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No âmbito underground do circuito da Downtown Scene, podemos entender John Zorn —— que é descendente de judeus de origem asquenaze (ou seja, judeus do centro e leste europeu) —— como um compositor experimentalista que expandiu sobremaneira o avant-garde de cunho pós-modernista a partir de radicais e ecléticas misturas envolvendo free jazz, hardcore punk, death metal, grindcore, surf music, klezmer, country, trilhas sonoras de desenho animado, música sacra, música erudita moderna, música para cinema ao estilo de Ennio Morricone, ruídos de eletroacústica, colagens e outras misturas e experimentos. Em termos de temáticas, sua obra abrange um mosaico enorme de inspirações: morte, sadismo, nudismo, bizarrices da condição humana, surrealismo, anjos e demônios, mitologia judaica, figuras iconoclastas dos universos medieval e clássico, figuras da psicologia e da ciência, textos místicos e livros sagrados, filósofos e filosofias, ocultismo e inúmeras outras inspirações que sempre foram incomuns no cardápio comercial dos convencionais palcos e prateleiras. Mas, nas últimas décadas, a amplitude e genialidade de John Zorn conquistaram alcance suficiente para que o compositor também buscasse a sofisticar sua paleta eclética para além do restrito circuito experimental da Downtown com obras de maior robustez composicional no âmbito da música erudita contemporânea, incluindo peças camerísticas para ensembles variados, vozes e coral, quarteto de cordas, trios, orquestras, e outras formações. Essa sofisticação pode ser constatada e apreciada através dos lançamentos da Tzadik, selo fundado por Zorn e que, nas últimas décadas, também foi expandido sobremaneira para ser um refúgio de constante atividade para dezenas de artistas experimentais e compositores vanguardistas. Dantes restrito, o acervo dessas gravações hoje está em grande parte no Spotify, no Bandcamp e noutros streamings. Em 2023, dois acontecimentos deixaram os fãs de John Zorn um tanto animados: seu aniversário de 70 anos —— fato que foi comemorado com uma série de concertos em vários locais, além de lançamentos e resenhas em revistas, jornais, sites e etc... —— e o upload massivo do catálogo da Tzadik no Spotify e noutros streamings. Sobre esses eventos, até falamos aqui. Na ocasião o MoMA e o Walker Art Center, museus de arte contemporânea de Minneapolis e Nova York, concederam a Zorn exitosas homenagens com uma série de concertos e dedicatórias. E imagino que muitos fãs poderiam ter aberto uma garrafa de champanhe, poderiam ter tirado seu whisky 12 anos do armário e, no caso de nós, brasileiros, poderiam ter aberto uma boa cachaça mineira para comemorar o fato de Zorn ter autorizado seu staff a subir o catálogo quase completo da Tzadik nos streamings, uma vez que Zorn seguia, até então, avesso à publicidade, redes sociais, streamings e qualquer tipo de massificação, o que dificultava sua obra de chegar aos ouvidos dos seus fãs e dificultava muito mais alcançar novos ouvidos. Com uma obra tão eclética quanto vasta e que segue em expansão, John Zorn construiu um verdadeiro multiverso de séries temáticas, intersecções estéticas, técnicas variadas, abordagens iconoclastas, experimentos, misturas de gêneros, songbooks próprios e, consequentemente, mantém parcerias duradouras com inúmeros artistas, bandas, intérpretes e ensembles, produzindo uma constelação frenética de lançamentos anuais que é difícil para qualquer site, blog, jornal ou revista acompanhar. Entretanto, também é fato que, desde os anos 1980, Zorn segue fidelizando gerações e legiões de muitos fãs de avant-garde ao redor do mundo, de forma que esses são aqueles fãs que garimpam e já procuram, por conta própria, se inteirar dos lançamentos da Tzadik sem a necessidade de serem despertados por algum tipo de publicidade —— ao menos gradativamente, já que não é tarefa fácil acompanhar todos de uma vez. Agora que tudo está nos streamings, ficou mais fácil. E, neste post, esse é o exercício que iremos adentrar. Abaixo, falarei de alguns dos principais lançamentos relacionados ao multiverso do compositor americano nos últimos tempos, incluindo livros, documentários e projetos específicos. Encarem esse post, inclusive, como uma homenagem tardia do Instrumental Verves para a chegada desse mago do avant-garde à sua fase septuagenária! E Zorn chega à sua fase septuagenária sem nunca ter perdido o fôlego! Nas últimas décadas, como já conotado, Zorn ampliou consistentemente seu plantel e círculo de parcerias, músicos convidados e até de improváveis admiradores, de forma que sua obra emergiu da Downtown e dos circuitos mais restritos do underground para alcançar espaços maiores e inéditos: sua produção nunca almejou o mainstream, mas sua música tem alcançado palcos de grande prestígio, tais como o Festival de Jazz in Marciac, na França, o Lincoln Center for the Performing Arts —— que se situa ao lado do Jazz at Lincoln Center, meca do jazz enquanto cultura e tradição em Nova York —— e os já citados Walker Art Center e Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA). Consequentemente, o compositor tem alcançado diversas parcerias para além do cenário da Downtown e dos habitats de música experimental e tem conquistado a admiração de muitos artistas que permeiam o mainstream: seus intérpretes e colaboradores vão de orquestras e ensembles célebres como o Kronos Quartet e a American Composers Orchestra à instrumentistas famosos do jazz tais como o guitarrista Pat Metheny e o contrabaixista Christian McBride; seus mais improváveis admiradores vão de figuras como o cantor e songwriter Jesse Harris à violinista clássica Hilary Hahn e ao compositor argentino Osvaldo Golijov. No artigo escrito no site do Walker Art Center, Zorn foi felicitado por estes artistas e várias outras figuras dos multiversos da música e das artes, incluindo artistas que transitam com fama nos circuitos do mainstream. Esse fenômeno mostra que, na atual Era Cibernética, o avant-garde e a música experimental já não são aqueles monstros de sete cabeças e que John Zorn, então, tem sido um dos responsáveis por um maior reconhecimento desse nicho de arte ante a crítica e público. Como os fãs mais assíduos já sabem, o ecletismo radical de Zorn não é um oásis para ouvidos adocicados —— embora haja facetas de fácil apreciação em sua obra, como seus trabalhos que exploram trilhas sonoras, música infantil e a forma-canção da tradição judaica ——, mas o espírito super criativo, inovador e super producente da sua obra garante profundidade e amplitude o suficiente para sempre alcançar novos ouvidos e corações. E, de fato, quem realmente aprecia a criatividade na música —— deslocado de bitolações, sensacionalismos e tendências —— não sente dificuldade para reconhecer a genialidade de um músico e compositor como John Zorn. Abaixo vos apresento, então, um retrospecto que corrobora com esse alcance.
O multiverso de Zorn pelas câmeras do cineasta francês Mathieu Amalric
A trilogia documental Zorn I (2010–2016), Zorn II (2016–2018) e Zorn III (2018–2022), dirigida por Mathieu Amalric, é um retrato íntimo, panorâmico e profundamente fiel do ecletismo de John Zorn como músico, como compositor e como agitador artístico-cultural. As filmagens foram concebidas a partir de ao menos dois encontros em 2008 e 2009, quando Amalric —— aclamado e premiado ator e cineasta francês —— foi convidado para narrar uma performance da obra vocal The Song of Songs e, depois, da peça Shir Hashirim, produzido por Zorn no festival Jazz à la Villette, em Paris. Amalric é conhecido por ter alcançado notoriedade com filmes como O Escafandro e a Borboleta (2007), no qual atuou sob direção de Julian Schnabel, e Tournée (2010), pelo qual recebeu o Prêmio de Direção no Festival de Cannes. Ao conhecer Zorn e sua obra pessoalmente, Amalric ficou encantado e decidiu filmar Zorn por conta própria, sem nenhum vínculo contratual, sem nenhuma comissão, sem roteiro e sem produção, deixando apenas que a relação artística e afetiva entre os dois moldasse organicamente o projeto. A partir disso, nasceram as filmagens marcadas por espontaneidade, cumplicidade e improvisação, características que marcam o próprio ethos musical de Zorn. Filmados em cidades como Paris, Milão, Nova York, Lisboa, Hamburgo, Sarajevo e Willisau, os três volumes evitam entrevistas ou narrativas cronológicas, preferindo construções visuais in loco em que a câmera registra tudo com sinceridade e fluidez: gestos, silêncios, erros, afinidades, cenas de cansaço e euforia, momentos íntimos, momentos de descontração...tudo é capturado por Amalric. O primeiro volume, Zorn I, apresenta, por exemplo, Zorn e seus músicos em concertos, bastidores, sessões informais, gravações no clube The Stone (clube de propriedade de Zorn em Nova York) e foca na vitalidade e no caráter imprevisível do compositor. Em Zorn II, o plano já se estreita com Amalric se aproximando mais dos ensaios, das trocas entre músicos, dos bastidores e afetividades, passa por um concerto de Zorn e Dave Lombardo no Museu do Louvre e incorpora textos curtos que sintetizam a filosofia de grupo adotada por Zorn em relação aos músicos, às bandas e aos ensembles com os quais ele trabalha. Já Zorn III representa a mais recente faceta do compositor escrever obras vocais, retratando as colaborações da soprano Barbara Hannigan e do pianista Stephen Gosling nos ensaios da exigente peça Jumalattaret, captando os desafios criativos, os riscos técnicos, a carga emocional, a busca por refinamento e o processo de deixar a peça cada vez mais apurada para ser apresentada na Fundação Gulbenkian, em Lisboa. Os três filmes registram, enfim, uma variedade de obras e estilos —— jazz experimental, música de câmara, improvisação livre, rock extremo, klezmer, composições para voz e etc —— e envolvem músicos centrais da cena nova-iorquina ligada ao selo Tzadik. Interessante tambem é como a estética da trilogia é fiel à lógica experimental da música de Zorn: os filmes foram realizados com câmeras pequenas (Cannon 5D e Black Magic Pocket), sendo que em cada filmagem a câmera foi empunhada em mãos sem o uso de equipamentos estabilizadores (gimbal ou steadicam), com o som resultante sendo espontâneo e fiel ao ambiente, com a montagem sendo 100% artesanal e a estética como um todo aproximando o gênero do documentário de uma expressão de video-arte experimental. Amalric, conhecido também por seus papéis em filmes de Arnaud Desplechin, Roman Polanski e Ian Fleming (com o qual atuou em James Bond - Quantum of Solace, 2008), demonstra aqui um talento documental raro, capaz de filmar de forma experimental sem subtrair nada dos detalhes, dos aspectos técnicos e da carga emocional das cenas. A trilogia estreou em festivais como Viennale, DocLisboa, Elbphilharmonie (Hamburgo) e LEFFEST (Lisboa) e segue em mostras por outros cinemas europeus. Esperamos, aliás, que produtores brasileiros do Festival In-Edit traga a trilogia para a edição de 2025 aqui em São Paulo! Aliás, bem capaz que em 2026 já tenhamos o quarto volume do projeto, o Zorn IV, que começou a ser gravado em 2023 em decorrência ao 70º aniversário do compositor. Mas a depender da localização, do país de residência, o fã de Zorn poderá apreciar os filmes em streamings como MUBI e Prime Video.
New Masada Quartet: a nova versão da aclamada banda de "jazz judaico"
Um dos projetos exitosos de Zorn nos últimos anos foi a repaginação do seu célebre projeto Masada, com o qual ele fundiu free jazz com temas compostos sob inspiração da musica klezmer e da canção judaica nos anos de 1990. O New Masada Quartet traz John Zorn no sax alto, Julian Lage na guitarra elétrica, Jorge Roeder no contrabaixo e Kenny Wollesen na bateria, foi formado entre 2018 e 2019 e lançou seu primeiro álbum em 2021, representando uma das exitosass e refinadas reencarnações do saudoso projeto Masada, com certeza o projeto mais popular de Zorn no âmbito dos anais do jazz —— e isso com aclamação de crítica e de público que abrangeu da revista Downbeat à The Wire, do clube underground The Stone em NYC ao palco do Festival de Marciac na França. Iniciado em 1993, o Masada nasceu, então, como essa idéia de fundir canções, modos e escalas da tradição judaica com estruturas abertas do free jazz e rapidamente se expandiu num universo multifacetado com centenas de composições e múltiplas formações: da formação clássica do Masada Quartet com o trompetista Dave Douglas, o baterista Joey Baron e o contrabaixista Greg Cohen, Zorn expandiu o projeto para versões como Electric Masada, Bar Kokhba, Masada String Trio, Masada Quintet..., bandas pelas quais passaram dezenas de intérpretes do que se conhece como Masada Songbook, composto por três "volumes" complementares onde Zorn reúne todo o respectivo repertório. Ao longo de 25 anos, Zorn escreveu exatamente 613 composições —— exatamente o número correspondente aos "mitzvoth" (mandamentos) da Torá —— divididas nos três "volumes" citados intitulados como Book One (205 peças), The Book of Angels (316 peças) e The Book Beriah (92 peças). Este New Masada Quartet, como já dito, é mais um resgate e uma repaginação desse projeto em mais uma nova formação. John Zorn conta que a origem do novo quarteto se deu quando o guitarrista Julian Lage, um dos jovens-sensação da guitarra jazzística, tocou durante uma semana no seu clube The Stone em 2018, e o próprio Lage convidou Zorn para tocar como convidado do seu trio, e é daí, então, que Zorn teve a ideia de levar algumas peças do Masada e, ao tocá-las junto ao trio do guitarrista, percebeu que a formação casou perfeitamente ao conceito das peças. Nascia ali, então, o New Masada Quartet. A estreia ao vivo se deu no Village Vanguard em 2019, e a estreia discográfica só viria mais tarde, em dezembro de 2021, com o álbum homônimo gravado no estúdio de Bill Laswell, em New Jersey. Esse primeiro disco, com oito faixas e cerca de 53 minutos, traz uma mescla balanceada de peças do Book One ("Hath Arob", "Sansanah", "Kedushah" e "Piram") e do Book of Angels ("Tharsis", "Rigal", "Mibi" e "Tagriel"), e revela já desde a abertura (com a peça "Tharsis") a energia renovada da banda. Interessante notar como Zorn atua não apenas como compositor e saxofonsita enérgico junto aos colegas da banda, mas também rege como um maestro as dinâmicas e intenções através de gestos ideográficos. Em março de 2023, o grupo lançou o segundo álbum, New Masada Quartet Vol. 2, com mais releituras do Book One e do Book of Angels —— incluindo as peças "Katzatz", "Rahtiel" e "Achshaph" —— e, para este tento, estabeleceu uma abordagem mais introspectiva, mais melódica, com Lage ganhando espaço para brilhar em harmonias contemplativas, sem perder a pegada de risco e espontaneidade. Já em outubro de 2024, o grupo lançou seu terceiro álbum e seu primeiro registro ao vivo, o New Masada Quartet Vol. 3 – Live at Roulette, gravado em maio do mesmo ano no célebre espaço Roulette, no Brooklyn, registro que captura todo esse frescor e energia renovada com aplausos de uma plateia. Ao longo desses três álbuns, todos lançados pelo selo Tzadik, o New Masada Quartet reafirma a vitalidade e contemporaneidade atemporal do legado Masada sem recorrer a composições novas: tratam-se de releituras profundamente frescas e reenergizadas de um material que Zorn compôs para a posteridade, um repertório que segue servindo de base para experimentações, contrastes, lirismo, caos e beleza. Em termos comparativos, a substituição do trompete (do Masada Quartet dos anos 90) pela guitarra (deste New Masada) reconfigura completamente a paisagem sonora, e Lage se revela não apenas um executor de primeira linha, mas um parceiro propício de criação através do frescor do seu timbre semi-acústico e do seu tino para harmonizar e improvisar: sua juventude, seus fraseios e abordagem contemporânea da improvisação são elementos que ajudam a arejar o repertório e ampliam a conexão com novas audiências. Zorn acertou na estratégia de repaginar a banda com essa formação e com esses músicos!
Arcana: a série de livros com ensaios sobre ideias, música e avant-garde
Ainda que essa série de livros tenha sido idealizada e iniciada em fins dos anos 90, o décimo volume que fecha a série foi recentemente concluído e, por isso, achei pertinente listar a série toda aqui como mais um dos atrativos que podem interessar aos fãs do multiverso de criações e lançamentos de Zorn. A série de livros Arcana: Musicians on Music foi idealizada, organizada, produzida e editada por John Zorn para ser uma coleção fundamental a reunir ensaios, entrevistas, reflexões e comentários sobre a música, filosofia e processos criativos, abordando temas como improvisação, espiritualidade, composição, rituais e a intersecção entre arte e vida, oferecendo um panorama profundo da música contemporânea e do jazz de vanguarda desde os anos de 1970 até os anos 2000. O título da série vem do latim arcanus, que significa "secreto", "misterioso" ou "escondido". Com os primeiros volumes lançados nos anos 2000 pelo selo Tzadik, a série conta com contribuições de músicos que são não apenas experimentalistas e inovadores como instrumentistas e compositores, mas também donos de ideias originais, donos de pensamentos e filosofias que expandem os limites do pensar e fazer musical, músicos tais como Bill Frisell, Fred Frith, Dave Douglas, Matthew Shipp, Ikue Mori, Marc Ribot, Elliott Sharp, John Oswald, Wadada Leo Smith, Chris Cutler, George Lewis, Steve Lacy, Anthony Braxton, Pauline Oliveros, Fred Moten, Sylvie Courvoisier, entre tantos outros artistas que estiveram ligados aos conceitos avant-garde e ao cenário da Downtown de Nova York, onde Zorn é reconhecida figura de liderança artístico-cultural. Ao todo são dez volumes gradativamente escritos ao longo das décadas de 2000 e 2010 e com o décimo volume sendo publicado em 2 de novembro de 2021 pela editora Hips Road, marcando o encerramento oficial do projeto. Os textos, ao longo da coleção, misturam conceitos experimentais e teóricos, relato autobiográfico, diagrama gráfico, partitura expandida e ensaio filosófico, com liberdade absoluta dada a cada músico que participa, de modo que cada volume amplia o escopo e a profundidade da série, revelando diferentes modos de pensar e experienciar o som. Ao evitar uma curadoria rígida, Zorn constrói um espaço livre para o pensamento radicalmente plural, onde convivem reflexões de ordem técnica, mística, poética e política. São mais de 300 colaboradores reunidos ao longo dos dez volumes da série —— um verdadeiro compêndio de pensamento musical contemporâneo. Os dez volumes funcionam, então, como um mosaico literário e intelectual, revelando os 'segredos" e "mistérios" desses artistas de vanguarda e servindo como fonte essencial para pesquisadores, músicos, fãs do avant-garde e de música contemporânea como um todo. Para quem se interessar, a série Arcana é publicada pela editora Hips Road e pela Tzadik, editora fundada por Zorn, mas também pode ser adquirida em lojas, distribuidoras e plataformas especializadas em partituras e livros, além de marketplaces como eBay, Amazon e CD Universe.
A série Bagatelles de John Zorn é uma reinvenção radical do conceito clássico de "bagatela", que, desde a passagem entre a era clássica para a era romântica —— mais especificamente desde Beethoven ——, denota um estilo de peça curta, descontraída, de liberdade descompromissada e de caráter mais informal. Vários compositores exploraram as bagatelas ao seu modo, de forma que o caráter dessas peças curtas foi sendo modificado no decorrer de cada época a partir dos estilos de cada compositor, variando do caráter mais nonsense e descontraído para um caráter mais exploratório: de Beethoven a Franz Liszt, de Béla Bartók a Anton Webern, o viés e caráter desse tipo de peças curtas mudam bastante em estilo e intenção. A série Bagatelles de John Zorn é, então, uma coleção monumental de 300 composições iniciadas em 2015, as quais, somadas com outras peças compostas em diferentes fases mais recentes da carreira do compositor, formam um vasto laboratório de peças curtas que condensam com detalhes e intensidade a essência multifacetada dos processos criativos desse iconoclasta compositor americano. Essas peças curtas foram concebidas justamente para que pequenos ensembles ou solistas explorem um espectro radical de sonoridades e procedimentos sugeridos por Zorn em instrumentação aberta e flexível, procedimento os quais incluem desde esboços informais até estruturas rigorosamente elaboradas em pauta musical com aberturas totalmente dispostas para improvisação livre ou estruturas mistas, refletindo a obsessão do compositor em explorar os limites entre composição e improviso. Desafiando classificações, a série tem sido apresentada em locais que vão desde o clube noturno The Stone, em Nova Iork, até espaços eruditos, tais como o Miller Theatre, palco da Columbia University, e o célebre festival de Darmstadt, na Alemanha, com intérpretes como Sylvie Courvoisier (piano), Marc Ribot (guitarra), Kenny Wollesen (bateria, percussão), John Medeski (órgão e teclados) e inúmeros outros colaboradores de longa data, todos desafiados a equilibrar variabilidades técnicas com liberdade expressiva em peças curtas com este espírito mais exploratório, usando técnicas estendidas, dinâmicas abruptas, contrastes extremos e densos contrapontos. Em termos de estilos e estéticas, Zorn aplica misturas de música contemporânea, jazz de vanguarda, rock experimental, música de câmara, noisecore, grooves intrincados —— misturas que desembocam no seu ecletismo radical, e avant-garde sem limites. A publicação das Bagatelles de Zorn está disposta em 16 volumes temáticos, editados pela Tzadik, e revela não apenas a variedade estilística dessas peças curtas, mas também a intenção de Zorn em trabalhar com instrumentações flexíveis: o Vol. 1 traz o quarteto de Mary Halvorson (guitarra elétrica) com Drew Gress (contrabaixo), Miles Okazaki (guitarra elétrica) e Tomas Fujiwara (bateria) em um encontro ruidoso de guitarras e marcações rítmicas angulares; o Vol. 2 é um diálogo expressivo entre os violoncelos de Erik Friedlander e Michael Nicolas, com contrastes entre lirismo e tensão; o Vol. 3 apresenta o trio de hardcore punk Trigger —— formado por Will Greene (guitarra elétrica), Simon Hanes (baixo elétrico) e Aaron Edgcomb (bateria e percussão) —— em interpretações abrasivas e anárquicas, combinando a energia crua do hardcore punk com improvisação livre e estruturas composicionais; o Vol. 4 é dominado pela eletroacústica de Ikue Mori e seu laptop, criando texturas glitch e ambientes repletos de efeitos eletrônicos livremente improvisados; os volumes que vão de 5 a 8 revelam a pianista Kris Davis com um quarteto de jazz exploratório, evidenciam o pianista Brian Marsella em performances solo e em trio (com Kenny Wollesen na bateria e Trevor Dunn no contrabaixo), e trazem formações com o organista e tecladista John Medeski, o guitarrista David Fiuczynski e o baterista G. Calvin Weston; já os volumes que vão do 13 ao 16, lançados mais recentemente, giram em torno dos metais e sopros, incluindo um quarteto com o saxofonista Jon Irabagon, o trompetista Peter Evans em solos hipervirtuosísticos, o clarinetista Ben Goldberg liderando um quarteto com o pianista Craig Taborn e dois contrabaixistas acústicos, e uma big band de 12 músicos comandada por Sam Eastmond (trompete e direção) com arranjos que fundem jazz, metal, música para cartoon e composição erudita contemporânea. Ou seja, cada volume expande a proposta original das Bagatelles como forma de peças breves e flexíveis, capaz de se adaptar a qualquer configuração instrumental, funcionando como prelúdio, interlúdio ou núcleo exploratório central de um programa, reafirmando a busca incessante de Zorn por uma música que desafie os limites do estilo, do formato e da escuta. Essas peças curtas oferecem uma ótima oportunidade de nos inteirarmos do mosaico exploratório do compositor.
Painkiller: o retorno de Bill Laswell e do célebre power trio de grindcore
O power trio Painkiller, formado originalmente por John Zorn (sax alto), Bill Laswell (baixo) e Mick Harris (bateria), ficou conhecido por sua fusão radical entre free jazz, grindcore, dub e metal extremo nos anos 90, sendo uma das bandas instrumentais pioneiras e legendárias dessa estirpe de som extremo. Os registros do trio compreendem os álbuns Virgin (1991), Buried Secrets (1992), Execution Ground (1994) e o registro ao vivo Live in Osaka (1994), sendo que, em 1998, saiu uma edição compilativa pela Tzadik que até hoje é objeto de desejo dos colecionadores que curtem esse tipo de som: o box Collected Works. Nas décadas de 2000 e 2010, o trio voltou de forma muito esporádica em um ou outro show comemorativo, mas a banda já não estava mais em atividade. Recentemente, então, eis que Zorn ressurge com o trio após décadas de inatividade com o lançamento do álbum Samsara (2024), marcando o primeiro registro de estúdio do grupo em 30 anos. Gravado à distância, com Harris operando os eletrônicos do Reino Unido, Zorn gravando saxofones em Nova York e Laswell em New Jersey, o disco mantém a brutalidade sonora característica do grupo, agora permeada por uma maturidade mais contemplativa. A retomada do Painkiller ocorre em meio a um contexto delicado: Bill Laswell, peça central do trio, vinha enfrentando desde 2022 uma série de complicações graves de saúde —— incluindo diabetes, infecções no sangue, hipertensão, falência renal e pulmonar... —— que comprometeram sua mobilidade e ameaçaram sua continuidade musical. Apesar disso, Laswell retornou aos estúdios com vigor criativo, contribuindo integralmente para a gravação de Samsara e para os álbuns seguintes que fecharam a trilogia: segue-se, então, The Equinox, que foi lançado em fevereiro de 2025 e foi inspirado nos rituais ocultistas de Aleister Crowley, trazendo combinações de texturas eletrônicas, noise e improvisação livre em uma amplitude sonora intensa e ritualística; e, já em seguida, em abril de 2025, foi lançado o The Great God Pan, que traz uma ambiência sombria e soturna a partir de inspirações que se ambientam na obra de horror homônima de Arthur Machen, envolvendo atmosferas sombrias e efeitos eletrônicos sinistros. Essa trilogia representa não apenas a revitalização de um dos projetos mais extremos de Zorn, mas também um testemunho da resiliência e superação de Laswell, cujo estilo gutural de contrabaixo experimental é marca registrada deste e de outros projetos no range entre o hardcore e o grind. Frequentemente, Zorn se refere a essa sua banda como "o trio de sax-baixo-bateria mais extremo que já existiu", sendo esse um dos projetos em que ele também explora a ruidosidade extrema do seu sax alto da forma mais gritante e intensa possível. Eis aí, então, um continuum que reafirma o legado do Painkiller como força transgressora da música experimental e desse estilo chamado grindcore.
Os 8 quartetos de cordas de Zorn nas leituras incríveis do JACK Quartet
Gravado entre 2023 e 2024 e lançado em 17 de janeiro de 2025 pelo selo Tzadik, The Complete String Quartets reúne os oito quartetos de cordas compostos por John Zorn entre 1988 e 2017 em interpretações arrebatadoras do JACK Quartet, quarteto de cordas nova-iorquino que tem se destacado na execução de repertórios contemporâneos desafiadores e mantém colaboração com Zorn desde 2007. Com mais de duas horas de música distribuídas em dois discos, o box set traça um amplo panorama do domínio da escrita de Zorn para cordas no âmbito do avant-garde e da música erudita moderna, além de revelar muito da sua imaginação sem limites e da sua radicalidade expressiva. Vale lembrar que algumas dessas peças e outras obras de Zorn envolvendo quartetos de cordas já haviam sido interpretadas anteriormente por outros quartetos aclamados, como o Kronos Quartet, que gravou Cat O’Nine Tails em 1993 no álbum Short Stories, como o Arditti Quartet, que registrou Pandora’s Box (para soprano e quarteto de cordas) em um álbum editado em 2015 pela Col Legno, como o Modrian Quartet, que também gravou "Cat O’Nine Tails" no álbum Cartoon/S&M, lançado em 2000 pela Tzadik, como o Quartet De Sade formado pelo Zorn com Mark Feldman (violino), Joyce Hammann (violino), Lois Martin (viola) e Erik Friedlander (violoncelo), que gravou algumas dessas peças em 1999 no álbum The String Quartets também lançado pela Tzadik, além do próprio JACK Quartet, que gravou obras como The Remedy of Fortune e The Alchemist em álbuns anteriores. Aqui, agora, o JACK Quartet explora a ambição de registrar o ciclo completo dessas peças para quarteto de cordas escritas por John Zorn. Esta nova coletânea, portanto, marca a primeira vez que todas as peças são reunidas em sequência cronológica, oferecendo ao ouvinte uma leitura coesa da evolução do pensamento composicional de Zorn para esse tipo de ensemble clássico ao longo de quase três décadas. Saindo da exploração satírica de elementos da música dos desenhos animados de Cat O’Nine Tails o ouvinte se desemboca diretamente nos cinco movimentos rigorosamente articulados de Necronomicon, que exploram contrastes extremos de textura, densidade e velocidade, alternando passagens de tensão brutal com silêncios abruptos e técnicas estendidas que testam os limites da execução instrumental no âmbito desses instrumentos de cordas e arcos. Já as evocações na peça The Remedy of Fortune combinam elementos medievais, satíricas danças trovadorescas e dissonâncias cortantes num jogo dinâmico entre tradição e rebeldia. As peças Kol Nidre e The Unseen, por sua vez, são marcadas por longas linhas melódicas melancólicas, ressonâncias místico-religiosas e uma atmosfera contemplativa que se aproxima de uma liturgia abstrata, sugerindo uma escuta introspectiva em torno de lirismo mais sombrio e ritualístico. Temos, enfim, um panorama da mais ampla aplicabilidade de técnicas, satirizações e ecletismos de John Zorn no âmbito do quarteto de cordas. Segundo a revista Stereophile, o álbum é "uma das viagens mais selvagens e imprevisíveis que o ouvinte de músisca erudita se pode empreender pela música de cordas contemporânea em 2025". O site Violin Channel, por sua vez, celebrou o lançamento como uma conquista estética e histórica de John Zorn, observando que a coleção já entrou para a lista de melhores álbuns do ano da revista Gramophone e outros veículos especializados, algo não tão comum para uma obra de vanguarda. Ao reunir essas obras em um só lançamento —— com gravações tecnicamente detalhistas, extremas e sensivelmente comprometidas —— Zorn oferece uma antologia definitiva de sua escrita para quarteto de cordas sob o "padrão ouro" conquistado pelas interpretações do aclamado JACK Quartet.
Clusters, improvisações e dissonâncias sombrias em órgãos de igrejas
O projeto The Hermetic Organ, iniciado por John Zorn em dezembro de 2011, marca sua série contínua de improvisações solo no órgão de tubos, instrumento que ele considera seu "primeiro amor musical", despertado ainda na juventude ao ouvir a peça "Improvisation ajoutée" (1962), do compositor argentino-alemão Mauricio Kagel. Para Zorn, a abordagem iconoclasta, performática e expandida de Kagel ao órgão revelou-lhe o potencial dramático e ritualístico do instrumento sob uma visão vanguardista. A estreia da primeira obra e Zorn nesse contexto aconteceu em 9 de dezembro de 2011, às 23h, numa noite de lua cheia, num órgão da Aeolian-Skinner Organ da St. Paul’s Chapel da Columbia University (NY), logo após um concerto no Miller Theatre, e desde então a série tem percorrido locais sacros e salas de concerto por todo o mundo. As improvisações foram realizadas em palcos e igrejas com tradicionais e engenhosos órgãos tais como a própria St. Paul’s Chapel (em 2013), a St. Paul’s Hall durante o Huddersfield Contemporary Music Festival (Reino Unido, 2013), a majestosa St. Bartholomew’s Church (Nova York, 2015), a Grande Salle Pierre Boulez da Philharmonie de Paris (2017), a imensa Cathedral of St. John the Divine (NY, 2013), o Gallus Hall no Festival de Ljubljana (Eslovênia), a St. John’s Cathedral em Knoxville (Tennessee, 2022, no Big Ears Festival) e a Grace Cathedral em São Francisco (2023), onde Zorn prestou homenagem a Terry Riley durante a série Zorn@70 (na ocasião do seu aniversário). Essas performances são totalmente e livremente improvisadas, onde Zorn tenta combinações de dissonantes harmonias dentro da estética meditativa e ritualística tão característica da música para órgão de tubos: ele alterna, então, momentos de silêncio contemplativo e introspecção com explosões de energia bruta, drones densos, clusters agressivos, ressonâncias dissonantemente espectrais e passagens de lirismo solene, frequentemente evocando referências a Messiaen, Kagel, liturgias antigas e psicodelia mística. Em cada uma dessas apresentações, Zorn transforma as sonoridades dos órgãos e as atmosferas lúgubres das igrejas e catedrais em laboratórios para suas alquimias místicas, laboratórios sonoros férteis para suas explorações místicas, ocultistas, mitológicas e espirituais. Com 13 volumes lançados entre 2011 e 2023, reunidos na coleção "Archival Series" da Tzadik, esse distinto projeto The Hermetic Organ constitui uma das obras mais íntimas, enigmáticas, herméticas e espirituais de Zorn, dessa vez explorando um instrumento de sonoridade secular e de notável de alquimia mística em diferentes salas de concertos, igrejas e catedrais do mundo.
Obras Vocais: canções, coral medieval, vozes guturais e experimentações
Nas últimas décadas, John Zorn intensificou sua exploração da voz como instrumento composicional, revelando uma diversidade de abordagens que vão da canção judaica à música sacra, passando por vocalises e explorações radicalmente experimentais, sendo que essas abordagens, logicamente, são todas inflexionadas via procedimentos iconoclastas para expressar o bizarro, o mistério, o ocultismo, o surrealismo e o misticismo, elementos tão presentes na música do compositor. Já no início dos anos 2000, a colaboração contínua do super vocalista de rock experimental Mike Patton em obras de Zorn, especialmente em projetos como o Moonchild, lançou a exploração vocal no território do extremo: em álbuns como Moonchild: Songs Without Words (2006), Astronome (2006), Six Litanies for Heliogabalus (2007), The Crucible (2008), Ipsissimus (2010), Templars: In Sacred Blood (2012) e The Last Judgment (2014) temos um a gama diversificada de aplicações de gritos, falsetes, glossolalias, experimentos vocais e vocalizações guturais não convencionais dentro de arranjos instrumentais diversos. Já dentro da série "Book of Angels" no "Masada Book II", Zorn passa a se dedicar na utilização da voz feminina para evocar o divino e o contemplativo, sendo gestados, daí, os álbuns Mycale: Book of Angels Volume 13 (2010) e Gomory: Book of Angels Volume 25 (2015) com as quatro vozes de Ayelet Rose Gottlieb, Sofia Rei, Malika Zarra e Sara Serpa. Segue-se o já citado Shir Hashirim (2013), baseado no Cântico dos Cânticos —— texto bíblico conhecido como Cantares de Salomão ——, onde Zorn compõe para um sexteto vocal feminino —— o The Sapphites —— criando uma tapeçaria sonora de vozes etéreas, silêncios contemplativos e inflexões místicas que evocam tanto o canto litúrgico quanto a polifonia medieval. Já no álbum Sacred Visions (2016), Zorn presta tributo à mística e monja beneditina Hildegard von Bingen (1098-1179) por meio da peça "The Holy Visions", composta para cinco vozes femininas: a obra evoca o litúrgico e a estética gótica fazendo uma ponte com a dissonância contemporânea; e o disco em questão também inclui "The Remedy of Fortune", peça interpretada pelo JACK Quartet. As atmosferas e a pureza da tessitura vocal dessas obras com vocais femininos foram amplamente elogiadas por sua delicadeza quase hipnótica. Retomando o mesmo texto bíblico de Cantares do Salomão, segue-se o projeto Song of Songs (2022), um box de livro e CD que amplia essa paleta com cinco sopranos e narrações de Barbara Hannigan e Mathieu Amalric (ator e cineasta que, como citado, gravou uma série de documentários sobre Zorn), numa produção ritualística que emula o clima reverberante de templos antigos e evoca sua densidade espiritual numa áurea dentre o misterioso e o divino. Na esfera da canção, o álbum Songs for Petra (2020/21) registra a parceria de John Zorn (composições) com Jesse Harris (letras e produção) em canções jazzísticas escritas exclusivamente para a cantora Petra Haden, acompanhada por Julian Lage (guitarra), Jorge Roeder (baixo) e Kenny Wollesen (bateria/percussão): o álbum traz treze canções que fazem uma ponte entre o jazz vocal, a poética das baladas e a influência klezmer sempre presente na música de Zorn. Ademais, quem se destaca como parceria frequente de Zorn é a soprano Barbara Hannigan, que gravou dois volumes do projeto Hannigan Sings Zorn (2024): o Volume Um traz voz e piano no ciclo de canções chamado "Jumalattaret", inspirado na mitologia sámi; e o Volume Dois inclui canções escritas por Zorn especialmente para a cantora, combinando voz com cordas, percussão e eletrônicos. Com essas obras, Zorn se aproxima de mestres modernos que exploraram a voz sob formas e procedimentos inovadores —— tais como Boulez, Bério, Stockhause, Kaija Saariaho, entre outros... —— e afirma-se como um dos mais inventivos compositores a trabalhar com as várias possibilidades vocais na música contemporânea, entrelaçando e sequenciando elementos tais como melodia, liturgia, dramatização, técnicas estendidas e experimentações variadas.
Jazz: Simulacrum, Incerto, Chaos Magick, participações de Ikue Mori, etc
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Voltemos ao jazz. Nos entremeios dos projetos mais específicos mencionados acima, John Zorn costuma enriquecer sua trajetória com outros empreendimentos entre os domínios do jazz experimental e da improvisação livre, que é o seu range territorial de origem. Nos últimos anos, Zorn conduziu diversas bandas que consolidam sua versatilidade e genialidade pós-modernista dentro das searas do jazz contemporâneo e da improvisação absoluta, explorando variadas experimentações e formações que expandem os limites tanto de combos instrumentais convencionais como os de formações incomuns. O projeto Simulacrum, por exemplo, traz uma visão um tanto experimental de organ-trio —— um trio de órgão, guitarra e bateria ——, trazendo John Medeski (órgão), Matt Hollenberg (guitarra) e Kenny Grohowski (bateria) e pode ser apreciado em álbuns como Simulacrum (2015), The True Discoveries of Witches and Demons (2015), The Painted Bird (2016) e The Garden of Earthly Delights (2017), Beyond Good And Evil - Simulacrum Live (2020), Baphomet (2020), Nostradamus: The Death Of Satan (2021) e Spinoza (2022). O projeto Incerto, por sua vez, é um quarteto formado por Brian Marsella (piano), Julian Lage (guitarra), Jorge Roeder (baixo) e Ches Smith (bateria/percussão) e amplia os limites de um jazz quartet: seu álbum homônimo Incerto foi lançado em 2022, seguido de Multiplicities II (2023) e Homenaje a Remedios Varo (2023), álbuns que trazem uma sonoridade experimental que é calcada no Princípio da Incerteza de Heisenberg, traz inspirações da pintora surrealista Remedio Varos (1908-1963), de textos de Jean-Paul Sartre e Sigmund Freud e imerge o ouvinte numa sequência de peças híbridas entre a escrita previamente elaborada e a improvisação, nos imergindo em inesperadas mudanças de compasso, melodias atonais e estruturas harmônicas inusitadas, sendo, ainda assim, auditivamente acessível. Já o álbum Piano Suite (2022), com Matt Mitchell (piano), Trevor Dunn (baixo) e Kenny Wollesen (bateria), reformula andamentos clássicos com a leitura contemporânea do jazz via piano-trio, fundindo tradição e inovação em texturas rítmicas complexas e improvisação livre. O projeto Chaos Magick, iniciado como um desdobramento do organ-trio de Simulacrum, reúne um quarteto elétrico formado por John Medeski (órgão Hammond), Matt Hollenberg (guitarra elétrica), Kenny Grohowski (bateria e percussão) e Brian Marsella (piano elétrico Fender Rhodes), quarteto onde Zorn explora jazz, psicodelias extremas e coisas experimentais afins: vide o homônimo álbum Chaos Magick (2021). Ademais eu, particularmente, também sou fã dos álbuns "jazzísticos" onde John Zorn valoriza as colaborações da artista de eletrônica Ikue Mori, uma pioneira do uso da eletroacústica via laptop em peças livremente improvisadas: a artista continua presentes em lançamentos recentes, tal como no álbum Fantasma: Illusions from a Surrealist Mirror (2025), onde ela contribui com seus samplers, ruídos eletrônicos e texturas glitch em interações com trio e quarteto com piano, vibrafone, contrabaixo e bateria. E para finalizar, indico as formações onde Zorn explora dois, três ou mais guitarristas: a começar por Masada Guitars (2003), o compositor segue explorando esse formato em diferentes épocas da sua carreira nestas últimas décadas, vide o álbum Her Melodious Lay (2024), que apresenta Gyan Riley e Julian Lage nas guitarras e os álbuns Nothing Is As Real As Nothing (2023) e Lamentations (2024), com Bill Frisell, Gyan Riley e Julian Lage nas guitarras, registros nos quais Zorn explora elementos desde o folk, o jazz e as improvisações livres até a psicodelia e o noisecore. E há muitos outros projetos "jazzísticos" de Zorn os quais o compositor gestou justamente para extrapolar os limites da experimentação dentro do jazz e da improvisação livre. Interessante é nunca perder de vistas os projetos de Zorn marcados pelas participações de músicos como o pianista Matt Mitchell, o saxofonista Tim Berne, a manipuladora de eletrônicos Ikue Mori, os bateristas Ches Smith e Kenny Wollesen e os guitarristas Mary Halvorson, Bill Frisell, Trevor Dunn e Nels Cline, entre outros parceiros fixos. Longa vida e longo legado à John Zorn!!!
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