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Jazz and Art 3 - Miró, Van Gogh, Dalí, Chagall, Alan Davie, H. Frankenthaler...10 Álbuns Inspirados pela Arte Moderna


No primeiro post dessa série Jazz and Art, mostramos aqui algumas das primeiras associações do jazz com as artes plásticas através das então inéditas capas com pinturas e traços modernos criadas por  pintores e designers tais como Reid Miles, Andy Warhol, S. Neil Fujita, dentre outros... -- post, aliás, onde também procuramos salientar a evolução com o qual o jazz atravessou o século 20 partindo das suas primeiras inflexões instrumentais do blues, até passar pela modernidade do bebop e pela revolução vanguardista do free jazz, e depois tendo Wynton Marsalis retornando aos primórdios do blues e do swing no final dos anos 80 para resgatar muito dos valores culturais perdidos. Neste post, quero lhes trazer  uma viagem ainda mais imersiva: 10 exemplos ainda mais concretos e objetivos de álbuns -- de diferentes estilos e estéticas, modernos e contemporâneos -- que foram diretamente inspirados por artistas plásticos e suas obras não apenas em suas capas, mas principalmente na composição das peças e dos temas: Joan Miró, Vincent Van Gogh, Piet Mondrian, Salvador Dalí, Pablo Picasso, Romare Bearden, Sam Gilliam, Stuart Davis, Alan Davie (foto acima) e Helen Frankenthaler, dentre outros, são alguns dos artistas aqui abordados em peças e temas compostos por músicos de jazz. E é aqui onde mais uma vez percebemos o quanto a dicotomia do jazz, em termos de tentar equilibrar as inspirações na cultura popular com as inspirações na alta cultura das artes, sempre foi um dilema a se resolver -- ou, no mínimo, um dilema a se transformar em uma arte musical híbrida. Ou seja, percebe-se que nem sempre as inflexões jazzísticas e improvisativas inspiradas pelas pinturas do impressionismo e do expressionismo abstrato e seus hibridismos -- incluindo, aí, o fauvismo, o abstracionismo, o cubismo, o dadaísmo, o futurismo, o surrealismo, as técnicas do color field, da colagem, do audiovisual e etc -- fornecem um retrato fiel dos emaranhados de cores e das tortuosidades abstratas que tais pinturas visualmente exprimem. Contudo, mesmo nas gravações onde os músicos fazem uso de apenas algumas ideias subjetivas advindas das artes plásticas, já podemos desfrutar de desenvolvimentos, inflexões e facetas improvisativas mais peculiares, distintas, exóticas, exuberantes  e idiossincráticas em relação aos álbuns inspirados somente e totalmente na cultura popular. Um exemplo contemporâneo dos mais requintados é a associação que o pianista Jason Moran tem com as formas mais contemporâneas das artes -- da pintura, da performance e do audiovisual --, tendo se associado a artistas renomados como Joan Jonas e Julie Mehretu para criar verdadeiras transcrições pós-modernas. Clique nas capas dos álbuns para ouvi-los.
Abstract (Columbia, 1962). Interessante esta gravação do saxofonista Joe Harriott -- jamaicano, naturalizado inglês -- e seu quinteto de transição do início dos anos 60, momento no qual ele mesmo foi um dos pioneiros do free jazz na Europa e um dos precursores da free improvisation que estaria por vir. As composições aqui mostram o saxofonista em plena evolução, numa linha tênue entre as formas jazzísticas de outrora -- blues, swing, walking bass, linguagem bebop, a forma  tema-improv-tema (AABA) e etc -- com os improvisos disformes -- subjetivos, feitos mais de sons aleatórios do que linhas melódicas, e já quase abstratos -- de uma improvisação livre que já surgia. Aqui temos um total de sete temas autorais que transita nessa linha tênue entre "temas de jazz" e "peças livremente improvisadas" -- exceto o standard "Oleo", de Sonny Rollins, que recebe uma releitura tão subjetiva quanto o restante das peças autorais. Um registro sensível, agradável e ao mesmo tempo intrigante de ouvir, pois nele somos pegos pela curiosidade de perceber essa linha tênue entre as consonâncias tonais e as dissonâncias modais, entre as formas do jazz e os improvisos disformes, entre as linhas melódicas lineares e os improvisos disformes já marcados pelas iniciais pitadas de aleatoriedade. Para estabelecer uma sinestesia entre sons e cores, entre música e arte, o saxofonista faz uso de uma artwork que é de autoria da pintora holandesa Yvonne de Miranda.
 
Time Further Out - Miró Reflections (Columbia, 1961). Ao menos quatro dos álbuns mais autorais dessa fase modernista fantástica do Dave Brubeck Quartet tiveram associações com a arte moderna através das artworks de S. Neil Fujita, que revolucionou sobremaneira o design gráfico da Columbia Records com essas associações. Este, especificamente, é diretamente inspirado em Joan Miró, pintor espanhol que criou uma obra particularmente híbrida de elementos do expressionismo abstrato, cubismo, dadaísmo e surrealismo, criando uma obra de caráter único, repleta de formas próprias e singulares. E os temas compostos pelo pianista Dave Brubeck para este álbum realmente fazem jus à associação com a modernidade de Miró: trata-se de temas que são compostos sob compassos ímpares e inusuais para a época: os temas "It's a Raggy Waltz" e "Bluette" são compostos em 3/4; os temas "Far More Blue" e "Far More Drums" são compostos em 5/4; o tema "Maori Blues" é composto em 6/4; o tema "Unsquare Dance" é composto em 7/4; o tema "Bru's Boogie Woogie" é composto em 8/8; e o tema "Blue Shadows in the Street" é composto em 9/8. Essas métricas ímpares e inusuais acabam por modernizar ainda mais as estruturas e as formas da música de Dave Brubeck e sua atmosfera cool, divertida, cheia de coloridos tonais -- e, por consequência, proporciona uma contribuição significativa de linhas e formas jazzísticas ultramodernas para esse período do post-bop jazz.

Chasing Paint - Jane Ira Bloom Meets Jackson Pollock (Arabesque, 2003). Jane Ira Bloom é um dos nomes mais importantes do saxofone nas últimas décadas. Com um timbre pessoal, único, e com um uso um tanto original de pedais de efeito acoplados em seu saxofone soprano, Jane Ira Bloom criou uma sonoridade que soa só dela, sem chances para imitações. Neste álbum, pois, a saxofonista compõe oito temas originais para evocar suas inspirações na arte abstrata de Jackson Pollock -- "The Sweetest Sounds" (Richard Rodgers) é o único standard popular do álbum, aqui recebendo inflexões mais subjetivas do que o comum. O time de sidemans é da mais alta envergadura e mostra sinergia e atmosfera únicas: são eles Fred Hersch no piano, Mark Dresser no contrabaixo e Bobby Previte na bateria -- time com o qual ela já tinha gravado o álbum The Red Quartets (Arabesque, 1999). Jane Ira Bloom não capta aqui o expressionismo abstrato de Pollock com a mesma densidade tal como essa estética é musicalmente inflexionada por mestres do free jazz, através de  torrenciais e densos improvisos cacofônicos -- como, por exemplo, Ornette Coleman fez em seu álbum Free Jazz - A Collective Improvisation (Atlantic, 1961). Podemos dizer, aliás, que, na maioria dos temas, os delineamentos da saxofonista e sua banda são mais impressionistas do que propriamente expressionistas. Contudo, nas últimas faixas do álbum temos uma incomum mostra de abstrações mais cruas, com pedais de efeitos acoplados no sax soprano e live electronic inexplicáveis criando contrastes com os sons dos instrumentos acústicos: nesses temas, sim, fica um tanto perceptível como os improvisos e arranjos de Jane Ira Bloom e seus músicos trazem algumas inflexões advindas das abstrações expressionistas de Jackson Pollock. Fantástico! 

Suite for Helen F. (Boxholder, 2003). Sendo este um dos seus mais enérgicos e expressionistas registros, o saxofonista Ivo Perelman nos apresenta aqui uma vibrante homenagem à obra da pintora Helen Frankenthaler através de uma suíte improvisada em duas partes. Helen Frankenthaler é considerada um dos maiores nomes do expressionismo abstrato, mas é creditada, principalmente, como um dos expoentes do desdobramento da expressão pós-pictórica que caracterizaria a estética expressionista na segunda metade do século 20 -- suas abstrações, aliás, sofreria seguidas mudanças estéticas de tempos em tempos, partindo de um expressionismo mais espontâneo para borrões opacos e fluídos já bem próximos do estilo color field, fornecendo uma das obras mais ricas em termos de variações. Neste registro, Ivo Perelman tenta captar, então, esse expressionismo mais enérgico e espontâneo da pintora através de um double trio com dois contrabaixos e duas baterias: com os contrabaixistas Dominic Duval e Mark Dresser, e os bateristas Gerry Hemingway e Jay Rosen. O álbum físico vem com sete pinturas reproduzidas pelo próprio Ivo Perelman no encarte, as quais são relacionadas com os sete movimentos improvisados em homenagem à pintora. Sopros enérgicos, guinchos espontâneos e rangidos inexplicáveis estão em meio às abstrações enérgicas neste emaranhado de sons percussivos das duas baterias e sons coloridos dos dois contrabaixos. Um clássico do free jazz contemporâneo -- que inclusive está fora do catálogo há algum tempo, um tanto inacessível. Ademais, vale lembrar que Ivo Perelman também é, ele próprio, um dos grandes artistas plásticos da atualidade estabelecidos na estética abstracionista, faceta que pode ser melhormente apreciada no site http://www.ivoperelmanart.com/

Portrait in Seven Shades (JLCO, 2010). Aqui estamos diante de um dos melhores registros de big band das últimas décadas -- e, consequentemente, da história do jazz. Portrait in Seven Shades é uma peça em sete movimentos escrita e arranjada para big band pelo saxofonista Ted Nash e comissionada pela Lincoln Center Jazz Orchestra, liderada por Wynton Marsalis. Cada movimento é dedicado a um grande mestre da pintura. São eles: Picasso, Van Gogh, Monet, Matisse, Chagall, Dalí e Pollock. Ted Nash, membro estelar da Jazz at Lincoln Center Orchestra, é um amante inveterado da pintura moderna e um profundo conhecedor das obras de vários pintores, concretizando aqui um projeto tão original quanto ousado. Nash conta que para desenvolver os temas e arranjos, teve que pedir para que Wynton Marsalis, junto à presidência do Jazz at Lincoln Center, contatasse o Museu de Arte Moderna de NY, o MoMA, para que ele tivesse acesso total ao acervo e aos registros dos quatros, onde poderia estudar mais a fundo as características de cada pintor. Envolto na extrema dificuldade de escolher alguns poucos pintores, Ted Nash limitou sua escolha em sete artistas principais que viveram num período de cem anos, fazendo uma alusão aos cem anos de idade do jazz: ou seja, do fim do período impressionista com Monet, passando pelo surrealismo de Dalí até o expressionismo abstrato dos anos 50 e 60 com Jackson Pollock – Nash acredita, enfim, que é possível fazer uma alusão desse período com o período entre o nascimento e desenvolvimento do jazz, no qual esse gênero musical sofreu transformações idiomáticas e estéticas similares às das artes plásticas. Ou seja, há muito da tradição do jazz e da cultura do americana aqui, mas também há muitos momentos com efeitos impressionistas, tortuosidades cubistas, deformidades abstratas, e etc, os quais o compositor musicalmente consegue exprimir nos temas, arranjos e improvisos. Com essa peça genial o compositor tenta captar, portanto, todo o universo sentimental e lúdico de cada um desses pintores, transformando essas impressões em música no âmbito do jazz. No movimento Van Gogh, Ted Nash expressa, através de uma balada convencional, na voz de Yola Nash, a tristeza de um pintor genial não reconhecido que vendeu apenas um quadro em vida e era apaixonado por uma prostituta. No movimento Monet, Nash imprime uma harmonia impressionista com solos divididos entre alguns membros da big band, tentando captar as pinceladas luminosas do mestre francês. Em Pollock, Nash mostra uma conexão entre o bebop, da época “beatnik” do início da carreira do pintor, com o free jazz, gênero que se associa tão bem com os elementos criativos da sua fase expressionista e abstrata através de arranjos e improvisos livres que tentam captar os jorros e espirros de tinta que Pollock aplicava sobre suas telas -- é um dos pontos altos da álbum, com Nash mostrando essas impressões através de frases e improvisos fragmentados, onde se destacam os improvisos de Wicliffe Gordon ao trombone e Bill Schimmell ao acordeão. Já em Chagall, Nash compôs uma peça que capta um pouco da música erudita e da klezmer music (música judaica), fazendo alusão à influência judaica na vida e obra enigmática de Marc Chagall -- destaque para Wicliffe Gordon na tuba, Natalie Bonin no violino, Bill Schimmel no acordeão e o próprio Ted Nash na clarineta (conjunto que, aliás, lembra a sua banda Odeon presente no disco La Espada de La Noche). No movimento Dalí, outro ponto alto do álbum, Nash capta bem o surrealismo do pintor através de um groove um tanto inusual e solos de sax e trompetes sobrepostos que criam efeitos até então inimagináveis (aí só ouvindo mesmo pra se ter uma ideia). Já em Matisse, Nash expressa o blues, a dança e o swing com melodias e harmonias que imprimem bem o tons de cores puras característico da pintura do mestre fauvista. Por fim, o movimento denominado Picasso tenta expressar a origem espanhola do pintor cubista através de uma levada de “flamenco” no início do tema, seguido de “arpejos quadrados” sobrepostos, um desenvolvimento em um bebop suingante -- com Wycliffe Gordon, ao trombone, e Wynton Marsalis, ao trompete, aplicando solos no mínimo estonteantes --, para, depois finalizar com o clima espanhol mencionado no início do tema.

Jazz and Art (Blue Engine, 2019). Fruto de uma temporada de shows e apresentações que se iniciaram em 2010, onde Wynton Marsalis e os músicos da sua big band focaram em apresentar temas e arranjos com sinestesias entre o jazz e as artes plásticas, este registro traz inspirações das obras de alguns dos principais pintores americanos tais como Stuart Davis, Sam Gilliam, Romare Bearden, Wifredo Lam, Winslow Homer e Norman Lewis. Porém a maioria dos temas exprimem apenas algumas inspirações subjetivas em relação a esses mestres. Não fosse alguns momentos de linhas abstratas -- aliás, quase que totalmente impressionistas, com mostras mínimas de sons expressionistas -- elaboradas para imitar musicalmente as abstrações e fluidez das pinturas, poderíamos dizer que este registro trata de apenas reviver as tradições do latin jazz, do blues, do swing, do gospel e doutros elementos tradicionais da gênese americana -- ou seja, Wynton Marsalis e seus músicos parecem querer inflexionar suas composições através dos traços, das formas disformes e das matizes de cores dissonantes das estéticas de arte moderna sem abrir mão dos padrões e das formas musicais tradicionais. Contudo, o projeto aqui não deixa de ser interessante ao tentar inflexionar essa identidade revisionista da JLCO e seus músicos através dos traços modernos desses pintores: a faixa "Blue Twirl", por exemplo, começa com sons abstratos para se basear no estilo color field de Sam Gilliam antes de se desembocar em um tema delineável; enquanto a faixa "The Repose in All Things" se baseia em Piet Mondrian através de alguns acordes bem modernos no início do tema antes de enxertar grooves de um latin jazz que reveza-se a todo momento com um bop suingante, fazendo uma alusão entre as cores geométricas da pintura "Composition in Red, Blue and Yellow". Cada faixa foi composta e arranjada por um membro da big band. Lançado apenas no formato digital, este álbum vem com as informações em arquivo PHP de cada faixa composta e arranjada, mais as pinturas usadas como inspiração. As linner notes são escritas por Ted Nash.

Artist In Residence (Blue Note, 2006). Jason Moran, desde sempre um aficionado nas artes moderna e contemporânea -- sendo frequentemente convidado para apresentar performances musicais em galerias e museus de arte moderna, e tendo uma aproximação bem interessante com artistas plásticos contemporâneos --, registrou aqui um dos seus mais inovadores projetos -- e um dos mais inovadores álbuns das últimas décadas! Artist in Residence apresenta composições próprias de Jason Moran que foram comissionadas por centros e fundações de arte como o Walker Art Center, Dia Art Foundation e o Jazz at Lincoln Center (do então conservador diretor artístico Wynton Marsalis). Curiosamente -- e apesar de se tratar de peças comissionadas por instituições onde o conservadorismo musical poderia ser um entrave --, Jason moran apresenta neste álbum alguns dos temas com ideias e facetas mais híbridas e distintas da sua carreira: usando tênues efeitos eletrônicos, ele apresenta peças que foram compostas através de linhas melódicas enxertadas por cima de fitas com vozes sampleadas (uma ideia que ele tirou do álbum "Festa dos Deuses", do compositor brasileiro Hermeto Pascoal); ele convoca a cantora lírica (e sua esposa) Alicia Hall Moran para compor e interpretar a pós-modernística canção "Milestone"; ele apresenta uma versão contemporânea da histórica canção "Lift Every Voice and Sing" do compositor negro do movimento Harlem Renaissance John Rosamond Johnson; e, por fim, ele deixa claro as influências que sua música traz dos ecos do hip hop -- na faixa "Rain" encomendada pelo Jazz at Lincoln Center, por exemplo, ele deixa claro uma ponte entre os funk beats de New Orleans e o hip hop. Para apresentar seus arranjos pós-modernos diante desse hibridismo, Moran conta com uma instrumentação mais ampla em relação à maioria dos outros registros da sua discografia, tendo a colaboração dos seguintes sidemans: Marvin Sewell (guitarra), Tarus Mateen (contrabaixo), Nasheet Waits (bateria), Ralph Alessi (trompete na faixa 8), Abdou M'Boup (djembe, kora, percussão na faixa 8), Alicia Hall Moran (canto lírico-soprano na faixa 2) e Adrian Piper (samplers, toca fitas, vozes sampleadas nas faixas 1 & 5). A renomada performer e artista audio-visual Joan Jonas, com a qual Moran inicia uma parceria na época, também participa empunhando sinos, objetos, brinquedos e claves na faixa 6.

MASS {Howl, eon} (Yes Records, 2017). Jason Moran é um dos pianistas de dedilhados mais híbridos, únicos e pós-modernos do jazz contemporâneo -- e quando ele associa suas teclas às deformidades da arte moderna e contemporânea, seu estilo impressionista sobe ainda mais ao alto nível. Como se pode ver no álbum Artist In Residence, mencionado acima, mesmo na época em que era um músico da Blue Note -- uma major que, logicamente, sempre prezou algum retorno financeiro em suas produções --, ele já pôde expressar suas preferências e inclinações em relação a esse lado mais remoto da alta cultura, das artes plásticas, audiovisuais e performáticas. Nos últimos anos, ainda mais, Jason Moran continua lançando álbuns pelos grandes selos e gravadoras -- inclusive, colaborando com diversos outros músicos, em parcerias ou como sideman --, mas também funda seu próprio selo junto à sua talentosa esposa (a vocalista Alicia Hall Moran), o Yes Records, selo por onde tem lançado seus trabalhos autorais mais investigativos nestas searas das misturas entre música improvisada, eletrônica e o universo das artes. É o caso deste projeto MASS {Howl, eon}, que documenta sua colaboração com a artista Julie Mehretu em pinturas e instalações no San Francisco Museum of Modern Art (SFMOMA) e na Church of St. Thomas the Apostle, no Harlem, num processo de fruição e criatividade onde o pianista e sua banda servem de atmosfera e inspiração para a pintora, e as pinturas mutuamente servem de inspiração para o pianista e sua banda no ato de ambas as performances. As peças, aliás, foram compostas nos exatos momentos enquanto Julie Mehretu pintava, na Church of St. Thomas the Apostle, onde também ocorreu a gravação, processo criativo que foi documentado no canal Art:21. A banda é composta por Moran no piano, Fender Rhodes e percussão, Graham Haynes no cornet e eletrônica, e Jamire Williams na bateria. O diferencial neste projeto é o hibridismo que se forma da contemporaneidade acústico-orgânica do piano e Fender Rhodes com a bateria polirítmica em junção com a contemporaneidade "digital" da eletrônica de Graham Haynes -- um hibridismo denso e colorido que é visível nas pinturas de Julie Mehretu. Dessa forma, as pinturas de Mehretu -- que mostra um colorido de visual "digital", como se fossem pixels, acrescido de rabiscos, traços e sombreamentos -- funcionam como verdadeiras partituras ideográficas para Jason Moran, que nos mostra ser um intérprete da mais aguçada leitura e criatividade em suas transcrições sonoras desses traços, sombreamentos e cores híbridas.

Sight To Sound (Criss Cross, 2003). Aqui o saxofonista Walt Weiskopf, um dos grandes nomes do sax tenor do nosso tempo, nos traz um formidável espécime do neo-bop e contemporary post-bop que tanto caracterizou a gravadora Criss Cross, uma das principais gravadoras do jazz contemporâneo nessas últimas décadas. Sendo uma espécie de suíte em 10 movimentos, cada faixa já vem nomeada com o respectivo nome ou sobrenome do artista plástico homenageado: o disco começa com a faixa de abertura Sight e vai se desenvolvendo em temas inspirados em cada pintor -- Miro, Pablo (Picasso), Camille (Pissaro), Claude (Monet), Salvador (Dali), Canvas, Toulouse, Vincent (Van Gogh) -- até finalizar com a faixa Sound. Não se trata de um registro sinestésico que tenta captar fielmente as tortuosidades e abstrações desses pintores tais como elas são enxergadas em suas respectivas telas: ou seja, percebemos, sim, algumas inflexões peculiares nas estruturas e arranjos dos temas, mas aqui temos uma espécie de jazz que preza-se mais pelas formas contemporâneas da linguagem bebop e das baladas, com tons mais impressionistas do que expressionistas. Walt Weiskopf conta com um sexteto formado por Andy Fusco (sax alto), John Mosca (trombone), Joel Weiskopf (piano), Doug Weiss (contrabaixo) e Billy Drummond (bateria).

Study - Witch Gong Game II/ 10 (Maya Recordings, 1994). A música do contrabaixista inglês Barry Guy deve ser objeto de estudo e apreciação de todo o aficionado por música improvisada! Barry Guy, contrabaixista-improvisador dos mais expansivos e compositor dos mais criativos -- vide suas performances e composições em ensembles e orquestras de improvisação livre --, foi um amigo pessoal e um parceiro íntimo, em termos de fruição artística, do célebre pintor escocês Alan Davie, um dos maiores nomes do expressionismo abstrato a nível mundial. Além do ofício da pintura, é sabido que Alan Davie também tocava piano, violoncelo e clarinete baixo, e no início dos anos de 1970 seu interesse pela improvisação livre o levou à uma estreita associação com Tony Oxley e com ele, Barry Guy, que dedicaria peças e gravações inteiras às suas pinturas. E este álbum é um exemplo perfeito. Aqui Barry Guy registra a composição Witch Gong Game II / 10, uma extensa peça de 50 minutos baseada na série de pinturas que Alan Davie intitulou de Bird Gong. A partir dessa série de pinturas, Guy elabora uma série de partituras ideográficas a partir do jogo de imagens, símbolos, ideias e signos dispostos nas telas do artista escocês, transcrevendo também esses elementos em curiosos flash cards que seriam usados para sinalizar, de uma forma mais subjetiva do que objetiva, a livre improvisação no ato da performance. Esse processo é discorrido, inclusive, em um artigo que o próprio Barry Guy escreveu para a magazine-journal Point of Departure, e no site do selo Maya Recordings, por onde o contrabaixista lançou e ainda lança diversos dos seus projetos -- incluindo outros álbuns onde se inspira em outros nomes das artes plásticas. Recebendo diferentes jorradas de cores e diferentes emaranhados disformes à cada performance, conta-se que essa peça já havia sido abordada com large ensembles europeus tais como a London Improvisers Orchestra e a Glasgow Improvisers Orchestra. Porém a gravação mais acessível da peça se dá por meio deste registro documentado pelo selo Maya Recordings. Aqui, Guy reproduz essas suas subjetivas sinestesias da série Bird Gong de Alan Davie à frente da New Orchestra Workshop (NOW Orchestra), com a colaboração de alguns dos principais improvisadores e músicos de jazz do Canadá. Posteriormente, Guy também registraria essa peça no álbum Falkirk (2006) à frente da Glasgow Improvisers Orchestra -- ficando, aqui, essa segunda gravação como uma indicação direta para quem quiser ouvir uma segunda versão da peça.




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