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Asian Music Journey: gamelão, raga, carnática, taiko, min'yō, canto de garganta, piphat, gagok, kulintang filipino e etc

KAN EUN II (COREIA)/ HUUN-HUUR-TU (TUVA)
Dedico este post aos garimpeiros de sons e aos mochileiros que adoram viajar pelas sonoridades continentais deste planeta viciado em apocalipses —— a boa música, aliás, é uma das sublimidades a nos aliviar nestes tempos de desgraças. Dando sequência em nossas predileções envolvendo world music, quero trazer aos nossos leitores e ouvintes alguns discos de músicos, bandas e grupos do continente asiático lançados nas últimas décadas. Não é novidade, para quem já adentrou aos territórios do jazz e da música erudita contemporânea, que os gêneros musicais da Índia, por exemplo, tem sido uma forte influência na música ocidental: na segunda metade do século 20, as meditativas ragas e os singulares elementos tonais da música indiana exerceram forte influência no surgimento do spiritual jazz de John Coltrane, Alice Coltrane e Pharoah Sanders, e também no surgimento da drone music de La Monte Young e no minimalismo cinético de Philip Glass; enquanto que mais recentemente, as intrincadas rítmicas e sonoridades carnáticas do Sul da Índia foram usadas frequentemente por músicos do jazz contemporâneo tais como o pianista Vijay Iyer, o saxofonista Rudresh Mahanthappa e o baterista Dan Weiss. Os sistemas de rítmicas intrincadas, de harmonias microtonais e notação musical singular da Índia e doutros países orientais tem sido, inclusive, objetos de estudo constantes para os músicos mais adeptos à experimentação e à complexidade: o super influente saxofonista americano Steve Coleman, por exemplo, já vem evidenciando desde os anos 80 que as rítmicas irregulares, ímpares e complexas da música carnática foram determinantes em sua concepção do m-base, a corrente estilística marcada por politonalidades e polirritmias que influenciaria, inclusive, os já citados Vijay Iyer e Rudresh Mahanthappa —— ambos descendentes de pais indianos, aliás —— e uma legião de outros músicos do jazz contemporâneo. Outro exemplo seminal de como a música da Ásia tem influenciado diversos gêneros ocidentais também está latente na arte musical da cantora Björk, genial artista islandesa do avant-pop que frequentemente faz uso das sonoridades exóticas do gamelão da Indonésia em suas canções: gamelão que é um estilo musical tradicional de Bali e Java marcado por gongos, xilofones, metalofones, címbalos, sinos, pratos e outros instrumentos complementares (tambores kendang, flautas suling, e etc). As culturas musicais milenares da China, Japão e Coréia também estão representadas abaixo em álbuns que abrangem desde as sonoridades tradicionais até as estéticas contemporâneas. E essa é a ideia aqui: mostrar como que os elementos das milenares tradições musicais asiáticas vêm sendo abordados na música contemporânea. No período da segunda metade dos anos 70 até fins dos anos 90, alguns gêneros musicais inovadores do Japão também exerceram forte influência no mundo ocidental: era uma fase onde o país se destacava com suas invenções tecnológicas e vários músicos japoneses foram verdadeiros inovadores nos campos do synth-pop, da música eletrônica e do noisecore, sendo que inúmeros resquícios tradicionais da milenar cultura musical japonesa também foram salientados em meio às inovações empreendidas por músicos como Ryuichi Sakamoto, Haruomi Hosono, Kiyohiko Semba, Hozan Yamamoto, dentre muitos outros. Ademais, como a Ásia é, enfim, o maior dos continentes do nosso planeta, englobando desde países mais próximos das culturas do Leste Europeu, passando por países do Oriente Médio —— esses mais próximos, aliás, das similaridades das culturas árabes e islâmicas... ——, englobando Índia, China, parte dos territórios dominados pela Rússia e indo até os países do Extremo Oriente (Japão, Coréias e etc), a ideia aqui é mostrar uma lista mais enxuta com um enfoque apenas nos países asiáticos que compartilham certas similaridades étnico-culturais mais próximas dos entornos da Índia, China, Japão, Tailandia e Indonésia. Clique nas imagens para ouvir os discos. Ouça a playlist no final do post. E boa viagem aos mochileiros musicais!

Navaraj Gurung - Fusion Dreams (Kathmandu Music Center, 2010). Nepal. A música nepalesa é muito influenciada pelas ragas da música clássica do Norte da Índia, mas já com algumas aproximações com a música rural chinesa, muitas das vezes com vocais sino-nepaleses e com flautas de bambu fazendo essas pontes sonoras. Como trata-se de uma região altamente montanhosa —— com a Cordilheira do Himalaia separando Nepal e China ——, o fator meditativo montanhês também é muito presente na música folclórica nepalesa. Neste álbum acima temos um registro do exímio multi-percussionista e tabla player Navaraj Gurung, musico nepalês que exerce forte influência regional. Navaraj Gurung graduou-se em música clássica indiana pela Universidade de Allahabad, na Índia, e mais tarde passaria a exercer forte influência como professor e difusor da música folclórica e popular nepalesa na Rádio Estatal de Nepal. Como na Índia existem vários estilos rítmicos com os quais se aborda as tablas, esses estilos são organizados de acordo as linhagens dos mestres antigos por um sistema chamado "gharâna", sempre relacionado a um tipo de dança: a linhagem seguida por Navaraj Gurung é o "purab gharâna", relacionado à dança clássica "kathak". Contudo, aqui neste disco acima Navaraj Gurung faz uma fusão de todos esses elementos tradicionais com rítmicas, tonalidades e sonoridades mais puxadas para o jazz, o pop e o world fusion, tendo a colaboração de exímios músicos nepaleses como Bhupendra Rayamajhi (no santoor, uma espécie de cítara de 100 cordas), Santosh Bhakta Shrestha (no israj, instrumento de corda tocado com arco, similar a um violino, mas posicionado no colo), Umesh Pandit (flauta de bambú) e Sunil Bardewa (contrabaixo elétrico, guitarra). Navaraj Gurung ainda lançaria mais à frente o álbum Fusion Dreams II, uma extensão dessas fusões que amalgamam os elementos da música nepalesa com elementos do jazz e da música pop ocidental.

Arga Bileg & Heiri Känzig Quintet - Swiss-Mongolian Music Exchange Project (Migros-Kulturprozent, 2014). Mongólia.
Liderada pelo vocalista e percussionista Odkhuu Myangan, a Arga Bileg é uma banda de ethno-jazz de Ulaanbaatar, Mongólia, formada com instrumentos e elementos como tambores e percussões mongolesas, fiddle e "rabecas cabeça de cavalo", canto de garganta e a cítara mongolesa conhecida como yatga. No álbum acima, a Arga Bileg se junta ao interessante quinteto do contrabaixista americano Heiri Känzi, radicado em Zurique, Suíça. Além do contrabaixo acústico, o quinteto de Heiri Känzi é formado com a acordeonista Patricia Draeger, o vibrafonista e percussionista Kaspar Rast, o pianista e tecladista Purevesukh Tyeliman, o trompetista Matthieu Michel e a vocalista Karin Streule, todos músicos de jazz adeptos à world music. Embora a Mongólia seja um país tão rico de elementos folclóricos quanto seus vizinhos da Ásia, a idéia aqui não é propriamente trazer um registro de música folclórica: aqui o Arga Bileg dilui bastante os elementos mongoleses em temas e canções mais puxadas para o jazz, propriamente. Da mesma forma, o quinteto de Heiri Känzig atua com uma sonoridade de jazz contemporâneo muito bem amalgamada com resquícios europeus. Como resultado, a junção desses dois grupos surte efeito num ethno-jazz formado por uma amálgama de inúmeros elementos dos dois lados do globo: Ocidente e Ásia. Ademais, uma das características mais presentes na música mongolesa é o canto difônico de garganta —— também usado pelos esquimós do Canadá e povos da Groelândia, Sibéria e Tuva ——, elemento também presente aqui em algumas passagens. Do lado da banda de Heiri Känzig, os vocalises ao estilo "jazz-fusion" —— lembrando, por exemplo, os vocalises pioneiros da musicista brasileira Flora Purim —— também se destacam e contribuem com a riqueza timbrística do conjunto. Este registro lançado, enfim, foi lançado pelo selo suíço Migros-Kulturprozent e está dentro de uma série que a gravadora cataloga como Musiques Suisses, na qual são difundidas diversas gravações envolvendo intercâmbios com bandas ethno-jazz da Europa com bandas e grupos de outros países.

Batzorig Vaanchig - Great Chinggis Khaan (2022). Mongólia. Batzorig Vaanchig é um dos maiores músicos mongoleses a abordar o tradicional canto de garganta, sendo proficiente, também, na rabeca mongolesa conhecida como "rabeca cabeça de cavalo". Atuando com seu grupo Khusugtun e em projetos solos, Batzorig Vaanchig é um dos músicos mongoleses mais requisitados em festivais de world music mundo afora, já tendo apresentado seu repertório de composições e canções tradicionais mongóis em vários países da Europa e da Ásia. Fora da Mongólia, uma das suas parcerias recentes mais interessantes é com o Auļi, fantástico conjunto de folk/world music da Letônia. Neste álbum acima, temos Vaanchig em um projeto solo abordando a música tradicional mongolesa fielmente representada através do canto de garganta e das suas rabecas e fiddles característicos. O canto de garganta é interessante porque ele tem uma propriedade difônica, uma técnica surpreendente que permite o vocalista a criar sons guturais e multifônicos com a garganta —— uma técnica muito presente na cultura mongol, inuit (dos esquimós canadenses) e de alguns povos de Tuva, Sibéria e Groelândia. Neste álbum acima, Batzorig Vaanchig faz uma ode ao lendário Genghis Khan, imperador e revolucionário estrategista de guerra que fundou o Império Mongol (século XIII ao século XIV), considerado o maior e mais duradouro projeto imperialista da história mundial em termos de terras contíguas. Interessante lembrar, também, que muitas das gravações de Batzorig Vaanchig são realizadas em campos abertos nas montanhas da Mongólia, tentando resgatar as energias e atmosferas através de canções muito características dos povos montanheses.


Purbayan Chatterjee - Syndicated (Sense World Music, 2008)/ String Struck (Times Music, 2009)Índia. 
Considerado um dos mais originais e espetaculares tocadores de cítara do mundo, o indiano Purbayan Chatterjee —— filho do famoso citarista Parthapratim Chatterjee e pupilo do influente guru Nikhil Banerjee —— se formou baseado na Maihar-Senia Gharana, um tipo de gharana muito influente na música clássica do Norte da Índia, gharana no qual os sistemas de taal (batidas e marcações rítmicas), shruti (intervalos microtonais) e ragas (sistemas modais melódicos) surtem efeito em peças melódicas e meditativas, mas quase sempre com ritmos bem proliferados e improvisos bem desenvolvidos como plano de fundo. Posteriormente, sua sina passaria a ser a fusão dessa tradição com o jazz e outras formas musicais ocidentais dentro de uma abrangente e contemporânea concepção de world fusion. Acima temos dois exemplos seminais da sua evolução musical. Primeiro temos o álbum Syndicated (Sense World Music, 2008), registro do seu grupo chamado Shastriya Syndicate, um septeto constituído de tabla, mridangam, flautas e cítara que aborda o lado mais improvisativo das ragas bem ao estilo do gharana Maihar-Senia do Norte da Índia. E já no álbum seguinte, String Struck (Times Music, 2009), Purbayan Chatterjee funde essas concepções clássicas-tradicionais com elementos do jazz, rock e eletrônica, lançando um entusiasmante exemplo de world fusion mais contemporâneo com sonoridades amalgamadas unindo os instrumentos tradicionais hindustanis (cítara, tabla, sarod, flautas) com modernos instrumentos ocidentais como o contrabaixo elétrico, guitarras (acústicas e elétricas), eletrônicos (mixers, synths, teclados e etc), além de usar arranjos de cordas em algumas faixas. Muito interessante ouvir os dois álbuns e perceber como que Purbayan Chatterjee atinge uma evolução e congruência fora de série entre os elementos e sonoridades tradicionais do seu gharana com elementos e sonoridades ocidentais do jazz, rock e eletrônica. No demais, Purbayan também canta e permite a colaboração de outros vocalistas em algumas faixas.
 
Rez Abassi & The Silent Ensemble - A Throw Of Dice (Whirlwind Recordings, 2019)Índia. Rez Abassi, nascido no Paquistão e naturalizado americano, se mudou para Los Angeles com sua família quando tinha apenas quatro anos de idade. Na adolescência começa a se interessar pelo jazz e música erudita, ingressando posteriormente na University of Southern California e na Manhattan School of Music. Após as graduações, Rez Abassi viaja para a Índia e passa alguns meses aprendendo tabla com o mestre Ustad Alla Rakha, intensificando seu interesse pelas tradições musicais hindustanis e paquistanesas, e também incorporando influências da cítara e do sarod em seu já distinto toque de guitarra. Nas últimas décadas, Rez Abassi tem sido um dos principais guitarristas do jazz contemporâneo —— inclusive tendo sido um colaborador frequente nos grupos Indo-Pak Coalition e Dakshani, liderados pelo saxofonista Rudresh Mahantappa ——, frequentemente fazendo usos de diversos adereços e elementos dos entornos da Índia em suas composições. Este álbum acima é um dos exemplos seminais dessas fusões em sua discografia. A Throw of Dice é o 13º lançamento de Abbasi e foi gestado quando, em 2017, o curador e produtor americano David Spelman (na época responsável pelo celebrado New York Guitar Festival) lhe encomendou uma trilha sonora para o histórico filme "A Throw of Dice (A Romance of India)", filme histórico de 1929 a ser exibido em mostras no Brookfield Place em Manhattan e no The Krannert Center em Illinois. Para tanto, Abassi cria composições onde o jazz contemporâneo se junte com os elementos musicais da Índia dentro de uma concepção mais camerística, tendo escalado um conjunto formado pelo The Silent Ensemble e por uma banda de jazz formada com o saxofonista/flautista nepalês Pawan Benjamin (saxes, bansuri e flautas), o baixista/violoncelista Jennifer Vincent, o multi-instrumentista indo-carnático Rohan Krishnamurthy (tablas, mridangam, ghatam, khanjira) e o baterista Jake Goldbas. Tentando criar composições com hiffs jazzísticos e passagens com arranjos asiáticos que adentrem ao perfil cinematográfico do filme, Rez Abassi dá luz a um registro muito bem elaborado e um tanto diferente em relação aos seus outros projetos com trios, quartetos ou quintetos.
 
Huun-Huur-Tu - Spirits from Tuva (JARO, 2002). República de Tuva. O Huun-Huur-Tu é, talvez, o mais representativo grupo da ethno-music da República de Tuva, um país reconhecido como república autônoma, mas pertencente à federação da Rússia, que fica situado entre o sul da Sibéria e a Mongólia. Assim como na Mongólia, o estilo de canto de garganta é muito tradicional na música folclórica tuvana. Inicialmente, os quatro membros do Huun-Huur-Tu apresentavam seus cânticos com as técnicas guturais do canto de garganta acompanhados apenas de instrumentos característicos de Tuva tais como o igil, o khomus (uma harpa de boca tuvana), o doshpuluur, o byzaanchi (instrumeto de arco tuvano) e o dünggür (tambor xamânico), tendo como temática principal o estilo de vida das planícies tuvanas e a equinocultura —— a cultura da criação de cavalos e cavalgadas. Posteriormente, o grupo se tornou mais requisitado para parcerias com outras bandas, grupos e ensembles e passou a incorporar outros instrumentos ocidentais em sua música, bem como aplicar fusões estilísticas com outros gêneros russos e ocidentais, empreendendo-se em parcerias com ensembles como o The Bulgarian Voices Angelite, o Moscow Art Trio, o Kronos Quartet, a banda nova-iorquina de worl-jazz Hazmat Modine, entre tantos outros. No álbum acima, Spirits From Tuva (JARO, 2002), temos um conjunto de remixes eletrônicos aplicados sobre as bases dos cânticos tradicionais do Huun-Huur-Tu a cargo de outros músicos, grupos, DJ's e manipuladores de eletrônicos tais como George Bitsikas, Da Loop, Harry Payuta, Goldenberg & Schmuyle, Sugar Caine, DJ Emjay, XMS e Yomano. Álbum divertidíssimo!
 
Kiyohiko Semba, Masanori Sasaji – Faraway (Magic Notes, 2022). Japão. Kiyohiko Semba é um dos grandes percussionistas japoneses das últimas décadas, tendo posteriormente empreendido carreira internacional para ampliar suas abordagens para muito além da percussão japonesa, englobando jazz, pop, eletrônica e vários outros estilos de world music em seu arsenal de possibilidades. Mesmo no Japão, o percussionista já começa a carreira atuando em várias estéticas —— indo do j-pop oitentista até a música experimental japonesa mais underground —— e funda nos anos 80 o grupo Haniwa-chan, uma banda japonesa de pop futurista que também tinha como integrantes o tecladista Daisaku Kume e a baterista Reiko Shimizu (aka Reichi): um grupo derivado, aliás, de um grupo anterior chamado Haniwa All Stars, que tinha um total de 30 músicos colaborativos, incluindo músicos como o saxofonista Akira Sakata, o contrabaixista Tamio Kawabata, o baterista Ponta Murakami, o percussionista Eitetsu Hayashi (do grupo Kodo) e vários outros músicos e vocalistas japoneses. Neste álbum acima, Kiyohiko Semba e suas percussões se encontram com o tecladista Masanori Sasaji e seus eletrônicos, e juntos os dois super-instrumentistas criam temas e peças a partir de misturas exóticas com elementos do jazz, música experimental, synth-pop, eletrônica, arranjos de cordas e música folclórica japonesa. Alguns dos instrumentos tradicionais mais característicos na miríade sonora aqui apresentada são o shamisen (banjo japonês de três cordas), shakuhachi (flauta japonesa) e as variedades de tambores "taiko". Uma atrativa curiosidade —— e aqui fica como uma indicação indireta para os leitores e ouvintes mais aplicados —— é o fato de Kiyohiko Semba também ter formado um grupo com Akira Sakata (saxofone, clarinete baixo, vocais) e os músicos americanos Bill Laswell (contrabaixo)e Ronald Shannon Jackson (bateria), banda mais ambientada nas fronteiras do free jazz com o noisecore japonês. Kiyohiko Semba também participou de álbuns de Riyuchi Sakamoto, alguns dos quais abordaremos abaixo.
 
Kodō - Sai-sō - The Remix Project (Worldwide, 1999). Japão. Já falamos do Kodō anteriormente aqui no Instrumental Verves, mas aqui neste post quero lhes trazer este divertido álbum acima que é constituído de remixes eletrônicos sobre as bases percussivas dessa grande trupe japonesa. O Kodō é uma trupe de percussionistas da Ilha de Sado, no Japão, que desde início dos anos 80 foi formada através da cultura taiko estabelecida pela antiga trupe Ondekoza. Essa cultura musical consiste basicamente de performances artísticas onde os percussionistas juntam dança, figurino e as batidas dos mais variados tipos de tambores do taiko, podendo ter, também, o uso do canto e o uso de instrumentos de cordas como o shamisen, o koto e o minyo. As performances do Kodō se tornaram tão populares no Japão e no exterior, que logo o grupo seria contratado para se apresentar no Festival de Artes Olímpicas, em Los Angeles, num evento de 10 semanas que fez parte dos Jogos Olímpicos de 1984. Neste álbum acima, temos uma compilação de remixes aplicados sobre os temas que o Kodō lançou em seu álbum Ibuki (Trista/ Sony, 1996), remixes esses criados por outros músicos, DJ's, grupos e manipuladores de eletrônicos tais como Strobe, DJ Krush, Kasz, Bill Laswell, Killer Whale, dentre outros. O proficiente produtor e contrabaixista americano Bill Laswell, músico experimental aficionado por world music e pela cultura asiática, foi quem produziu e liderou o projeto. Interessante e divertido!
 
Yas-Kaz - Kaze no Tamago - 風の卵 (Gramavision, 1985). Japão. O compositor, genial percussionista e especialista em música de gamelão Yasukazu Sato, conhecido como Yas-Kaz, ganhou destaque já nos anos 70 compondo para o grupo de dança de Tatsumi Hijikata, um dos fundadores da arte cênica moderna conhecida como Butoh. Nos anos 80, Yas-Kaz se torna um dos expoentes do movimento musical conhecido como New-Age, sendo muito requisitado também por músicos ligados a outras estéticas musicais contemporâneas, incluindo músicos ligados ao synth-pop e às estéticas experimentais japonesas. Com uma mente sempre criativa e inquieta, sempre em busca de novas sonoridades, Yas-Kaz também viveu por um período em Bali, Indonésia, para aprender sobre os sons e a cultura do gamelão, influências essas que ele apresentaria para seus amigos Ryuichi Sakamoto (com o qual colaborou no álbum Esperanto, que abordarei abaixo), Midori Takada e Shoji Yamashiro (líder do grupo Geino Yamashiro-gumi, que mais tarde criaria a trilha sonora do emblemático anime Akira). No álbum acima, Kaze No Tamago (Canyon Records, 1985), Yas-Kaz nos apresenta um conjunto de etéreas composições abstratas mais próximas à new-age —— com muitos sons da natureza e sonoridades alusivas ao ambientalismo espiritual difundido pela new-age japonesa ——, mas com uma miríade de elementos advindos do jazz-fusion, do taiko, do gamelão, da ambient music, da música minimalista, da música tradicional japonesa, das tradições de outras partes da Ásia, entre muitos outros elementos amalgamados, incluindo sonoridades de synths e arranjos de cordas no meio do molho. Para quem se interessar em procurar por mais registros desse genial percussionista que tanto explorou misturas e estilos musicais diversos, sugiro procurar pelos álbuns dispostos na página do Bandcamp do produtor e contrabaixista americano Bill Laswell, onde estão registrados dois álbuns digitais que documentam seu encontro com Yas-Kaz e outros músicos japoneses como Akira Sakata (saxes, clarinetes), Hideo Yamaki (bateria), Yasuaki Shimizu (saxofones) e DJ Yama (teclados e eletrônicos). Yas-Kaz é um nome a não perder de vista!
 
Ryuichi Sakamoto & Danceries - The End of Ásia (Better Days, 1982). Japão. Ryuichi Sakamoto, já abordado algumas vezes aqui no blog, não é apenas um dos maiores músicos da história do Japão, mas um dos músicos mais criativos da história recente da música contemporânea a nível mundial —— seja como um músico de eletrônica, seja como pianista, seja como arranjador, produtor e compositor, seja como um dos ases do minimalismo contemporâneo... ele tem sido desde sempre aclamado como um dos mais criativos músicos da sua geração, também sendo, não obstante, um dos mais requisitados compositores de trilhas sonoras do mundo para produções cinematográficas das mais variadas. Embora Ryuichi Sakamoto tenha sido um dos pioneiros do synth-pop e um dos grandes inovadores da música eletrônica entre meados dos anos 70 e início dos anos 80 —— tanto em seus álbuns com a Yellow Magic Orchestra como também em seus álbuns e projetos solo ——, podemos afirmar que ele também tinha um certo fascínio pela música tradicional do Japão: suas teses de bacharelado e mestrado na Universidade Nacional de Belas Artes e Música de Tóquio incluíram tanto a música eletrônica emergente como o estudo etnomusicológico das tradições japonesas (especialmente as tradições de Okinawa), além de estudos sobre as tradições indianas e africanas; e os reflexos desse seu campo de interesse podem ser apreciados em diversas faixas de álbuns emblemáticos como Thousand Knives (Nippon Columbia, 1978), Left Handed Dream (Plexus/ Alfa Records, 1981), The End of Asia (Better Days, 1982) e Esperanto (School, 1985), álbuns que documentam uma fase mais do que inovadora na carreira do compositor. 


Ryuichi Sakamoto - 左うでの夢 - Left Handed Dream (Alfa, 1981)/ Esperanto - エスペラント(School, 1985). Japão. 
Com exceção do álbum The End of Ásia, todos esses outros álbuns citados acima são constituídos de peças eletrônicas que amalgamam —— em incursões tanto sutis como explícitas —— os elementos tradicionais da música folclórica japonesa com as novas sonoridades dos sintetizadores analógicos e digitais exploradas por Sakamoto entre meados dos anos 70 e fins dos anos 80. O álbum The End of Ásia destoa-se, portanto, pelo fato do compositor e arranjador atuar em parceria com o grupo japonês de música antiga Danceries, explorando uma coleção de canções medievais dos séculos 13 a 16 provenientes de países como França, Espanha, Itália e Holanda, e recheando essa set list com algumas composições originais do próprio Ryuichi Sakamoto emanando leves tons de modernidade aqui e ali: aliás, sendo toda a instrumentação composta por instrumentos medievais e renascentistas —— sem sintetizadores, guitarras elétricas ou pedais de efeitos ——, o conceito do álbum parece ser a intenção de fazer um paralelo entre as músicas tradicionais medievais do Japão e do resto da Ásia com a música medieval europeia, tentando fazer uma alusão musical das longas viagens que os mercadores e missionários europeus faziam para as regiões mais remotas da Ásia em busca de explorar territórios, comercializar seus produtos e comprar especiarias, bem como das viagens que os japoneses e outros mercadores asiáticos faziam para certas regiões da Europa. Sakamoto e o grupo Danceries produzem, portanto, um interessante paralelo cartográfico do período medieval desses dois lados do globo terreste. Ryuichi Sakamoto é um gênio.

Haruomi Hosono – omni Sight Seeing (Epic, 1989). Japão. Este álbum acima, lançado por Haruomi Hosono —— outro dos grandes inovadores da música japonesa, parceiro musical de Ryiuchi Sakamoto na Yellow Magic Orchestra ——, é um dos registros mais interessantes da história do gênero world music nessas últimas décadas. Lançado pela Epic em 1989, "omni Sight Seeing" desempenhou um papel de destaque na world music no final dos anos 80 ao incorporar elementos tradicionais do Japão e várias partes do mundo, misturando desde elementos de canções folclóricas japonesas até elementos das músicas árabes e europeias dentro do revolucionário conceito do synth-pop japonês, dando ao ouvinte a impressão de uma aventurosa viagem pelo mapa mundi da música. Neste registro, pois, Haruomi Hosono cria peças eletrônicas que amalgamam misturas que englobam desde o estilo tradicional das canções japonesas do gênero min'yō —— com cânticos e sonoridades de instrumentos como shamisen, shakuhachi e shinobue —— até elementos do gênero raï da Argélia, do jazz e pop americano, da new-age, da música minimalista, das sonoridades da música europeia de cabaret, entre muitos outros elementos. A canção "Laughing Gas", por exemplo, é inspirada no gênero rococó e na Revolução Francesa. Já a faixa "Andadura" nos traz a sedutora voz da cantora franco-tunisiana Amina em primeiro plano. E ainda temos uma exótica releitura do tema de jazz "Caravan" com os vocais e saxofone de Yasuaki Shimizu. Este disco, enfim, é resultado de um curioso conceito pessoal desenvovido por Haruomi Hosono, algo que ele chamava de "sight seeing music", pelo qual ele passou a chamar suas explorações e viagens musicais de "música de turismo": ou seja, a música viajante, sem fronteiras, absorvendo tantas quantas influências de várias partes do mundo fossem possíveis.



Krakatau - Mystical Mist (1994)/ Rhythms Of Reformation - Percussion Pieces By Krakatau (2005). Indonésia. 
Krakatau é o nome de um longevo grupo indonésio de world music, com muita influência advindas do jazz fusion. O nome do grupo é inspirado no temido vulcão Krakatoa e o grupo tem a liderança compartilhada entre o tecladista Dwiki Dharmawan e o contrabaixista Pra Budi Dharma. Ao longo de sua carreira, aliás, o grupo passou por muitas mudanças de pessoal com variados colaboradores e sidemans, além de mudanças significativas em suas abordagens estilísticas. Este álbum acima, Mystical Mists (Aquarius, 1994), apesar de amalgamar os mais variados elementos e adereços das tradições musicais da Indonésia dentro de uma concepção mais voltada para uma banda de jazz fusion —— tento como base um trio de teclados, contrabaixo e bateria ——, explora apenas sutilmente os elementos da música de gamelão, deixando de lado aquelas sonoridades metálicas dos gongos do gamelão para dar mais espaço para canções condimentadas com vocais e sutis arranjos com flautas, tarompet (um tipo de oboé indonésio) e outros instrumentos étnicos de cordas, arco e sopros, além de uma percussão composta de sonoridades de gambang (uma espécie de xilofone), tambores e kits de uma bateria jazzística. Ademais, para além das canções de verve tradicional, a concepção harmônica e melódica das composições é interessante: trata-se de temas elaborados em torno da antiga escala Salendro presente no subgênero musical conhecido como karawitan, que é a combinação da música vocal e instrumental dentro do gamelão. Os músicos da banda explicam que ao usar esse tipo de concepção harmônica da música tradicional da Indonésia dentro do jazz, eles expandem a escala pentatônica em direção de um sistema de 10 microtons, encontrando maiores liberdades de expressão musical, sem a limitação dos harmônicos de 12 tons encontrados na música ocidental —— e de, fato, essa concepção expansiva não apenas faz sentido aqui nas composições e nos improvisos desses músicos indonésios como também pode ser sentida, por exemplo, nos estudos expansivos empreendidos pelo saxofonista americano Steve Coleman em sua influente estética do M-base. Em seus próximos álbuns dos anos 2000 e 2010, o grupo Krakatau subtrairia um pouco do foco no jazz para explorar, cada vez mais, uma direção focada nos elementos tradicionais mais fundamentalistas da música da Indonésia. É o caso do distinto álbum Rhythms Of Reformation (Musikita Records, 2014) que foca, sobretudo, em peças para percussão, explorando uma série de tambores, sinos, panderos e outras percussões balinesas e javanesas (genjring, rebana, dog-dog, taganing, gondang, lodang, terbang, e outros), tendo apenas algumas passagens com vozes e tarompet aqui e ali.

Dwiki Dharmawan – Pasar Klewer (Audio Anatomy, 2017). Indonésia. Álbum fantástico do pianista Dwiki Dharmawan, do qual já falamos acima em sua atuação como co-lider no longevo grupo Krakatau. Aqui o pianista documenta as performances do seu trio com o contrabaixista inglês Yaron Stavi e o baterista/percussionista israelense Asaf Sirkis, que também atua com tablas, percussões em geral e canto konakol ("percussão vocal" usando sílabas e sons fonéticos, técnica musical muito usada na música carnática hindustani). O piano-trio gravou as sessões em Londres, entre os dias 9 e 10 de junho de 2015, no EastCote Studio, tendo a participação de outros instrumentistas tais como o saxofonista, clarinetista e tocador de zurna Gilad Atzmon, o guitarrista Mark Wingfield, o violonista Nicolas Meier (atuando também no glissentar), o percussionista de gamelão, kendang e tocador de rebab Aris Daryono, dentre outros sidemans e colaboradores europeus e asiáticos. O fato é que Dwiki Dharmawan gestou aqui um dos registros mais espetaculares dos últimos tempos a partir de uma progressiva fusão de jazz contemporâneo —— numa direção de piano-trio acústico mais ambientado próximo à estética post-bop contemporâneo —— com elementos e sonoridades que vão da música do Oriente Médio aos adereços hindustanis, passando pelo gamelão indonésio, passando pelo canto konakol e outras formas tradicionais de canto e vocais experimentalmente inflexionados, incluindo até tapes com gravações de campo com sons de sapos previamente gravados ao em Ubud, Bali. O resultado é fantástico: tanto que a revista americana Downbeat atribuiu cinco estrelas ao álbum e tem colocado os lançamentos de Dwiki Dharmawan no radar das suas críticas. Dwiki Dharmawan é outro nome a não perder de vistas!
 
Balawan - Magic Fingers (Sony BMG, 2005). Indonésia. O aclamado guitarrista indonésio I Wayan Balawan é um exímio adepto das técnicas touch-tapping, inovadas pelo guitarrista americano Stanley Jordan. Neste álbum acima, temos um dos seus mais emblemáticos registros, com temas, canções e composições que misturam elementos do gamelão e diversos estilos musicais da Indonésia —— estilos tanto tradicionais como modernos —— com elementos do pop, rock e jazz-fusion. Já na segunda faixa do álbum temos uma intrincada composição com um trio de jazz-fusion —— com guitarra elétrica, contrabaixo elétrico e bateria —— e mais dois instrumentistas combinando percussão vocal com o reong balinês, um dos instrumentos do gamelão mais difíceis de se tocar devido ao complicado fraseado e combinação de padrões. O álbum segue com algumas canções características do pop balinês para depois voltar-se aos instrumentais que inserem instrumentos como gongos, gangsa (um tipo de metalofone musico usado em Bali e Java), tambor kendang e os tradicionais sinos cengceng dentro da concepção de jazz-fusion do guitarrista, que também incorpora alguns resquícios de guitarra acústica cigana (próximo ao estilo gypsy jazz) e até resquícios da bossa nova, estilo musical brasileiro. Este álbum enfim, traz uma confluência de sonoridades e rítmicas do estilos do gamelão e do kecak (tradicional dança balinesa) com as sonoridades do jazz-fusion e do rock psicodélico, passando por canções características do pop indonésio. Chamado pela crítica internacional de The Magic Finger —— título ao qual esse disco se refere ——, Balawan ficou conhecido nos festivais de jazz e de world music por tocar suas singulares guitarras Rick Hanes de braço duplo, mostrando suas surpreendentes habilidades através das técnicas de touch-tapping, com a qual é possível abordar a guitarra friccionando os dedos nas cordas como se fosse um piano. Para quem quer adentrar-se ainda mais aos sons desse surpreendente guitarrista, é sugerido procurar por seus álbuns com o grupo Batuan Ethnic Fusion.
 
Vijay Iyer with Prassanna & Nitin Mitta - Tirtha (ACT, 2011). Índia. Esse é um dos álbuns mais interessantes do grande pianista americano Vijay Iyer, considerado um dos mais criativos e inovadores músicos do jazz contemporâneo, um dos ases do nosso tempo que trafega livremente pela free music, passando pelas intrincadas influências do m-base, composições eruditas, música eletrônica, domina as variabilidades do post-bop e vai até os confins da música carnática da Índia para, de vez em quando, embebecer sua música de novas sonoridades e estruturas composicionais singulares. Sendo filho de indianos da linhagem étnica do povo tâmil, Vijay Iyer teve uma infância submetida a frequentes audições de música hindustani por meio dos discos dos seus pais, mais frequentemente de música carnática do Sul da Índia. Já na primeira metade dos anos 90, após conclusões de um bacharelado na Yale University e um mestrado na University of California, Vijay Iyer começou a tocar com o super influente saxofonista Steve Coleman, que nos anos 80 já havia criado um complexo procedimento de fusão estética chamado m-base, pelo qual foi possível unir elementos do bebop ao free jazz, passando pelo funk, hip hop e estudo das rítmicas complexas das diásporas africanas e asiáticas, incluindo os intrincados rítmos hindustanis. Os discos de Vijay Iyer do final dos anos 90 e início dos anos 2000 —— de quando ele liderava um super quarteto junto ao sax-altoísta Rudresh Mahantappa, também filho de pais indianos, do qual falaremos abaixo —— são, portanto, muito influenciados pelo m-base e por suas origens hindustanis, com composições em escrita anacrônica e improvisos em fraseados intrincados e rítmicas complexas. Porém, como o m-base logo se mostrou uma estética inviável em termos de ganhos comerciais, muitos dos músicos de jazz que foram influenciados por essa direção explorariam outras vertentes, alguns mais preponderantemente exploraria o post-bop contemporâneo. Vijay Iyer, por sua vez, manteve-se no post-bop, mas também se diversificou paralelamente ainda mais e lançou gravações em várias direções, incluindo registros mais ambientados na livre improvisação e retornos regulares às suas origens hindustanis. Este álbum acima, lançado pelo selo alemão ACT Records, é o resultado de uma das suas revisitações às influências da música carnática. Aqui ele se junta ao guitarrista e citarista R. Prasanna e ao tablista Nitin Mitta —— ambos músicos indianos com experiência internacional —— e produz um sofisticado encontro do post-bop contemporâneo com a música hindustani. Trata-se de um álbum posicionado mais no intercâmbio de diálogos entre o jazz e a música hindustani do que propriamente um álbum de world fusion. O guitarrista R. Prasanna traz muito da cítara hindustani para sua guitarra e também mostra-se incrivelmente hábil no canto konnakol, um tipo de percussão vocal que imita e acompanha as intrincadas tablas carnáticas.

 
Rudresh Mahanthappa - Samdhi (ACT, 2008)/ Kinsmen (Pi Recordings, 2008). Índia. O sax-altoísta Rudresh Mahanthappa, também filho de pais indianos, se mudou ainda criança para os EUA, concluindo seus estudos na Berklee College of Music. Suas influências principais, no quesito da abordagem do sax alto, são os intrincados fraseados do saxofonista do bebop Charlie Parker, dos intrincados fraseados carnáticos do sax-altoísta indiano Kadri Gopalnath e das singulares abordagens do saxofonista Bunky Green, um obscuro músico de jazz (pouco conhecido do público, mas amplamente admirado entre os músicos), além das influências do m-base. Embora ele também tenha adotado uma postura mais flexível e versátil em outras direções, um dos cernes principais da obra de Rudresh Mahanthappa é exatamente unir as intrincadas estruturas estéticas da música carnática hindustani com os fraseados mais complexos do bebop de Charlie Parker e do m-base de Steve Coleman, criando novas estruturas a partir dessa fusão. Seus álbuns ao lado do pianista Vijay Iyer —— em quartet ou em dupla, como se pode atestar no álbum Raw Materials —— apontam para essa direção. Posteriormente, como já dito, Mahanthappa tomaria uma direção de explorar mais variadamente as possibilidades do post-bop com mostras mais acessíveis ao público, mas sempre revisitando suas origens hindustanis. É o caso desses álbuns acima. O álbum Samdhi (ACT, 2008), por exemplo, foi gravado após Rudresh Mahanthappa ter realizado uma viagem e incursão pela Índia para efetuar estudos sobre os elementos carnáticos: ele chama, então, o guitarrista David Gilmore, o contrabaixista Rich Brown e o baterista Damion Reid para se juntar ao percussionista indiano "Anand" Anantha Krishnan, que toca mridangam e kanjira, e faz uma fusão impressionante de música carnática com o jazz contemporâneo. Outros álbuns dessa fase, de Rudresh Mahanthappa atuando nessa direção, incluem os registros com o trio Indo-Pak Coalition (com Rez Abbasi na sitar -guitarra e Dan Weiss na tabla) e com o septeto Dakshina Ensemble. No álbum Kinsmen (Pi Recordings, 2008) temos Rudresh Mahanthappa liderando o Dakshina Ensemble, que é quase todo formado por músicos de origem indiana ou dos entornos da Índia: tirando o baterista e percussionista Royal Hartigan e o contrabaixista Carlo de Rosa, temos inclusos o saxofonista carnático Kadri Gopalnath (um dos seus influenciadores), o violinista A. Kanyakumari, o guitarrista Rez Abassi (descendente de paquistaneses, o qual abordamos acima) e o percussionista Poovalur Sriji. Rudresh Mahanthappa é um dos saxofonistas mais impressionantes e essenciais do nosso tempo para entendermos a evolução dos fraseados do jazz contemporâneo.

Dinesh Subasinghe - Sihina Wasanthayak Vol - 02. Sri Lanka. Dinesh Subasinghe é reconhecido compositor, violinista, multi-instrumentista, produtor e diretor musical do Sri Lanka, quase sempre dedicado à música popular cingalesa. Em 2004, o violinista foi convidado pelos diretores Sunil Costha e Saranga Mendis para compor uma trilha sonora para a adaptação que eles estavam criando com base no filme Autograph (2004), filme indiano rodado em língua tâmil. A adaptação chamou-se Sihina Wasanthayak e foi difundida pela emissora cingalesa TV Sirasa, com uma engenhosa trilha sonora composta, então, por Dinesh Subasinghe. Entre 2008 e 2009, o violinista lança os CDs com os dois volumes da trilha, sendo o primeiro volume mais ambientado em canções populares e sendo o segundo volume mais ambientado em temas com arranjos instrumentais com orquestra, vocalises e rítmos característicos da música popular cingalesa. E é este segundo álbum que aqui nos interessa. Interessante notar que a música do Sri Lanka é praticamente uma amálgama de antigas tradições locais, tradições portuguesas, africanas e hindus, com o aspecto religioso do budismo bem presente entre essas influências. Sendo um país próximo ao Sul da India que foi colonizado por Portugal, e tendo recebido através dos portugueses muitos escravos africanos nesse período colonial, o Sri Lanka desenvolveu uma forte cultura cancionista através das cantigas portuguesas, as quais logo seriam marcadas por acompanhamentos de diversos instrumentos de percussões desenvolvidos pelos escravos africanos, influências essas que foram amalgamadas, ainda, aos elementos do folclore cingalês e da música hindustani. Foi assim que a música popular moderna do Sri Lanka desenvolveu uma forte cultura marcada por gêneros próprios como a baila, o jana kavi e o virindu. E nesta trilha sonora acima, Dinesh Subasinghe usa, ainda, alguns resquícios de música erudita e amalgama toda essa tradição popular em composições contemporâneas e imagéticas, como bem necessita uma produção para televisão. Dinesh Subasinghe também é reconhecido por resgatar o uso do tradicionalíssimo ravanahatha, uma espécie de ancestral do violino advindo das antigas tradições musicais cingalesas.
Korphai Ensemble - Siam Beat (Ocean Media, 2012). Tailândia. Korphai Ensemble é um grupo musical que começou inicialmente com percussão tradicional tailandesa. O ensemble foi criado na década de 1980 por Anant Narkkong, atual diretor musical do conjunto e professor de etnomusicologia e composição na Faculdade de Música da Universidade de Silpakor. Tendo expandido suas abordagens, o grupo passou a explorar gêneros e subgêneros que vão desde o repertório popular atual até a música tradicional tailandesa, incluindo o piphat, o mahoree, o kruangsai, passando por canções do repertório antigo, composições contemporâneas criadas por seus membros, além de composições encomendadas a compositores contemporâneos tailandeses. Nos últimos tempos o grupo segue realizando vários intercâmbios e fusões com outros gêneros musicais: com a música erudita —— tendo atuado em projetos conjuntos com a Orquestra Sinfônica de Bangkok ——, com o jazz fusion, com o pop e rock, trilhas sonoras para filmes tailandeses, entre outras incursões. Este álbum acima, por exemplo, nos traz um mix orgânico de vários elementos tailandeses fundidos com elementos do jazz, do rock e do pop, com algumas leves sonoridades eletrônicas condimentando as fusões. A música tailandesa, em geral, é caracterizada por seus tradicionais instrumentos de bambú muito usados nos estilos musicais conhecidos como piphat, mahoree e kruangsai, incluindo seus característicos ranat ek (pequenos xilofones que os tocadores manuseiam sentados), flautas khlui, o tradicional oboé tailandês (pi), saw duang e saw sam sai (instrumentos de arco com duas cordas), o khim (um instrumento de cordas percutidas derivado do santur persa), o alaúde krajappi, o khene (um orgão/harmônica de boca originado no Camboja) e pequenos tambores tais como klong thap, thon e o rammana. Como o reino siamês sempre foi um ponto de parada entre a Ásia Ocidental e o Extremo Oriente, na antiguidade houve a incursão de resquícios de influências antigas persas, romanas, gregas e mesopotâmicas na cultura da Tailandia. O mercantilismo vindo da Europa no período colonial dos impérios portugueses, ingleses e holandeses também contribuíram para intercâmbio de escravos, de modo que resquícios africanos também podem ser encontrados na percussão da Tailandia. A esses resquícios juntam-se elementos vindos da velha Indochina marcada por seus países vizinhos: Mianmar, Laos, Camboja e Vietnã. A música tailandesa também traz alguns resquícios de influências do gamelão indonésio e isso pode ser atestado através de instrumentos como o dong-Son (de origem vietnamita), o khong wong lek e o khong wong yai (instrumentos de percussão em formato circular com pequenos gongos horizontais interligados). Este disco acima traz um pouco desses elementos, sonoridades, influências e adereços, todos amalgamados com sonoridades de instrumentos e elementos ocidentais do jazz fusion, do pop e do rock. Interessante frisar que o termo "siam beat" presente na capa do álbum refere-se às batidas ou marcações rítmicas características na cultura musical dos siameses, principal etnia da Tailandia.

Pinikpikan - Atas (Tao Music, 1999). Filipinas. As Filipinas são um país interessante pela sua singular mistura cultural marcada pelos antigos povos indígenas austronésios, pelas tribos dos negritos (que apesar do tom de pele escura não são da África, são nativos das próprias ilhas Filipinas), pelos antigos povos advindos da Indonésia, Malásia, Sul da India e Velha Indochina (Vietnã, Laos, Camboja, Tailândia e Myanmar) e pelos espanhóis que chegaram para colonizar as ilhas no século XV, ainda tendo pitadas de influências islâmicas e árabes no meio desse molho. Dessa forma, os traços e adereços culturais que se formaram nas Filipinas já se diferenciam, um tanto, das características asiáticas predominantes, por exemplo, nos arredores da India e China. Mas sua música ainda traz influências, por exemplo, do gamelão indonésio através da predileção de certos grupos filipinos pelos gongos de latão. Da mesma forma, os instrumentos de cordas e bambú —— xilofones, percussões, kuglong (um alaúde hindu-árabe de duas cordas), higalong (longo alaúde de cordas de aço) e etc —— ainda evidenciam proximidades com os traços e sonoridades advindas de certos instrumentos chineses, hindus, indonésios, tailandeses e etc. E para ilustrar os traços e adereços que formaram a música das Filipinas, um dos melhores grupos a se ouvir é o Pinikpikan, que faz uma quente e tropical mistura de rítmos e sons ocidentais —— com instrumentos como a guitarra acústica flamenca, a guitarra elétrica e o contrabaixo elétrico ——, com rítmos provenientes de vários povos das ilhas filipinas e sonoridades de instrumentos indígenas e instrumentos de traços asiáticos, além de promover canções com letras versadas em várias línguas filipinas —— considerando que trata-se de um país com grande variedade de etnias e idiomas. E o álbum acima é perfeito para mostrar essas confluências. Na primeira faixa "Kalipay" ouve-se instrumentos como o gangsa (gongos de latão) e o tungatong (baquetas rítmicas de bambu) os quais são muito comuns nas Cordilheiras do norte de Luzon. Na segunda faixa "Singkilan" já temos um ritmo de dança ao estilo maranao, comum na ilha filipina Mindanao, sendo executado com kulintang (carrilhão de gongos) e instrumentos de bambús. Na terceira faixa "Aumoon" o grupo evidencia a influência hindu-árabe que se espalhou por Mindanao, especialmente entre os povos Maranaos, Maguindanaos e Tausugs. E assim o grupo segue com um percurso musical pelos variados traços linguísticos e rítmicos das ilhas Filipinas, misturando esses sons e rítmos locais com funk, doses de rock psicodélico e certa dose de latinidade espanhola, criando uma mistura quente e curiosa.

Min Xiao-Fen - Mao, Monk and Me (2017). China. A musicista chinesa Min Xiao-Fen é uma das principais pioneiras da pipa (instrumento de quatro cordas semelhante ao alaúde) dentro do universo da música improvisada, tendo registros apegados tanto ao jazz quanto à free music mais abstrata. Min Xiao-Fen iniciou sua carreira já quando criança na China, posteriormente sendo solista por mais de uma década junto à Orquestra de Música Tradicional de Nanjing e tornando-se uma reconhecida intérprete do repertório chinês direcionado à pipa. Ao se mudar para os EUA, Min Xiao-Fen entra em contato com o repertório de standards do jazz mainstream e também começa a se estabelecer na cena underground, posteriormente relatando em entrevistas que a tarefa de adaptar esse repertório jazzístico às técnicas e dinâmicas da pipa não é algo fácil, e que a música improvisada mais abstrata, mais voltada ao avant-garde, lhe dá um território de atuação mais amplo a se explorar. Mas Min Xiao-Fen segue explorando os dois lados. Álbuns como este acima "Mao, Monk and Me" e "From Harlem to Shanghai and Back" são exemplos seminais de como a improvisadora chinesa faz um intercâmbio entre a milenar música tradicional chinesa com o jazz e vice-versa. Da mesma forma, ela faz um intercâmbio muito interessante entre as abordagens mais improvisativas que a pipa já costuma ter dentro música tradicional chinesa com a livre improvisação através de trabalhos emblemáticos ao lado de improvisadores iconoclastas como Wadada Leo Smith, Leroy Jenkins, Derek Bailey e John Zorn. Ademais, a atuação de Min Xiao-Fen também estende-se para atuações ao lado de artistas de gêneros variados como o genial manipulador de eletrônicos Carl Stone, a saxofonista de jazz contemporâneo Jane Ira Bloom, a cantora de avant-pop Björk, além de atuar como concertista em projetos de música erudita contemporânea. No álbum acima temos, então, uma intersecção entre o blues e o repertório jazzístico representado pelos singulares temas do pianista e compositor Thelonious Monk com elementos tradicionais da China e composições improvisadas da própria Min Xiao-Fen, que também usa sua voz para abordar —— de forma tradicional ou inflexionadamente experimental —— alguns vocais característicos da música chinesa.

Moonlight Glow Over Dunhuang (Chinese folk music improvisation) (瑞鸣音乐Rhymoi Music, 2018). China. Conhecida por seu oásis na região do deserto de Gansu-Xinjiang, região noroeste da China, Dunhuang é uma província que é historicamente um ponto estratégico para os mercadores da Rota da Seda e para a cultura chinesa. Dunhuang também é muito conhecida pelas Cavernas Mogao, as quais contém afrescos e obras de artes milenares de vários gêneros e várias épocas antigas, incluindo arquiteturas, pinturas, literatura e tapeçarias, além de ser um dos territórios mais ricos de tradição musical dentro da China. Nas últimas décadas, o curador, pesquisador e produtor musical Ye Yunchuan fundou um projeto muito interessante chamado Rhymoi Music, que tem o intuito de preservar, resgatar e atualizar as artes, os estilos musicais e os adereços culturas de Dunhuang, mantendo vivas essas tradições milenares. Este álbum acima, Moonlight Glow over Dunhuang (2017), faz parte desses esforços para manter viva a música de Dunhuang, enfatizando o espírito improvisativo desse tipo de música milenar. Para tanto, o produtor convidou sete renomados instrumentistas proficientes em instrumentos tradicionais como pipa, erhu (instrumento de arco, ancestral do violino), guzheng (similar à cítara), ruan (similar a um bandolim), guqin (também da família das cítaras), dizi (flauta transversal chinesa), xiao (flauta chinesa tocada na vertical), e percussões chinesas afins. Interessante não apenas essa variedade de sonoridades das flautas de bambú, dos instrumentos de arco, de cordas tangidas e dedilhadas, e das percussões, mas é sobretudo interessante como que há uma ponte natural dessa tradição de música mais tradicional do velho oeste chinês com o fator da improvisação —— seja essa improvisação livremente mais abstrata ou mais apegadamente melódica. Aliás, ainda que as antigas peças aqui compiladas tenham o intuito de manter vivas as tradições musicais milenares de Dunhuang, essa compilação acima nos evoca uma sensação tanto de uma nostálgica viagem no tempo como de uma certa sensação atemporalidade, além da agradável ambiência que esse tipo de música nos proporciona.

Old Heaven Bookstore - Vários Títulos. China. Nem mesmo o fechado circuito cultural chinês impediu que a influência das estéticas advindas do avant-garde adentrasse ao país —— e é claro que aqui estamos falando da música criativa chinesa que emerge dos circuitos mais undergrounds dos grandes centros chineses. Muito embora a ditadura comunista chinesa aplique um regime de censura e super proteção aos valores tradicionais, tornou-se impossível impedir os efeitos de um mundo globalizado, sobretudo depois do advento dessa gigantesca rede global (World Wide Web) chamada de internet. A Livraria Old Heaven, localizada em Shenzhen, China, é um exemplo de como o ouvinte chinês mais outsider pode ter acesso a gravações de músicos de free jazz, livre improvisação e outras direções do avant-garde que dantes, em outras décadas, só se podia ouvir em circuitos mais restritos da Europa e dos EUA. Além de vender livros e discos, o proprietário também a estabeleceu como uma gravadora independente, já tendo lançado mais de 30 álbuns de improvisadores asiáticos, americanos e europeus, lançando essas gravações em formatos de downloads digitais, fitas K7, CD's e discos de vinil. Dessa forma, não apenas músicos chineses, mas também músicos criativos russos, indianos e japoneses, entre outros que passam pela China, têm a possibilidade de deixarem ali registradas suas performances. Os registros disponíveis no Bandcamp englobam gravações de músicos japoneses como o vocalista japonês Keiji Haino, o baterista Sabu Toyozumi e o pianista Hisaharu Teruuch, músicos chineses como o manipulador de eletrônicos Liu Ying, o soprista Lao Dan e o vocalista Guo Yongzhang, reedições do legendário citarista hindu Nikhil Banerjee, e até músicos do ocidente tais como o trompetista americano Peter Evans e os músicos italianos do Jooklo Duo formado pela saxofonista Virginia Genta e pelo baterista David Vanzan. E em relação aos músicos japoneses e chineses e outros músicos asiáticos que passam pela Old Heaven Books, há muitos registros onde os elementos étnicos e tradicionais da world music japonesa e chinesa são abordados em meio aos sons e explorações mais experimentais.


Música da Coréia do Sul - Jeong Ga Ak Hoe, Lee Kwang-Soo, Kang Eun-II, SamulNori Ensemble e etc. Coréia do Sul. 
A moderna Coréia do Sul —— que tem uma das mais antigas culturas do leste asiático, além de trazer influências da China e do Japão ao longo das relações e conflitos milenares entres suas dinastias, e que é separada por dissensões e guerras da sua irmã Coreia do Norte, essa fadada ao atraso de um isolamento comunista ——, é um dos menores países asiáticos ao mesmo tempo de ser um dos territórios de maior riqueza cultural por metro quadrado, considerando o aumento de interesse que tem havido pelos intercâmbios entre os estilos de arte tradicional com arte moderna. Se nos últimos tempos, no universo do mainstream e do mundo pop, sempre ouvimos falar do quanto o fenômeno do gênero k-pop coreano tem dominado as paradas de sucesso da Ásia e invadido os rankings de hits no mundo ocidental, também nos circuitos mais undergrounds há uma grande quantidade de música experimental e exploratória acontecendo. Um dos grupos mais interessantes desses últimos tempos, por exemplo, tem sido o Tori Ensemble, que foi fundado em 2007 pela musicista Heo Yoon-Jeong e faz uma ousada intersecção entre a música contemporânea improvisada com a música tradicional coreana através do uso de instrumentos como geomun-go (um tipo de cítara de seis cordas), daeguem (flauta de bambu), janggu (tambor ampulheta) e o piri (oboé de bambu), algumas vezes inflexionando vocais em torno das variabilidades do canto jeongga, tendo até colaborações de músicos americanos e japoneses ambientados no avant-garde tais como Ned Rothenberg (clarinete, saxofone), Satoshi Takeishi (percussão) e Erik Friedlander (violoncelo). Outro ensemble que merece atenção é o SamulNori, que foi fundado na segunda metade dos anos 70 por Kim Duk-Soo e é constituído basicamente de vocais e percussões coreanas com alguns mínimos de sopros: além das suas explorações no campo da música folclórica coreana, propriamente dita, Kim Duk-Soo e esse seu ensemble empreenderam uma frutífera parceria com o quarteto avant-garde Red Sun, composto pelos americanos Jamaaladeen Tacuma (contrabaixo), Linda Sharrock (vocais), e os austríacos Uli Scherer (piano, teclados) e Wolfgang Puschnig (saxofones, clarinetes), chegando a registrar a parceria em álbum pela ECM Records. Um dos músicos que participaram do SamulNori, inclusive, foi o percussionista Lee Kwang-Soo, que posteriormente fundaria o ensemble Yesanjok, com o qual lançou o Korean Song And Beat Project. Ademais, clicando nas imagens acima, os leitores terão acesso ao grande projeto do Korea Arts Management Service que fez um compêndio —— tendo promovido, difundido e até lançado compilações por meio do seu selo discográfico —— do que melhor vem ocorrendo no campo da música folclórica, clássica e contemporânea coreana: incluindo grupos, bandas e músicos tais como Vinalog (uma jam band que mistura fusion e pop com o folk coreano), Kang Eun-il (virtuose do haegum, instrumento coreano de corda e arco, ancestral do violino), Gongmyoung (grupo contemporâneo que mistura jazz, pop e eletrônica com a música coreana tradicional), o mestre Hwang Byungki e a citarista YI Ji-young (principais tocadores do gayageum, uma espécie de cítara sul-coreana de 12 cordas com fios de seda), Kim Jeong-seung (mestre do daegeum, flauta transversal coreana feita de bambú) e Jeong Ga Ak Hoe (grupo de estilo gagok constituído de flautas daegeum, oboé piri, haegum, cordas e percussões) entre tantos outros.

Ensemble Matsu Také - Yamabiko (2016). Japão. Acima temos uma ótima compilação para apreciar a música tradicional japonesa em suas formas mais puras, mais autênticas, sem hibridismos com elementos estéticos de outros tipos de música. O Matsu Také Ensemble é formado por seis instrumentistas executando vocais, shakuhachis (a tradicional flauta de bambú japonesa), kotos e instrumentos de percussão. Formação milenar, esse tipo de ensemble era e ainda é muito característico na cultura dos povos montanheses, nos templos budistas e nos rituais e festejos do império em seus ornamentados jardins botânicos. Neste álbum acima, o Matsu Také Ensemble dedica o título à figura do Yamabiko (deus da montanha, popular no folclore japonês) e  interpreta desde canções de gueixas, passando por canções escolares, peça percussivas ligadas às artes marciais, canto operístico japonês e até canções do ritualismo budista. Como o ouvinte bem perceberá, a interpretação da música japonesa é muito ritualizada em andamentos lentos, meditações abstratas e delineamentos totalmente distantes dos tons consonantes e das estruturas rítmico-melódicas com as quais nós, do ocidente, estamos acostumados —— algumas explorações folclóricas e algumas inflexões em torno do canto e de alguns instrumentos tradicionais sem trastes resultam até em um tipo de música mais atonal, com muitos tons e microtons intercalados. Isso porque para os japoneses, sobretudo os povos antigos e os que ainda mantém valores tradicionais, a música tem uma função mais ligada ao espiritual, à meditação, ao ritual e ao mantra que se situa no limiar entre a mente e o espírito. Assim como na música indiana e chinesa, a disposição das melodias e das marcações percussivas no tempo (naru) e no espaço (ma) beiram o abstrato e também são totalmente diferentes de como dividimos e subdividimos as notas musicais em compassos e pentagramas na nossa pauta de cinco linhas e quatro espaços. E é esse caráter ritualizado de abstração e espiritualidade que confere contemporaneidade e atemporalidade à música tradicional japonesa.


 

Lewis Pragasam & Asiabeat - Spirit Of The People (1991)/ Monsoon (1994). Malásia. Asiabeat é um projeto fundado em 1979 pelo respeitadíssimo percussionista malaio Lewis Pragasam, que além de explorar os vários rítmos e sonoridades do seu país natal, Malásia, também faz uma interessantíssima fusão dos vários rítmos e sonoridades dos outros países da Ásia com elementos do pop, do rock, e principalmente com o jazz-fusion. Pragasam também é conhecido por frequentemente realizar turnês com um outro grupo seu, o Trash, e se apresentar com esse grupo em oficinas, workshops e shows pelos arredores asiáticos, além de ser um dos principais responsáveis, fomentadores e idealizadores de vários festivais de jazz e world fusion já realizados nos mais variados palcos musicais da Ásia. Lewis Pragasam é, portanto, um pioneiro muito importante para o world fusion asiático. Com o Asiabeat, o percussionista tem lançado ao menos sete registros oficiais: Asiabeat (1982), Spirit Of The People (1991), Drumusique (1993), Monsoon (1994), Urban Beyond (The Sound Of Contemporary Asia) (2007), Dare To Dream (2016) e Akar (2021). Reconhecido internacionalmente, Lewis Pragasam mantém várias parcerias com outros grandes músicos asiáticos e tem participações em turnês, shows e gravações com músicos do mundo todo, incluindo nessa lista nomes como Paul Jackson, Billy Cobham, Jeff Berlin, Ernie Watts, Andy Sheppard, Randy Bernsen, David Mann, John ‘Kaizan’ Neptune, Bob James, Torninho Horta, entre muitos outros. Indico aos leitores e ouvintes os dois álbuns acima, Spirit Of The People (1991) e Monsoon (1994), pois nestes dois registros Lewis Pragasam já nos apresenta um abrangente caleidoscópio de sonoridades e ritmos asiáticos através do uso de instrumentos tradicionais como a harpa, o bandolim asiático, flautas indianas e shakuhachi (flauta japonesa), dulcimer (uma espécie de cítara de cordas percutidas), a pipa chinesa, o erhu (instrumento de arco, ancestral chinês do violino) e através do seu arsenal de percussões composto por bateria, tablas, gongos, sinos e os mais variados tambores e drum kits asiáticos, instrumentos tradicionais esses que são misturados com guitarras acústicas e elétricas, contrabaixo elétrico, sintetizadores e outros teclados eletrônicos.

The Observatory - Continuum (2015). Singapura. O power trio The Observatory é um influente grupo da Singapura. Atuando proximo a um estilo que mistura um certo avant-rock —— uma miríade de elementos advindos das mais variadas vertentes: art-rock, pós-punk, krautrock, metal, industrial e etc —— com os ruídos eletrônicos do noisecore e pitadas de improvisação livre, os músicos do The Observatory frequentemente empreendem parcerias com outros músicos experimentais como os japoneses Keiji Haino (vocais) e Otomo Yoshihide (toca-discos, guitarra), além de encontros com músicos experimentais europeus tais como os DJ's e manipuladores de eletrônicos noruegueses Jorgen Traeen e Lasse Marhaug, entre outros. Atualmente a base do trio é formada por Dharma (vocais, contrabaixo, eletrônicos), Yuen Chee Wai (guitarras, sintetizadores, vocais, eletrônicos) e Cheryl Ong (bateria, percussões, eletrônica), sendo que esses músicos tanto se revezam entre seus instrumentos de ofício como também contam com pontuais participações e colaborações de outros músicos. E embora o The Observatory não foque seu conceito em instrumentos étnicos e tradicionais, sendo preponderantemente um grupo de música experimental com sonoridade mais voltada aos ruídos elétrico-eletrônicos, não é incomum perceber entre seus ruídos o uso pontual de instrumentos como os gongos do gamelão, a pipa chinesa, o glockenspiel, o guzheng (uma espécie de cítara chinesa), a dizi (flauta transversal chinesa), entre outros instrumentos asiáticos. No álbum acima, por exemplo, temos um registro que é substancialmente voltado para as sonoridades do gamelão balinês. Tendo sido financiado pelo Conselho Nacional de Artes de Singapura (National Arts Council, NAC) e tendo sido parcialmente gravado em Bali, o álbum acima traz o grupo numa formação anterior com Dharma (guitarra elétrica, contrabaixo elétrico, Bani Haykal (guitarra elétrica, reyong, cengceng), Vivian Wang (sintetizador, vocais) e Leslie Low (guitarra acústica, contrabaixo elétrico, bateria, vocais, pemade, jegogan e reyong), com participações do manipulador de eletrônicos norueguês Lasse Marhaug.

Trilok Gurtu - Izzat - The Remix Album (Silva Screen, 2003). Índia. O influentíssimo e inovador percussionista indiano Trilok Gurtu é um dos pioneiros do world fusion contemporâneo, sobretudo a partir dos seus registros do final dos anos 80, anos 90 e 2000, nos quais mistura as variabilidades da música hindustani com elementos do jazz e doutros rítmos e sonoridades da world music. Nascido em Mumbai, e sendo filho de pais de diferentes linhagens étnicas —— com sua mãe (a famosa vocalista Shobha Gurtu) vindo dos povos Marathi e seu pai vindo dos povos Pandit ——, a ecleticidade de rítmos e sons já fez parte da sua vida desde cedo. Já quando criança, Gurtu foi designado para aprender tabla com os mestres Manikrao Popatkar (de Benares, India) e Shah Abdul Karim (de Bangladesh), adquirindo um estilo de forte personalidade musical através da linhagem de ensino conhecida como "benares gharānā", mais comumente difundida no nordeste da Índia. Na adolescência, contudo, sua inquietude o levou a também ouvir a música carnática do sul da Índia, bem como o levou a se interessar pelo estilo de percussão vocal conhecido como Konnakol, além de iniciar seus estudos de bateria e começar a se interessar por jazz e pelas percussões africanas. Em meados dos anos 70, aos 23 anos, Trilok candidata-se ao Berklee College of Music e muda-se para os EUA, onde conhece o legendário trompetista Don Cherry —— um dos founding fathers do world fusion, aliás... ——, que se tornaria seu amigo e mentor. Adrentado às cenas do jazz e do avant-garde, Gurtu passou a tocar com músicos como Charlie Mariano, John Tchicai, Terje Rypdal e Don Cherry, entre outros. Nos anos 80, contudo, sentiria a necessidade de voltar-se para suas origens hindustanis, começando a lançar diversos álbuns emblemáticos de fusão a partir de 1988. Desde então, Trilok Gurtu se tornou um dos nomes imprescindíveis da world fusion contemporânea. Este álbum acima, Izzat (Silva Screen, 2003), é um dos exemplos mais seminais de fusão das variabilidades da música hindustani com jazz fusion e eletrônica. Lançado em formato duplo de CD, o primeiro disco traz nove composições originais de Trilok Gurtu, e o segundo disco traz essas mesmas composições sendo retrabalhadas e remixadas por DJ's, grupos, projetos e músicos como Niraj Chag, TJ Rehmi, Black Star Liner, First Contact, Rob Swift, Fun-Da-Mental, The Dum Dum Project, entre outros. Para quem se interessar, indico, ainda, o excelente grupo Tabla Beat Science, formado com Trilok Gurtu, Zakir Hussain e Bill Laswell, com frequentes participações do tocador de sarangi Ustad Sultan Khan Sarangi e dos DJ's Talvin Singh e DJ Disk.





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