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Podcast - Wynton Syncopations - Do Neo-bop ao New Orleans: o resgate do jazz acústico e das tradições americanas


Em outubro de 2021, Wynton Marsalis fez 60 anos de idade. Uma idade em que qualquer artista ativo e em constante criatividade ainda é considerado jovem. Mas quando o assunto é Wynton Marsalis, 60 anos de vida e 40 anos de música alcançam outra proporção! Wynton já contribuiu tanto para a música nessa passagem do século 20 para o século 21, sua obra já ofereceu tantos álbuns e peças impactantes, e ele ainda tem tanto a contribuir (!), que a simples presença da sua figura entre nós, como provável maior dos maiores trompetistas e compositores americanos vivos, já mereceria ser comemorada. E quanto mais ainda toda a amplitude da sua obra merece ser apreciada, uma obra que tem o potencial de se perpetuar para além do seu próprio nome e fama de "poderoso diretor artístico do Lincoln Center": pouco a pouco cresce um consenso, até mesmo entre antigos detratores, de que suas peças e seus álbuns ousados não podem ser diminuídos em favor daqueles seus exacerbados discursos conservadores e antiquados de outrora —— nos últimos tempos, aliás, Wynton tem sido mais cordial e receptivo em relação aos músicos adeptos ao avant-garde e às inovações da música contemporânea do que nos tempos juvenis em que trocava farpas com Miles Davis e Lester Bowie. E neste podcast de nove episódios, exploraremos algumas das principais facetas dessa obra gigante. 

Em 1979, mudando-se de Nova Orleans, desembarcava em Nova Iorque esse jovem franzino munido de trompete, óculos de nerd e cabelo black power para dar andamento em seus estudos na Juilliard School. Seu nome era Wynton Marsalis e logo ele seria chamado para tocar na banda do veterano Art Blakey, os Jazz Messengers, banda patrona do hard bop que ainda sobrevivia mesmo com um cenário que agora enxergava o jazz acústico apenas como uma "música para velhos", isso ainda diante do ecos do fusion, crossover, e das novas sensações do pop, do hip hop e da discoteca, gêneros esses embebecidos de instrumentos eletrônicos. Foi fato que Wynton Marsalis já vinha com o bom antecedente de ser membro de uma das famílias musicais mais tradicionais e talentosas de Nova Orleans. Mas sua mentalidade e seu talento deram conta do resto. Não demoraria muito, os solos estonteantes do jovem Wynton começariam a seduzir as atenções da comunidade dos músicos e dos poucos críticos que ainda escreviam sobre esse tipo de jazz acústico, e de repente ele e seu irmão Branford já eram convidados por Herbie Hancock para integrarem-se ao quinteto VSOP, banda com a qual Hancock —— que vinha paralelamente explorando seu electro-funk imerso de sintetizadores e instrumentos eletrônicos —— de vez em quando apresentava um revival daquele post-bop acústico revelado pelo Segundo Grande Quinteto de Miles Davis, do qual ele fizera parte entre 1964 e 1968. Herbie Hancock passa a ser, então, um dos mentores de Wynton Marsalis, que além de também ter Art Blakey como mestre também vinha tendo aulas com Woody Shaw, considerado um inovador do trompete nos anos 70. Essas influências somaram-se ao talento inconteste do jovem Wynton, que já em 1981 formaria seu próprio quinteto e já mostraria de imediato uma forte combinação de talento raro, originalidade e expertise composicional. 

Em 1982, Wynton lança, então, seu primeiro rebento. Era o início de um fenômeno cultural que muitos ousarão a chamar até mesmo de "O Renascimento do Jazz". Eu, particularmente, prefiro chamar de "O regate do jazz acústico", já que na verdade o jazz ainda resistia em seus círculos restritos: seja através dos veteranos, seja eletrificado através do fusion mais crossover, seja hibridificado pelas variabilidades do avant-garde das cenas do "loft jazz" e da "no wave". O fato é que o álbum "Wynton Marsalis" (Columbia, 1981) trouxe algum impacto de esperança. Esse álbum homônimo, lançado pela Columbia entre 1981 e 1982, mescla faixas com a então formação do VSOP II —— com Herbie Hancock no piano, Tonny Williams na bateria e Ron Carter no contrabaixo —— e o então novo quinteto de Wynton, alcançando a façanha de vender mais de 100 mil cópias em seus primeiros meses de lançamento, uma marca a muito tempo não atingida por um músico ou banda de jazz acústico. A Columbia Records substitui o contrato que tinha com Woody Shaw pela contratação de Wynton e passa a investir nesse jovem-sensação que vinha trazendo um novo frescor ao jazz acústico —— posteriormente, aliás, a divisão de jazz da Columbia rescindiria o contrato até mesmo com Miles Davis, seu mais valorado músico, e passaria a dar maior ênfase na contratação de jovens talentos, os chamados "young lions", que foram sendo influenciados pelo sucesso dos Marsalis. Era o início de um resgate repaginado e contemporâneo dos estilos do bebop, hard bop, modal jazz e post-bop: algo que a crítica chamou de neo-bop. A partir daí, Wynton Marsalis e sua geração de "young lions" —— formados por jovens universitários, formandos e recém formados —— resgatariam com força total os elementos daquele range de jazz acústico que vigorou dos anos 40 até fins dos anos 60, antes de Miles Davis e seus sidemans adotarem guitarras elétricas, pedais de efeitos e sintetizadores. Essa nova tendência de jazz acústico liderada por Wynton, vigorou com força total durante as décadas de 80 e 90, sobretudo sendo impulsionada por uma nova consciência de que também era preciso resgatar as figuras patronas do jazz —— Louis Armstrong, Duke Ellington, Charlie Parker, Thelonious Monk e muitos outros —— como verdadeiros heróis da cultura americana e que também era preciso instituir o ensino do jazz como disciplina fundamental nas escolas e universidades, algo que ocorreu com a promulgação da Lei de Preservação do Jazz (Jazz Preservation Act, 1987). E Wynton Marsalis era, então, a força motriz desse processo. Posteriormente, aliás, Wynton abandonaria seu hiper contemporâneo e explosivo jazz modal e regressaria para épocas ainda mais longínquas da história da origem do jazz, ressignificando em composições modernas inúmeros dos mais arcaicos elementos culturais afro-americanos do período proto-jazz. Abaixo, em nove episódios, tento explorar essa sua viagem aos confins da história da música americana!


Neste podcast, abordaremos, então, as principais facetas desse grande trompetista, compositor e educador, partindo das explorações modais e hiper contemporâneas do seu poderoso Wynton Marsalis Quintet-Quartet dos anos 80, e passando também pelas ressignificações aos adereços de New Orleans e as suítes empreendidas através do seu versátil Septeto nos anos 90 —— sendo que esses dois combos são, inquestionavelmente, duas das maiores bandas da história do jazz! Posteriormente, o sucesso de Marsalis também o levaria até o universo do balé e da dança moderna, resultando em um conjunto de peças lúdicas que foram criadas em parcerias com coreógrafos e diretores de dança legendários tais como Alvin AileyJudith Jamison, Peter Martin, Twyla TharpGarth Fagan, faceta que também abordo nos episódios abaixo. Também abordaremos nesse podcast as extensas peças orquestrais de Wynton, por meio das quais o compositor aborda dos mais arcaicos elementos e adereços das raízes do jazz e do blues até o jazz contemporâneo. Duke Ellington expandiu a composição e o arranjo orquestral, fazendo do formato da big band um veículo pleno de arte musical americana. Charles Mingus, inspirado por Duke Ellington e Charlie Parker, misturou a modernidade do jazz dos anos 40 e 50 com a tradição do hot jazz de Jelly Roll Morton e com o avant-garde iminente, compondo uma das obras orquestrais mais cerebrais e viscerais da história do jazz. Wynton Marsalis, por sua vez, inspirado em Ellington e Mingus —— e mentoreado por críticos, artistas e escritores tais como Albert Murray, Romare Bearden e Stanley Crouch ——, voltou-se para os elementos das tradições afro-americanas e recheou suas ousadas peças com detalhes e adereços que começam nos arcaicos elementos da música crioula, das festas de Mardi Gras de New Orleans, das work songs, do blues, do gospel, do ragtime, do cakewalke, da habanera, dos funerais e das tradicionais marchas de rua (street parades), dos shows de valdeville, dos ritmos da matriz africana presentes em New Orleans e do swing jazz e segue até à beira do post-bop e do pré avant-garde mais contemporâneo, compondo a mais detalhista e completista obra da história do jazz. Entre esses três grandes compositores —— Ellington, Mingus e Marsalis ——, e apesar dos seus estilos originais serem diferentes entre si, existe uma extensa linha evolutiva de inovações improvisacionais e composicionais que levaram o jazz a ser considerada a "maior forma de arte musical" ao lado da música erudita. A composição de Wynton Marsalis, portanto, é baseada em peças e suítes extensas que sempre estão a contar histórias, a retratar paisagens e a descrever lugares nostálgicos: trata-se de peças formalistas, que misturam magistralmente o improviso com a composição, com um detalhismo altamente elaborado a partir de uma sequência interminável de efeitos, adereços, contrastes e arranjos que formam um todo moderno e exuberante onde as linhas de improvisos confunde-se com a elaborada escrita composicional e vice-versa. Dotada de arranjos espetaculares, a composição de Wynton Marsalis é essencialmente lúdica, imagética e preza pelas várias formas elementares de swing e grooves sincopados. Ademais, também abordaremos, no decorrer dos episódios, a mentalidade e filosofia de Wynton e seus mentores: filosofia essa que pregou a revalorização do jazz acústico, do blues e das tradições afro-americanas e repugnou, por exemplo, tendências vanguardistas e/ou modismos advindos do fusion, da música pop e do famigerado gangsta rap. Com carisma, argumentos bem fundamentados, discursos afiados, criatividade e grande fama tanto no universo erudito quanto no jazz, Wynton ganharia nove prêmios Grammy, um Pulitzer Prize, fundaria um milionário centro de jazz no complexo do Lincoln Center, seria laureado por dezenas de universidades e cátedras e conquistaria assentos cativos nos principais canais de televisão em sua condição de influente educador, consultor e "advogado da cultura americana". Sua contribuição, enfim, foi e continua importante, e será sentida e discutida por décadas! Ouçam e compartilhem! 

 Wynton (1979-1982): chegada em N.Y. City, as influências iniciais do garoto Marsalis, o resgate ao jazz acústico



Wynton Marsalis 5tet-4tet (1983-1988) - Neo-bop: abordagem contemporânea do bebop, post-bop e modal jazz 



 Blues Cycle (1988-1991) - De volta à New Orleans: estudando Buddy Bolden, Louis Armstrong, Ellington & T. Monk...

Wynton Marsalis Septet (1992-1999): do dixieland ao post-bop, uma banda que aborda as várias formas de jazz


 Wynton Marsalis Septet - In This House On This Morning (1994): a moderna e imagética suíte baseada no gospel

 Obras expansivas para orquestra e big band: Congo Square, Big Train, Vitoria Suite & The Ever Fonky Lowdown



 Peças orquestrais para dança - Rítmos & Sincopações: "Jump Start and Jazz", "Sweet Release and Ghost Story" 

Standard Time & Releituras: Marsalis plays Jelly Roll Morton, Thelonius Monk, Charles Mingus & John Coltrane 

 

 Wynton at 60: From the Plantation to the Penitentiary (2007), Abyssinian Mass (2016) & Democracy! Suite (2021)