse Mouzon e do pianista Onaje Allen Grumbs. Juntando ao fato de Charles Sulivan ser um ótimo frasista em torno da linguagem bebop, aqui ele explora seus originais em torno das variabilidades do jazz-funk, post-bop, baladas e até voos mais livres. Essencial para quem gosta de solos de trompete.

The Sojourner (1974). Considerado um dos mais raros registros da Strata-East -- um exemplar perfeito do spiritual jazz com cantos e vocalizes soul --, este álbum nos mostra uma mistura incandescente de saxofones, teclados, guitarras, percussão e vozes: a cantora é Beatrice Parker e os músicos são Khaliq Abdul Al Rouf no sax, Bevin Turnbull nos teclados (piano, Fender Rhodes), Mashujaa Aliye Salamu na guitarra, Leroy Seals no contrabaixo e Fred Kwaku Crawley se expressando em uma série de instrumentos de percussão. Juntos, esses músicos formavam o distinto The Ensemble Al-Salaam, do qual atualmente quase não se tem informações, a não ser as informações dispostas no encarte do próprio LP. Aqui temos um dos mais híbridos registros da Strata-East: com canções soul, timbres cósmicos de Fender Rhodes, percussões em ebulição, improvisos freejazzísticos e tons espirituais.

Celebrations and Solitudes (1974). Álbum emblemático composto apenas por poesia declamada e contrabaixo. Um dos retratos mais poderosos e reflexivos da época, com a poetisa Jayne Cortez abordando assuntos diversos tais como os problemas sociais e econômico dos negros, a violência policial, o linchamento de negros em Nova York, a conscientização cultural em torno das próprias raizes do blues e do jazz e etc. Jayne retrata, inclusive, a triste história de um policial que deu um tiro fatal em um menino de dez anos de idade chamado Clifford Glover enquanto estava à paisana, em 1973, crime pelo qual o policial foi absolvido de todas as acusações. Apresentando uma crítica poética penetrante a essas e outras formas de discriminação, preconceito e violência, Jayne Cortez apresenta aqui um dueto com o célebre contrabaixista Richard Davis, que participou de gravações seminais com músicos como Andrew Hill, Eric Dolphy e Rahsaan Roland Kirk. A poetisa e ativista Jayne Cortez foi casada com Ornette Coleman por dez anos e é mãe do baterista Denardo Coleman. Ela tambén foi ativamente ligada ao Black Arts Movement (BAM), fundado por Amiri Baraka (aka LeRoi Jones).

One for Me (1974). A organista Shirley Scott -- um dos nomes seminais e imprescindíveis do orgão, do hard bop e soul jazz -- já tinha uma carreira afamada com vários álbuns lançados, tanto como sidewoman de vários músicos de jazz e artistas pop tais como Ray Charles e Aretha Franklin, como também uma carreira sólida como líder de banda. Tendo gravado álbuns pelas gravadoras Impulse e Prestige, ela é frequentemente lembrada por suas parcerias com os saxtenoristas Eddie “Lockjaw” Davis e Stanley Turrentine. Neste álbum, porém, a organista volta-se exclusivamente para seu interior, tentando lançar aqui um testemunho mais pessoal, com suas próprias composições e um jeito mais pessoal de tocar. Lembrando que a Strata-East foi, enfim, uma gravadora onde os músicos realmente puderam estar livres para se exporem de forma mais pessoal, sem se importar com os produtores das gravadoras mainstream que cerceavam a liberdade artística -- e até a liberdade individual do o que vestir, o que falar, como proceder e etc -- em detrimento dos preconceitos da época e em troca do comercialismo. No encarte do álbum, a organista explicita seu sentimento para com este seu registro: "All of the music recorded in this album is both personal and very purposeful to me, because it is the first step toward honesty about what and how I want to play. I’ve done a lot of other albums, a lot of different ways for a lot of different people and now, with the help of the Creator, in whom all things are possible, I have done one for me too". A produtora deste álbum é Maxine Gordon, amiga íntima de Shirley Scott à época, e os sidemans são o saxtenorista Harold Vick e o baterista Billy Higgins. Também participa Jimmy Hopps no cowbell. E além do orgão, Shirley Scott também faz uso do melotron, uma espécie de teclado polifônico mais associado às viagens sônico-espaciais de Sun Ra.

Don't Look Back (1974). O saxtenorista Harold Vick é um daqueles excelentes músicos a surgir nos anos 60 e 70 dos quais só sobraram dois ou três registros inseridos na categoria "cult". Contudo, o saxtenorista não chega a ser um músico esquecido. Ainda que nem sempre lembrado entre os nomes mais afamados do sax tenor -- Rollins, Coltrane, Mobley, Rouse, Coleman, Ammons, Griffin, Shepp, Ayler e etc --, nos anos sessenta Harold Vick lançou registros vibrantes pelos selos Blue Note, Muse e RCA Victor. Além dos seus álbuns autorais, Vick apareceu em ao menos duas dezenas de álbuns diferentes como sideman e foi membro fixo da banda residente do Apollo Theatre, bem como membro fixo de um grupo chamado Negro Ensemble Company. No início dos anos 70, porém, Vick passa a atuar mais como sideman, trabalhando com músicos e cantores soul, chegando a ser músico fixo das bandas de Aretha Franklin e King Curtis. Esse álbum traz, então, um retorno do saxtenorista para a tarefa de lançar um testemunho autoral, emitindo aqui uma sonoridade híbrida de todas as experiências que ele teve nessas estéticas do soul jazz, hard bop, funk e afins. Don't Look Back traz Vick no saxofone tenor, flauta e clarinete baixo, Joe Bonner no piano, George Davis na flauta alto, Virgil Jones no trompete, Sam Jones no baixo, Billy Hart na bateria e Jimmy Hopps na percussão.

Handsscape 2 (1975). Trata-se do segundo álbum do curioso "ensemble" chamado The Piano Choir composto pelos pianistas e tecladistas que faziam parte do plantel da Strata-East na época: Ron Burton, Stanley Cowell, Nat Jones, Hugh Lawson, Webster Lewis, Harold Mabern e Sonelius Smith. O primeiro álbum é interessante e fica aqui como uma indicação indireta, mas o segundo álbum é sonoricamente mais expansivo. Juntando sete pianos acústicos (!!!) e mais teclados e sintetizadores analógicos da época, esses músicos formam uma espécie de "ensemble" composto apenas por teclas -- algo inédito na história do jazz. Para temperar o molho lisérgico de teclas acústicas e eletrônicas, Stanley Cowell -- proprietário da Strata-East ao lado de Charles Tolliver e líder deste The Piano Choir -- escala os percussionistas Mtume, Jimmy Hopps e John Lewis. Inexplicavelmente fantástico e inédito!

Colors (1975). Depois do curioso "ensemble de teclas" acima, não podia faltar o resgate contemporâneo de uma tradicional "brass band" -- uma banda de metais com trompetes, trombones, trompas (ou flugelhons) e tubas. As brass bands foi um dos formatos que seriam frequentemente modernizados nos anos 80, 90 e 2000 por diversos músicos tais como os trompetistas Lester Bowie, Steven Bernstein, Dave Douglas e o trombonista Ray Anderson. No entanto, vemos aqui, com esta The Brass Company, que também neste formato a Strata-East foi pioneira na modernização do mesmo, um formato proveniente de New Orleans tão tradicional na história do jazz. Aqui estamos diante de uma brass band com os trompetistas Bill Hardman, Eddie Preston, Harry Hall e Lonnie Hillyer, os flugelhornistas Clif Lee e Kamal Abdul-Aim, o trombonista Charles Stephens e o tubista Bob Stewart. Acompanham os metais o contrabaixista Bill Lee e os bateristas Billy Higgins e Sonny Brown. Também termos participações do trompetista Charles Tolliver, do saxtenorista Clifford Jordan e do pianista Stanley Cowell como convidados. Uma banda de metais com um poderoso colorido sonoro.

Sum of the Parts (1975). Larry Ridley é um aclamado veterano do contrabaixo jazzístico, tendo acompanhado uma multidão de músicos nas décadas de 60, 70 e 80, e tendo se dedicando à carreira de educador da década de 90 em diante, chegando a chefiar o programa de jazz na Rutgers University e a lecionar na Manhattan School of Music, além de participar de diversas organizações, associações e fundações ligadas à história e ao legado do jazz. Historicamente ligado ao contrabaixo acústico sendo um mestre do instrumento, experiente em várias formas de jazz -- do cool ao hard bop --, aqui Larry Ridley está imerso em uma fase mais funky e mostra uma destreza fora de série de linhas sincopadas de contrabaixo acústico, nos mostrando funky-grooves entusiasmantes ao lado do baterista Grady Tate. Participam deste álbum o flautista e saxofonista Sonny Fortune, o guitarrista Cornell Dupree, o percussionista Errol 'Crusher' Bennett e o tecladista Onaje Allan Gumbs (piano, Fender Rhodes, clavinet, sintetizador). Um exemplo imperdível de post-bop e jazz-funk.

Regeneration (1976). O pianista Stanley Cowell já havia mostrado a que veio com seu curioso The Piano Choir, uma espécie de "coral" ou "ensemble" composto só por teclas (pianos, clavinets, sintetizadores e afins). Aqui, pois, o pianista desbravador nos deixa mais um registro exploratório onde cai de cabeça no soul e spiritual jazz mais imersivo em africanidades, além de explorar as possibilidades da world fusion. O álbum começa com o uma canção ao estilo soul jazz chamada "Trying To Find A Way": uma amostragem contemplativa com sintetizador e uma mistura de linha funkeada de contrabaixo com um maravilhoso dueto vocal através dos cantores Charles Fowlkes e Glenda Barnes. Em seguida, no tema "The Gembhre", o próprio Stanley Cowell empunha uma kora africana para explorar improvisos livres antes de adentrar ao tema ao lado do percussionista Nadi Quamar e do contrabaixista Bill Lee. O álbum segue com temas que mostram interações funkeadas e sincopadas de bateria e percussão com flauta, um duo de piano e gaita tocando blues, uma amostra do afro-jazz nas vozes da cantora Kareema e do percussionista nigeriano Aleke Kanonu acompanhados pelo saxofonista John Stubblefield tocando uma zurna (espécie de instrumento do Marrocos), entre outras mostras com influências do Oriente Médio e do Norte da África. Participam deste álbum vários músicos tais como o contrabaixista Bill Lee, os bateristas Ed Blackwell e Billy Higgins e os saxofonistas Jimmy Heath, Marion Brown, Sonny Fortune e John Stubblefield, dentre outros -- alguns desses instrumentistas, aliás, tocando instrumentos característicos da África e do Oriente Médio, além dos seus instrumentos de ofício. Uma ponte perfeita e diversificada do blues, jazz, soul e funky com suas origens africanas e as influências médio-orientais que adentravam o jazz-fusion da época.

The Liberation of the Contemporary Jazz Guitar (1977). Trata-se aqui de mais um dos incomuns registros da Strata-East: um duo de guitarra com os guitarristas Bruce Johnson e Rodney Jones. Sobre Bruce Johnson há poucos registros e informações, a não ser um álbum que ele lançou na Itália em 1980: o álbum Sea Serpent (Dire Records) onde ele explora guitarra, vibrafone e contrabaixo em duo com John Abercrombie, e também conta com participações do saxofonista Hugo Heredia e o trompetista Enrico Rava. Sobre Rodney Jones, já há muita informação disposta: além de colecionar inúmeras participações como sideman ao lado de cantoras de jazz e R'n'B tais como Lena Horn e Ruth Brown, ele também colaborou com músicos tais como Jimmy McGriff, Maceo Parker, Lucky Peterson, Dizzy Gillespie, Christian McBride, James Carter, Regina Carter, dentre muitos outros, sendo atualmente membro do corpo docente da Juilliard School e considerado um dos maiores nomes do seu instrumento nessas últimas décadas. Rodney Jones, aliás, é reconhecido como um intérprete distinto de guitarra por usar muitas harmonias com intervalos de quarta em suas conduções e acompanhamentos -- o que lhe confere um tom diferenciado. Aqui pois, temos dois guitarristas jovens lançando seu primeiro álbum pela Strata-East, com um duo incendiário de guitarras, mostrando muitos tons de blues, tons modais, brincadeiras ao estilo folk-country, livres improvisos, passagens evocando o flamenco espanhol e outros devaneios guitarrísticos. A contemporaneidade desse duo de guitarras faz jus ao título do álbum.

Erotica Suite (1978). Aqui temos uma curiosa suíte com inspirações um tanto "lúdicas", em uma temática pouco usual no jazz. Trata-se de uma suíte em quatro partes que apresenta temas carregados de um certo ludismo proveniente do erotismo, como o próprio título supõe. Obra composta pelo trombonista John Gordon, também conferimos aqui as colaborações de James Spaulding no sax alto e flauta, John Miller no piano e teclados, Waymond Reed no trompete, Lyle Atkinson no contrabaixo e Frank Derrick na bateria e sinos. Só pra se ter ideia, o álbum começa com um spiritual jazz alucinante com solos de trombone e sonoridades inexplicáveis de sintetizador -- sendo, ao que parece, um sintetizador analógico Crumar Stringman -- e termina com um curioso tema num ritmo irregular em compasso 7/4: no meio dessas assincronias encontramos curiosos improvisos em linguagem bebop, blues esquizofrênicos, uma espécie de boogaloo-latin-funky com efeitos eletrônicos e solos de flauta, entre outras idiossincrasias. Uma obra que apesar de ser de fácil digestão para os acostumados no jazz mais cerebral, nunca teria encontrado um lugar cativo nas gravadoras mainstream, a depender da sua temática e da sua sonoridade incomum. Registro reeditado recentemente pela label Everland Music.

The New York Bass Violin Choir (1980). Ao que parece, este é o último registro do catálogo da Strata-East. Assim como o pianista Stanley Cowell formou um The Piano Choir (uma espécie de coro ou "ensemble" só de instrumentos de teclas), o contrabaixista Bill Lee -- pai do famoso cineasta Spike Lee -- aqui inventa de fundar seu The New York Bass Violin Choir. Trata-se de um projeto onde Bill Lee junta outros seis contrabaixistas para criar seu inédito "ensemble" de cordas com Lisle Atkinson, Michael Fleming, Milt Hinton, Richard Davis, Ron Carter e Sam Jones. Sim, isso mesmo: estamos aqui diante de um septeto de contrabaixos!!! Aliás, o termo "bass violin" aqui é meramente estratégico. Além do mais, uma das peças centrais do álbum é ópera "Baby Sweets" que Bill Lee escreveu inspirado pela música de Bob Dylan, artista com o qual ele frequentemente colaborava. Além dos seis contrabaixistas, Bill Lee tem a colaboração de Sonny Brown (percussão), Harold Mabern (piano) e George Coleman (sax tenor).