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Registros Póstumos, Tributos e Coletâneas: de Coltrane à Perelman, os lançamentos especiais do período pandêmico


Me parece que a pandemia da Covid-19 trouxe um certo sentimento de que era chegado o momento das pessoas aficionadas por jazz e outras músicas instrumentais se voltarem para suas leituras solitárias, suas playlists compilatórias, seus filmes e documentários nostálgicos e para o retiro da história da música. Uma vez isolados sem poder ir a shows e concertos, e com poucos discos novos sendo lançados, foi como se deparar com um momento onde uma das poucas válvulas de escape para preenchermos esse vazio era fazer um balanço auditivo das nossas preferências -- do presente e do passado. Esse sentimento também parece ter trazido consigo o momento ideal para que músicos, gravadoras e selos revelassem vossos tesouros guardados, como também trouxe o momento certo para valorizar e revalorizar alguns nomes importantes da história jazz em tributos, homenagens e registros póstumos -- vide, por exemplo, os recentes registros de obras arquivadas do trompetista Lee Morgan, do saxofonista John Coltrane e do até então desconhecido dueto formado pelo pianista Mulgrew Miller e o trompetista Roy Hargrove, os quais abordaremos abaixo. O fato é que esse momento histórico único e desastroso -- de isolamento social, solidão, falta de dinheiro, inflação, abandono cultural e cataclismas sócio-políticos -- nos deixará cicatrizes indeléveis em nossas memórias: tanto pelos falecimentos de grandes nome da música e das artes em geral -- vide acima um cartão de dedicatória postado pela bandleader Maria Schneider na ocasião do falecimento do aclamado pianista Frank Kimbrough --, e ainda mais pelas pessoas que muito de nós perdemos em nossas vidas em decorrência da Covid-19. Neste post quero lhes trazer alguns registros de projetos e lançamentos especiais -- registros póstumos, tributos, coletâneas, homenagens e etc -- que preencheram alguns momentos do nosso atual vazio existencial em 2020 e 2021. Sendo alguns desses lançamentos em celebração a vida e outros celebrando os que já nos deixaram, esses registros nos proporcionam alguns dos poucos e únicos momentos de nostalgias, alentos e alegrias neste atual momento histórico tão desanimador de mortes, isolamento social e impossibilidade de ir a shows e concertos. A música nunca representou tão bem o seu papel em nossa sobrevivência como nesses dois anos pandêmicos! Sigamos:
Kimbrough (Newvelle Records, 2021). Este registro fantástico surgiu de um ousado projeto em homenagem ao grande pianista Frank Kimbrough, falecido em 30 de Dezembro de 2020 por causa de uma suposta parada cardíaca. Frank Kimbrough começou a ganhar visibilidade na década de 90 quando co-liderou o Herbie Nichols Project com o contrabaixista Ben Allison, um projeto que visava resgatar -- e resgatou! -- a obra do obscurecido e genial pianista Herbie Nichols: faceta que pode ser ouvida no álbum Strange City - The Herbie Nichols Project (Palmetto Records, 2001). O post-bop único e a sensibilidade improvisativa impressionista e colorida de Frank Kimbrough é, inclusive, uma amálgama de elementos advindos de Herbie Nichols com outros elementos advindos de Bill Evans, Thelonious Monk, Paul Bley, Vince Guaraldi e etc -- Kimbrough conseguia, aliás, trazer elementos de todos esses, e outros pianistas históricos, de uma forma única, com leveza, sensibilidade, e por vezes descontraída, lúdica e colorida. Logo em seguida ao Herbie Nichols Project, Frank Kimbrough também co-fundou o reconhecido projeto Jazz Composers Collective com o contrabaixista Ben Allison, o trompetista Ron Horton, o vibrafonista Joe Locke e os saxofonistas Ted Nash e Michael Blake: o coletivo foi um dos núcleos inovadores do neo-bop e post-bop ao visar a ampliação da contemporaneidade do jazz através de composições próprias ou projetos especiais de releituras com arranjos contemporâneos. Essa sua identidade amalgamada de sensibilidade melódico-harmônica e contemporaneidade o credenciou para que a bandleader Maria Schneider o convidasse para assumir o piano em sua big band, uma das orquestras mais inovadoras das últimas décadas: e assumiu o piano da orquestra de Schneider por mais de duas décadas até sua morte, gravando com ela um total de oito discos dos mais premiados e elogiados pela crítica especializada. Frank Kimbrough também deixou uma bela marca de mais de 15 álbuns próprios lançados -- num catálogo, aliás, cheio de belos registros para os quais convido o caro leitor a conhecer -- e vinha de uma sólida e elogiada carreira como educador na Universidade de Nova York e na Juilliard School. Ao falecer, Kimbrough deixa, então, uma legião de alunos, amigos e críticos consternados pela perda de um pianista que vinha de uma sólida discografia com elogiados registros em piano solo, duos, quartetos e outros formatos. Este projeto acima idealizado pela Newvelle Records evidencia, então, o quanto Frank Kimbrough era admirado e amado por seus colegas, amigos próximos, alunos e pela comunidade do jazz como um todo. Trata-se de uma coletânea de 61 temas compostos por Frank Kimbrough na leitura de vários conjuntos formados por 67 músicos de jazz de estilos e gerações diferentes, mas que tiveram algum contato direto e indireto com o renomado pianista. A ideia ganha vida, aliás, quando o trompetista Ron Horton e os amigos dos tempos do Jazz Composers Collective e companheiros de bandas de outras empreitadas encontram várias das composições de Kimbrough em meio às suas anotações e seus arquivos pessoais. Gravado num momento de retomada ao convívio social nos EUA e num período curto de três dias e meio, entre os dias 10 e 13 de Maio de 2021, a gravadora conseguiu desenvolver um ambicioso e ousado projeto onde a maioria dos conjuntos compostos por esses 67 músicos tinha pelo menos dois instrumentistas que nunca haviam tocado juntos e alguns estavam se reunindo para tocar juntos pela primeira vez em décadas. É um ótimo registro para lembrar e celebrar não apenas a vida e obra desse sensível pianista -- morador do Queens, discreto, entusiasta de caminhadas pelos parques e os lugares simples da cidade e conhecido por sua generosidade e (pasmem!) conhecido por não ser afeito ao uso do celular --, como também acaba sendo um repositório de encontros de músicos que dão rosto para o jazz contemporâneo atualmente.

Ancestors (Sunnyside, 2021). Frank Kimbrough também nos deixa este registro acima, gravado num formato inusual de trio de piano, contrabaixo e cornet. Lançado agora neste mês de Setembro, a gravação estava em poder de Maryanne de Prophetis, esposa do pianista, e reúne Kimbrough sendo acompanhado pelo trompetista/ cornetista Kirk Knuffke e o contrabaixista Masa Kamaguchi. Uma das principais influências a impactar o espírito criativo de Frank Kimbrough neste CD é o trabalho do clarinetista Jimmy Giuffre, que nos anos 50, 60 e 70 lançou gravações que inovaram sobremaneira a interação improvisativa em pequenos grupos sem bateria. É para Giuffre que o pianista dedica, inclusive, a faixa "Jimmy G". Ademais, Kimbrough aproveita esse formato inusual sem bateria para passear, de forma "errante" e introspectiva, por vários tons impressionistas/expressionistas com ecos harmônicos de Thelonious Monk e ecos melódicos de Paul Bley, dentre outras influências. Além do fato do álbum ter composições autorais que Frank Kimbrough escreveu, quase todas, para soarem diferentes com esse combo inusual, essa sonoridade formada por um sopro aveludado de cornet em combinação com as teclas cristalinas de um piano abstrato e com o dedilhar de um contrabaixo que soa mais pontilhista é outro dos elementos sedutores aqui.

In Harmony (Resonance Records, 2021). Já falamos algumas vezes aqui no blog do grande trompetista Roy Hargrove, falecido precocemente aos 49 anos de idade em 2018. Trompetista de "timming" preciso nas mais ágeis improvisações e dotado de uma reconhecida sensibilidade soulful, Roy Hargrove ficou mais conhecido por dar continuidade numa linhagem de jazz inaugurada por trompetistas como Lee Morgan e Donald Byrd, pela qual o bebop foi gradativamente de encontro com o soul e o funk a partir do final dos anos de 1960 e década de 70 adentro. A partir de finais dos anos 90, Roy Hargrove, pois, dá continuidade nesse encontro de estéticas e passa a ser membro do coletivo Soulquarians, núcleo criativo do movimento neo-soul e do hip hop que marcou a música afro-americana início dos anos 2000. Mas apesar de ser um dos grandes nomes do movimento neo-soul -- e incorporar as inovações da eletrônica, hip hop, freestyle e etc --, Roy Hargrove sempre manteve a finesse do neo-bop, do straight-ahead, do jazz mais apegado ao blues, voltando frequentemente às poéticas do hard bop e das baladas. E este registro atesta isso. Trata-se de um registro póstumo que mostra Roy Hargrove em um único dueto seu já registrado sem contrabaixo e bateria: o registro foi captado com o pianista Mulgrew Miller -- que também faleceu precocemente em 2013, aos 57 anos --, e documenta um encontro que ambos os músicos tiveram em duas ocasiões ao vivo, em 2006 e 2007, no Merkin Hall de Nova York e no Lafayette College, em Easton, Pennsylvania. As fitas estavam em poder do produtor e engenheiro George Klabin e foram editadas em disco agora em 2021 pela Resonance Records, recebendo uma chuva de elogios da crítica especializada. No repertório, estão standards e baladas tais como "What Is This Thing Called Love", "Invitation", "I Remember Clifford", "Never Let Me Go" e o funky "Fungii Mama", os quais aqui ganham requintadas interpretações e improvisações em um duo caloroso de trompete e piano. O registro, traz enfim, aquele ambiente caloroso, fresco e elegante com um jazz mais "puro" sendo ovacionado com as alegres palmas da plateia.

Brass & Ivory Tales (Fundacja Słuchaj, 2021). Outro ambicioso projeto é este empreendido pela gravadora polonesa Fundacja Słuchaj como um presente de aniversário ao saxofonista e artista plástico Ivo Perelman, que completou 60 anos em Janeiro deste ano. O projeto consistiu em registrar o sax tenor de Perelman em nove sessões de estúdio acompanhado  de nove pianistas -- americanos, europeus... de diferentes estilos -- dos mais criativos das últimas décadas: Dave Burrell, Marilyn Crispell, Aruan Ortiz, Sylvie Courvoisier, Angelica Sanchez, Aaron Parks, Agusti Fernandez, Craig Taborn e Vijay Iyer -- vide-os na foto acima. Com todas as sessões sendo improvisadas livremente, sem temas pré-determinados, o projeto reúne um total de 60 faixas em nove volumes, sendo cada volume dedicado à um duo em específico. Interessante lembrar que Ivo Perelman, um dos mais expressivos saxofonistas de free jazz das últimas décadas, já vinha lançando álbuns elogiadíssimos de sax e piano ao lado do pianista Matthew Shipp, a começar pelos registros The Art of Perelman-Shipp Volume 6: Saturn (Leo Records, 2017), Live in Brussels (Leo Records, 2017) e Oneness (Leo Records, 2018). Agora, com este box de nove discos, o saxofonista ganha, além do presente, uma ótima oportunidade de ampliar sua arte sonora interativa nos meandros desse formato de sax-duo e com vários parceiros diferentes. Achei muito interessante a participação, neste projeto, do pianista Aaron Parks, que não trafega com frequência pelas proximidades freejazzísticas a que Ivo Perelman está inserido, mas que já havia lançado o excelente álbum Arborescence (ECM, 2013) de piano solo totalmente improvisado e mostra mais uma vez ser dotado de uma imaginação rica e colorida para a livre improvisação. Ou seja, registros como este, que marca o encontro de músicos de diferentes estilos, só deixa o projeto ainda mais curioso e só reforça a quebra de barreiras que o jazz contemporâneo sempre sugeriu.

Migration of Silence Into and Out of the Tone World (AUM Fidelity, 2020). William Parker, contrabaixista e compositor seminal do free jazz nas últimas décadas, foi outro que resolveu empreender um projeto de lançar uma coletânea de peças criativas gravadas e repositadas em seus arquivos nos últimos anos. Intitulado de The Music of William Parker - Migration of Silence Into and Out of The Tone World, o box set reúne um total de 10 volumes editados pela Centering Records e AUM Fidelity, e funciona como um tratado autobiográfico que retrata a multidiversidade cultural e musical do compositor e contrabaixista -- um compositor que, diga-se de passagem, nasce do avant-garde sessentista, mas que não se prende apenas na abstração da cacafonia freejazzística e expande sua liberdade criativa para muito além das estéticas e misturas categorizáveis. Reunindo, nessas gravações, conjuntos variados de músicos e vocalistas, William Parker nos apresenta algumas das suas mais expansivas peças em forma de suíte -- formato de composição extensa do qual é adepto -- as quais trazem algumas das misturas estilísticas e estéticas mais inacreditáveis do modern creative atual do jazz. Mesclando vocais femininos e arranjos e improvisos instrumentais, essas inventivas suítes de Parker trazem adereços vários da cultura afro-americana, dedicatórias a heróis da história do jazz, ecos sonoros da world music (com influências do sons da África, Ásia e Indonésia), influências da spiritual music, passagens dedicadas aos imigrantes em solo americano, improvisações livres, colagens experimentais, uso de arranjos de cordas e formações instrumentais variadas, uso de instrumentos exóticos e antigos, e passa até pela paixão que o contrabaixista nutre pelo cinema antigo italiano.
Raise Up Off Me (Onyx, 2021). Trata-se aqui de um registro póstumo do baterista Ralph Peterson Jr., lançado em 21 de Maio de 2021 pelo Onyx Productions Music Label, selo de propriedade do próprio baterista. Falecido aos 58 anos de idade em 1 de Março de 2021 por complicações de um câncer, Ralph Peterson deixa uma elogiadíssima carreira como um dos principais bateristas das últimas décadas, a começar por suas colaborações nos anos 80 e 90 com Terence Blanchard, Branford Marsalis, Wynton Marsalis, Roy Hargrove, Tom Harrell, Uri Caine, David Murray, Charles Lloyd e tantos outros grandes músicos. Iniciando sua carreira no Art Blakey Jazz Messengers e logo sendo considerado uma das grandes revelações do neo-bop e post-bop dos anos 80 e 90, Ralph Peterson manteve uma trajetória pessoal mais próxima dessa linhagem, mas deixou a potente marca registrada da sua bateria em diversos outros trabalhos ao lado de músicos de diversos outros estilos: vide, por exemplo, suas marcantes participações em álbuns como New Life (Black Saint, 1985) de David Murray, Tuskegee Experiments (Nonesuch, 1992) de Don Byron e The Goldberg Variations (Winter & Winter, 2000) de Uri Caine. Em termos de gravações próprias, Ralph Peterson nos deixa com mais de duas dezenas de álbuns lançados, alguns deles excelentes pratas cravadas pela Blue Note (vide o álbum Triangular, de 1989), pelo selo Evidence (vide o álbum The Reclamation Project, de 1995) e pela Criss Cross (vide o álbum Subliminal Seduction, de 2002). A partir de 2010, Ralph Peterson passaria a lançar seus álbuns através do seu próprio selo Onyx Productions Music Label. Este álbum acima, oitavo lançamento pelo Onyx, gravado poucos meses antes da sua morte, traz um ótimo exemplo da sofisticação, do swing polirrítmico e do tino composicional que marcou a carreira de Ralph Peterson, que convida para este seu último lançamento os irmãos Zaccai Curtis (piano) e Luques Curtis (baixo), além da vocalista Jazzmeia Horn e do percussionista Eguie Castrillo. Cinco das 13 faixas incluídas em Raise Up Off são composições próprias de Peterson, enquanto no meio das outras oito faixas encontramos releituras contemporâneas de standards como "Four Play" do pianista James Williams e "Bouncing With Bud" de Bud Powell, além de composições próprias dos seus colegas de banda.

Palladium 2020. Perto de chegar à casa dos 90 anos de idade, Wayne Shorter também tem sido um dos ícones a ganhar tributos de presente de aniversário ano após ano. Seu 87º aniversário, datado de 25 de Agosto, foi marcado por uma curiosa coletânea chamada Palladium 2020, uma coleção de 22 peças e temas escritos por Wayne Shorter -- ou que marcaram seus álbuns e sua carreira --  e que ganharam diferentes roupagens nas mãos de diferentes músicos e vocalistas do jazz contemporâneo. O projeto de curadoria Palladium -- que, na verdade, se iniciou em 2018 como um ato ao vivo, apresentando músicos entusiastas de Wayne Shorter no Smalls Clube de Jazz, em Nova York -- reuniu nesta edição mais de 30 músicos e o lançamento está disponível apenas no formato digital em streaming e download na plataforma do Bandcamp. A idealização do projeto Palladium partiu do produtor Jesse Markowitz, que  nos últimos anos cuida das produções e das mídias sociais de Shorter. A coletânea aqui reúne nomes seminais do jazz contemporâneo tais como Emmet Cohen, David Liebman, Melissa Aldana, Kevin Hays, Mark Whitfield, Benny Green, Eric Reed, Veronica Swift, Michael Eckert, dentre outros. Wayne Shorter, desde sempre afeito à ficção científica e às entonações harmônicas modais mais curiosas, é um dos ícones do jazz mais celebrados em vida por suas composições repletas de áureas harmônicas e temáticas imagéticas. Clique na imagem acima para ouvir.

The Complete Live at the Lighthouse (Blue Note, 2021)/ A Love Supreme - Live in Seattle (Impulse!, 2021). O trompetista Lee Morgan e o saxtenorista John Coltrane são dois dos ícones falecidos do jazz -- figuras dominantes do jazz nos anos 50 e 60 -- que também continuam ganhando notoriedade em edições, reedições e tesouros achados em baús escondidos no tempo. Ambas as lendas já haviam recentemente ganhado elogiados documentários biográficos na plataforma da Netflix: I Called Him Morgan (2016) e The John Coltrane Documentary (2016). Neste ano de 2021, o nome de Lee Morgan vem novamente à tona com a reedição do box The Complete Live at the Lighthouse, lançado em agosto pela Blue Note. Trata-se de um box set de oito CD's que apresenta pela primeira vez todas as faixas que o quinteto de Lee Morgan formado com o saxofonista Bennie Maupin, o pianista Harold Mabern, o baixista Jymie Merritt e o baterista Mickey Roker gravou durante uma histórica estadia no club The Lighthouse em Hermosa Beach, Califórnia, de 10 a 12 de julho de 1970. Algumas faixas já haviam sido originalmente lançadas em dois LP's editados em 1971. E duas décadas depois, em 1996, houve uma segunda edição de 3 CDs que trouxe mais algumas faixas. Agora, enfim, temos a oportunidade de adquirir a coletânea completa com todos os temas gravados naquelas três noites pelo então quinteto de Lee Morgan num dos jazz clubs mais famosos da Costa Oeste. Para quem é aficionado pela tecnologia analógica, a Blue Note disponibiliza uma edição de luxo com 12 LPs em vinil de 180g abrangendo mais de 4 horas de música. Ambos os formatos, em CD e LP, são acompanhados por fotos exclusivas da época e por um livreto de entrevistas com Bennie Maupin e Jymie Merritt (que deu a entrevista antes de sua morte em 2020), além de conter ensaios e declarações do escritor Jeffery McMillan (autor de Delightfulee: The Life and Music of Lee Morgan), do produtor Michael Cuscuna e de músicos legendários que se inspiram ou já se inspiraram em Lee Morgan tais como Jack DeJohnette, Wallace Roney, Nicholas Payton, Charles Tolliver, Eddie Henderson, Dave Douglas, entre outros. Já John Coltrane, por sua vez, volta à tona novamente -- em 2018, o saxtenorista foi mais uma vez "ressuscitado" com a edição de um registro "perdido" chamado Both Directions at Once: The Lost Album (Impulse/ Verve) -- e agora com uma versão inédita da sua famosa suíte espiritual A Love Supreme a ser lançada em Outubro no álbum Live in Seattle (Impulse, 2021). Essa gravação da A Love Supreme -- até então desconhecida, em mãos do flautista Joe Brazil, amigo de Coltrane e responsável pelo registro -- chega com considerável repercussão entre os críticos e jazzófilos tanto pelo fato de se tratar de um achado significativo como também pelo fato de Trane ter experimentado grava-la com o inusual formato de um sexteto, uma vez que a peça fora composta para ser gravada por seu clássico Quarteto com o pianista McCoy Tyner, o contrabaixista Jimmy Garrison e o baterista Elvin Jones. Registrada ao vivo no palco do Penthouse em 2 de Outubro de 1965, numa turnê que Coltrane realizava em Seattle, essa mesma banda clássica com Tyner, Garrison e Elvin teve a adição do saxtenorista Pharoah Sanders e do clarinetista Donald Garrett (clarone) como sidemans -- além das participações indiretas dos flautistas Carlos Ward e Joe Brazil --, formando o então curioso sexteto de músicos que estiveram juntos uma única vez para gravar a A Love Supreme. Além do fato de termos uma curiosa versão em sexteto dessa peça, também temos o fato de ser uma das últimas oportunidades de Coltrane estar junto de Tyner, Garrison e Elvin antes da dissolução definitiva do Quarteto, uma vez que o saxofonista já estava embarcando com outros sidemans numa viagem freejazzística pelas dimensões cósmicas e pelos multiversos espirituais.




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