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GRAMMY 2023/ 24: reflexões e ponderações sobre a indústria musical e comentários sobre os NOMINEES e WYNNERS

JESSIE MONTGOMERY (COMPOSITORA) | MIGUEL ZENÓN (SAXOFONISTA) | THOMAS ÀDES (COMPOSITOR)

Em 04 de Fevereiro de 2024, tivemos a cerimônia das premiações do GRAMMY 2023. E como sinalizei 👉aqui, essa edição foi deveras interessante e diversificada nas indicações das categorias de música instrumental, principalmente no quesito de música erudita. Em termos de uma análise estritamente estético-qualitativa —— qualidade técnica (análises de harmonia, ritmos, melodias e arranjos), abordagens criativas (falo daquela criatividade que explora temáticas e elementos fora dos padrões mercadológicos) e trabalhos com vieses experimentais e/ou inovadores ——, eu sempre disse que não devemos creditar ou acreditar no Grammy como uma referência ou um guia que preza estritamente pela ARTE, pois mesmo nas categorias de jazz e música erudita há um viés mercadológico. Aqui no blog até sugerimos aos nossos leitores que fiquem atentos aos prêmios, sim, mas também os aconselhamos a não basearem suas escutas em rankings e premiações. Não nos interessa, aqui no blog, o álbum de jazz mais vendido do ano ou estrelas do showbusiness como Taylor Swift, mas devemos acompanhar as tendências e caminhos do mercado da música, justamente para que estejamos atualizados e bem posicionados: seja para falar da música cantada ou de música instrumental, nossos argumentos estarão sempre sólidos e bem enraizados em premissas como arte, humanismo, educação, cultura e intelecto. Eu mesmo já passei pela frustração de balizar minhas apreciações por rankings e premiações para só depois perceber que estava tendo prejuízos, uma vez que os trabalhos mais criativos, mais inovadores e mais idiossincráticos estavam majoritariamente no underground, no alternativo, no indie... lá onde a arte é encarada de forma livre e maiúscula como ARTE, e não apenas como um entretenimento ou uma mera manifestação cultural feita de padrões, peitos, bundas e canções chulas com letras medíocres sobre traição, sexo, álcool, drogas e objetificação do corpo. Esse tipo de arte minúscula, onde apologias e sexismos são a base da criatividade, pode até divertir as pessoas e também serve essencialmente aos seus propósitos meramente entretivos, mas não agrega nada em essência, espiritualidade, intelecto e humanismo. Aliás, a maioria das letras das canções desse tipo de música popular fazem até apologias destrutivas, objetificam a mulher, alimentam estereótipos, potencializam preconceitos e emburrecem a juventude, algo que, portanto, não deve resistir ao tempo para ser canonizada como OBRA DE ARTE de fato. Mas o Grammy, ainda que seja o retrato da indústria musical que prioriza o mainstream, o showbusiness e o comercial, tem mostrado um viés mais qualitativo nas premiações, mesmo nas categorias de música pop. Em anos anteriores tivemos, por exemplo, a cantora de jazz Samara Joy desbancando a cantora de funk-pop brasileira Anitta na categoria "Artista Revelação"  —— e nem preciso dizer a diferença em termos de requinte, arranjo, poética, etc, etc. Da mesma forma que o pianista de jazz e cantor pop Jon Baptiste conseguiu obter recordes em indicações em várias categorias com seus álbuns e singles onde mistura vários gêneros de música. Ainda que pontuais, esses sinais indicam que há cérebros inteligentes na banca examinadora do Grammy. E que continue a ter!!!

Mas, ainda assim, o Grammy Award não deve superar as expectativas do apreciador outsider como um guia ou referência estritamente qualitativo. Diante disso, é preciso sempre reafirmar que no universo da música, assim como em qualquer outra forma de arte ou manifestação cultural, a QUALIDADE existe tanto quanto a FALTA DE QUALIDADE em termos de análise: basta-se apenas que se faça uma análise mais apurada em níveis de conceitos criativos, melodia, harmonia, ritmos, arranjos e letras para se verificar em qual das duas instâncias estamos submetendo nossos ouvidos. O que acontece hoje, porém, é que que existe uma atrofia e um desvirtuamento do ofício da crítica musical. Os grandes jornais, as grandes mídias, os grandes canais valorizam cada vez menos o espaço e o papel do crítico de música e do pesquisador de ouvidos com senso qualitativo, de modo que essas mídias estão sempre inclinadas a usar todos os espaços possíveis para divulgar os entretenimentos que mais estão vendendo no showbusiness, assim faltando espaços para curadorias mais exigentes, boas indicações, resenhas de álbuns ousados e espaços dedicados para estilos de MÚSICA-ARTE de criatividade mais exploratória, mais desafiadora, humanista, orgânica e experimental. Por outro lado, a internet possibilitou para que qualquer ouvinte mais curioso possa, hoje, se dispor de autonomia para fazer suas próprias pesquisas e aguçar sua própria percepção qualitativa. Dessa forma, ainda que o instrumental, o underground, o alternativo e o indie não sejam impulsionados por algoritmos tanto quanto o pop dance de peitos e bundas ou tanto quanto outras tendências comerciais que sempre ficam dispostas a apenas um clique de distância, atualmente o espectador mais curioso e o apreciador de ARTE tem muito mais facilidades do que antes em buscar sites, blogs, plataformas e canais alternativos onde se aprecie música inteligente. Isso se decorre do fato de que já nos 2000, os blogs e sites alternativos já ofereciam, aos montes, esse tipo de busca mais ousada em direção a materiais cult e outsiders, oferecendo downloads gratuitos (ilegais ante ao Copyright, é verdade..., mas um fórceps que foi inevitável e necessário) e resgatando inúmeras pérolas obscurecidas, estabelecendo a cultura da garimpagem que até hoje conquista adeptos mais resilientes e curiosos. A partir daí, já em fins dos anos 2000 e início dos anos 2010, surgiram diversas plataformas de streaming que começaram a democratizar massivamente o acesso aos singles, álbuns e EP's para toda a população a partir de pacotes de assinaturas economicamente acessíveis às todas as classes: não mais seria necessário que o adepto dos downloads excedesse os gigabytes de armazenamento do HD do seu desktop ou da memoria do seu celular, e não mais seria necessário um apreciador de discos e CD's atravessar a cidade para acessar o acervo de uma daquelas lojas da Fnac, uma vez que agora qualquer pessoa poderia acessar um acervo milhões de vezes maior no sofá da sua casa a partir de plataformas como o Spotify, o Deezer e o Bandcamp. Isso elevou o padrão de buscas das pessoas por ARTE e MÚSICA e possibilitou que qualquer ouvinte e apreciador mais curioso, mesmo o residente da periferia sem qualquer pré disposição educacional para esse tipo de busca mais refinada, pudesse sair da bolha midiática na qual estava enclausurado para elevar o seu nível de percepção, apreciação e educação por meio de uma exposição infinitamente mais ampla da CULTURA e da ARTE em vários gêneros.


Mas mesmo diante da massificação da distribuição musical e desses fenômenos todos, a indústria musical nunca parou de agir para sempre ter o controle de como influenciar, entreter, distrair e viciar as pessoas com modinhas e tendências. E é aí que entram os algoritmos, os rankings e as premiações de "melhores" e "maiores". Mercadologicamente falando, portanto, é inegável que o Grammy tenha, sim, sua devida importância como o farol efetivo que traz luz para quais trabalhos musicais, em vários gêneros, estão sendo postos no pedestal para indicar direções e tendências. Ou seja, o Grammy é muito importante, sim, para sabermos quais tendências em uma época —— no passado e no presente ——  a indústria musical esteve ou estará disposta a financiar. Mesmo quanto ao jazz, a música erudita e outras formas de músca instrumental, os quais são aqui nossos únicos interesses, esses certames, listas e rankings como os indicados ao Grammy e os charts da Billboard tem sido muito importantes em termos de mostrar as intenções da indústria musical através dos seus selos e subsidiárias no âmbito do mainstream, bem como em termos de mostrar as competições e o jogo que nas últimas décadas se estabeleceu entre as gravadoras independentes e essas subsidiárias mantidas pelas grandes majors. Diante disso, devemos nos abster da visão generalista de que tudo o que é comercial é artisticamente inferior: isso eu aprendi, por exemplo, com Herbie Hancock, que lançava alguns álbuns comerciais nos anos de 1970 e 1980, mas sempre eram álbuns que traziam algumas inovações sem precedentes. É natural, então, que os músicos mais ativos e criativos do jazz revezem-se entre produções experimentais e alternativas e produções comerciais: ou seja, ainda que eles evitem de se "prostituir", eles precisam considerar todas as opções e espaços dignos  para se atingir o maior número de pessoas dentro desse restrito nicho que é a música instrumental. Também é natural que os músicos mais ativos e criativos comecem a chamar a atenção não mais apenas das gravadoras independentes, mas também dos selos e subsidiárias mantidas pelas grandes majors, as quais, por sua vez, acabam por impor contratos que modelam e dão um polimento mais mainstream aos projetos desses músicos: a recente contratação da guitarrista Mary Halvorson pela Nonesuch é um exemplo disso, ainda que, ao que tudo indica, a guitarrista tenha conseguido manter muito da sua essência e independência criativa nessa sua guinada. E esses muros precisam ser mesmo transpassados e derribados! Artistas experimentais do quilate de Mary Halvorson e John Zorn, por exemplo, não podem ficar apenas fadados ao underground, uma vez que são eles quem estão fazendo o jazz evoluir. Até porque estamos na Era da Pós-Modernidade onde há muito tempo nao se sustenta a velha dicotomia "avant-garde versus mainstream". O mainstream existe e o avant-garde também existe —— são antagônicos ——, mas um mesmo músico pode, atualmente, optar paralelamente por ambos sem nenhum demérito em relação a sua identidade ou ao seu exigente senso de qualidade.


É preciso reconhecer, também, que muito daquilo que se definia como mainstream se saturou e muito dos procedimentos artísticos que dantes definíamos com os rótulos "avant-garde" e/ou "experimental" já foram amplamente assimilados e abraçados por uma nova definição de um novo mainstream que hoje, na pós-modernidade, vivenciamos. Tanto que muitos dos artistas contemporâneos já nem fazem mais questão de manter aquela velha dicotomia da "arte rebelde versus arte mainstream" que dominou os embates no século 20. Isso é velho, pedante, passadista e não reflete os sincretismos ecleticistas do século 21! Além disso é preciso entender que há um jogo na indústria musical que procura equilibrar registros lucrativos via tendências comerciais com registros que fato evidenciem talento, criatividade, inovação e riqueza cultural. Esse equilíbrio não é justo, pois o mercado irá valorizar muito mais as tendências e a modinhas de verão para maximizar seus lucros, mas as grandes gravadoras também não querem ser estigmatizadas como apenas antros ou criadouros de modinhas e banalidades, de forma que elas também sentem a necessidade de valorizar um mínimo de projetos e albuns que evoquem a ARTE através de valores como o talento, a criatividade e a inovação. E o Grammy é a demonstração fidedigna desse equilíbrio disforme! Junte-se a esse "equilíbrio" uma maior pré disposição por evidenciar a diversidade de misturas e gêneros que definem essa nossa era da pós-modernidade e conseguiremos entender o real desafio que os selos e gravadoras tradicionais precisam enfrentar para não estarem atrasados no tempo e no espaço em que hoje disputam. E felizmente na música erudita, mais propriamente, as indicações do Grammy 2023/ 24 tem refletido essa contemporaneidade, muito em parte pelo alto nível de criatividade, diversidade e qualidade das produções financiadas pela grande gama de selos menores e gravadoras independentes que surgiu nas últimas décadas. Na música erudita, mesmo, gravadoras como a Cantaloup Music e a New Amsterdam Records tem encabeçado um movimento chamado "indie classical music" que começou isolado nos anos 2000 e agora começa a conquistar substancialmente o novo mainstream, com seus artistas e seus álbuns sendo, inclusive, indicados em várias categorias no Grammy. Dito isso, mais uma vez confesso que até consigo admitir que o Grammy —— assim como o Pullitzer: e já escrevi sobre isso 👉aqui no blog  —— elevou substancialmente seu nível de curadoria nos últimos certames dos gêneros de música instrumental, jazz e música erudita, mesmo indicando registros de veraneio e obras emburrecedoras do pop dance no lado oposto do diâmetro. Esse fenômeno vem acontecendo justamente porque a internet não apenas abriu inúmeras possibilidades das pessoas buscarem por trabalhos de aspecto mais cult, indie e outsider, algo que fez com que o número de gravadoras e selos independentes explodissem nas últimas décadas, mas principalmente porque o debate sobre diversidade e variedade de gêneros está em alta em todos os fóruns, canais da mídia e redes sociais. É uma marca da pós-modernidade em que vivemos e acho que a humanidade pode lutar contra o fascismo e se tornar mais igualitária a partir desse fenômeno. Abaixo, faço algumas ponderações e alguns comentários sobre os indicados e ganhadores do Grammy 2023/ 24 no âmbito da música instrumental. As indicações sinalizadas com estrelas foram as que eu torci para que recebessem o prêmio...


Embalagem, Encarte e Histórico


Nestas categorias que têm como intenção premiar a arte de capa, a embalagem, o encarte e as liner notes dos álbuns, tivemos duas surpresas nas indicações: a embalagem refinadíssima do álbum Cadenza 21, do Ensemble Candeza 21 de Hsuan Chang Kitano (num álbum de música instrumental chinesa com instrumentos tradicionais), com design gráfico elaborado por Star Cheng; e o encarte do álbum Evenings at The Village Gate: John Coltrane with Eric Dolphy (Live), mais uma pepita de John Coltrane sendo encontrada e revelada, dessa vez "em dupla" com o igualmente legendário Eric Dolphy. Não curiosamente, essa categoria favorece mais os encartes elaborados em torno de lançamentos compilativos e/ou gravações resgatadas de algum arquivo histórico, com uma arte de design gráfico super elaborado que enfatiza mais o ludismo, a nostalgia, as temáticas e a estória por detrás das históricas gravações ou compilações. O álbum Evenings at The Village Gate: John Coltrane with Eric Dolphy (Live), por exemplo, recebeu um encarte com um extenso texto do renomado escritor e crítico de jazz  Ashley Kahn, um dos maiores experts nas vidas e obras de Miles Davis e John Coltrane, o que favoreceu para que o álbum tivesse seu contexto histórico bem explanado e sua aclamação de crítica potencializada. 

Melhor Embalagem de Gravação
  • Stumpwork – Dry Cleaning🏆
  • The Art of Forgetting – Caroline Rose
  • Cadenza 21' – Ensemble Cadenza 21'
  • Electrophonic Chronic – The Arcs
  • Gravity Falls – Brad Breeck
  • Migration – Leaf Yeh
Melhor Embalagem de Box ou Edição Especial Limitada
  • For The Birds: The Birdsong Project – Vários artistas 🏆
  • The Collected Works of Neutral Milk Hotel – Neutral Milk Hotel
  • Gieo – Ngọt
  • Inside: Deluxe Box Set – Bo Burnham
  • Words & Music, May 1965 – Deluxe Edition – Lou Reed
Melhor Encarte
  • Written in Their Soul: The Stax Songwriter Demos – Vários artistas 🏆
  • Evenings at The Village Gate: John Coltrane with Eric Dolphy (Live) – John Coltrane e Eric Dolphy
  • I Can Almost See Houston: The Complete Howdy Glenn – Howdy Glenn
  • Mogadishu's Finest: The Al Uruba Sessions – Iftin Band
  • Playing for the Man at the Door: Field Recordings from the Collection of Mack McCormick, 1958–1971 – Vários artistas
Melhor Álbum Histórico
  • Written in Their Soul: The Stax Songwriter Demos – Vários artistas 🏆
  • Fragments – Time Out of Mind Sessions (1996–1997): The Bootleg Series, Vol. 17 – Bob Dylan
  • The Moaninest Moan of Them All: The Jazz Saxophone of Loren McMurray, 1920–1922 – Vários artistas
  • Playing for the Man at the Door: Field Recordings from the Collection of Mack McCormick, 1958–1971 – Vários artistas
  • Words & Music, May 1965 – Deluxe Edition – Lou Reed


Produção, Engenharia, Composição e Arranjo


Nas indicações envolvendo essas categorias, há toda uma questão técnica que envolve desde os arranjos, sonoridades, texturas e estruturas composicionais das peças até as técnicas de gravação e mixagem em estúdio envolvendo as mesmas —— a técnica de "áudio imersivo, por exemplo, é uma técnica avançada que supera em muito as técnicas de gravação "mono", "stereo" e até a "multicanais". Nesta edição de 2023/ 24, tivemos a grata surpresa de ter o álbum Contemporary American Composers – Riccardo Muti e Chicago Symphony Orchestra sendo indicado e ganhador na categoria Melhor Engenharia de Álbum (Clássico), onde temos peças gravadas de compositores contemporâneos como Philip Glass, Max Raimi e a emergente compositora Jessie Montgomery, que tem se revelado um nome em ascensão no ramo da composição e teve uma das suas composições também ganhando um Grammy na categoria "Melhor Composição Contemporânea". E também tivemos outros álbuns com gravações de peças de compositores contemporâneos sendo indicados nessa categoria: o destaque fica por conta dos dois álbuns onde a orquestra de câmera de Boston A Far Cry está envolvida, dando interpretações para peças de compositores diversos tais como Rachel Grimes, Angélica Negrón, Shara Nova, Caroline Shaw, Sarah Kirkland Snider e Mehmet Ali Sanlıkol. Ou seja, ainda que essas indicações tenham sido estritamente técnicas, fundamentadas nas melhores engenharias de gravação, é importante que haja renovação com gravações de peças de compositores contemporâneos, do nosso tempo, sendo indicadas e ganhando prêmios por excelência, seja pela própria gravação ou arranjo das peças ou qualquer outra categoria de excelência —— sempre achei pedante demais, por exemplo, ver a milionésima gravação de alguma sinfonia de Mozart ganhando algum prêmio desse pela milionésima vez! Já na categoria de Melhor Remixagem, também observa-se que houve ótimas indicações: a banda de música eletrônica Depeche Mode foi uma boa escolha —— é uma banda com histórico criativo admirável, com peças eletrônicas que sempre ofereceram recursos criativos para remixagens inteligentes ——, mas tivemos também outra ótima indicação que é a faixa "Alien Love Call", gravada pela banda punk Turnstile em parceria com a banda instrumental BadBadNotGood no EP independente New Heart Designs (2023). Ademais, categoria de "Melhor Arranjo" também tivemos indicações inteligentes: temas e faixas bem arranjados envolvendo Metropole Orkest, Cécile McLorin Salvant, Samara Joy, Jacob Collier... todas boas indicações que permeiam o universo do arranjo jazzístico. Só aqui neste rol de categorias, as indicações já mostram que o Grammy tem prezado por contemplar maior diversidade de gêneros humanos, estéticos e culturais! E que continue a evoluir nessa direção rumo à diversidade!!!

Melhor Engenharia de Álbum, Não Clássico
Melhor Engenharia de Álbum, Clássico
Produtor do Ano, Clássico
  • Elaine Martone🏆
    • David Frost
    • Morten Lindberg
    • Dmitriy Lipay
    • Brian Pidgeon
Melhor Gravação Remixada
  • "Wagging Tongue" (Wet Leg Remix) – Depeche Mode (remixador: Wet Leg)🏆
    • "Alien Love Call" – Turnstile e BadBadNotGood featuring Blood Orange (remixador: BadBadNotGood)
    • "New Gold" (Dom Dolla Remix) – Gorillaz featuring Tame Impala e Bootie Brown (remixador: Dom Dolla)
    • "Reviver" (Totally Enormous Extinct Dinosaurs Remix) – Lane 8 (remixador: Totally Enormous Extinct Dinosaurs)
    • "Workin' Hard" (Terry Hunter Remix) – Mariah Carey (remixador: Terry Hunter)
Melhor Álbum de Áudio Imersivo
Melhor Composição Instrumental
  • "Helena's Theme" – John Williams🏆
    • "Amerikkan Skin" – Lakecia Benjamin feat. Angela Davis
    • "Can You Hear The Music" – Ludwig Göransson
    • "Cutey And The Dragon" – Quartet San Francisco feat. Gordon Goodwin's Big Phat Band
    • "Motion" – Béla Fleck, Edgar Meyer e Kazir Hussain feat. Rakesh Chaurasia
Melhor Arranjo, Instrumental ou A Capella
  • "Folsom Prison Blues" – The String Revolution featuring Tommy Emmanuel🏆
Melhor Arranjo, Instrumentos e Vocais
  • "In the Wee Small Hours of the Morning" – Säje Featuring Jacob Collier🏆




Classical


O universo da música erudita foi onde o Grammy mais se enriqueceu e se diversificou nesta edição de 2023/ 2024. Isso porque nesta edição a banca examinadora e a curadoria procuraram, finalmente, transparecer um mínimo da nossa contemporaneidade e da tão reclamada diversidade outrora tão negligenciada naquele velho e pedante conceito clássico vitoriano que sempre favorecia conceitos misóginos, seletivos e discriminatórios. Mulheres tais como Jessie Montgomery e Missy Mazzolli foram os grandes nomes da composição neste certame. Compositores e músicos afro-americanos finalmente estão sendo indicados em pé de igualdade com seus semelhantes brancos: vide as indicações de obras e projetos envolvendo nomes como a requintada compositora afro-americana Florence Price (1887-1953), a legendária figura do pós-minimalismo Julius Eastman (1940-1990), o versátil e talentoso pianista Awadagin Pratt, o pianista de jazz Aaron Diehl em sua versão erudita/ third-stream para a Zodiac Suite de Mary Lou Williams, o projeto inovador do violoncelista Seth Parker Woods, entre outros. A ópera ganhadora foi, inclusive, de um compositor afro-americano advindo do universo do jazz: vide a ópera Champion, composta pelo trompetista Terence Blanchard. Ou seja, os projetos eruditos principais deste certame, os que mais receberam atenção e foram ganhadores, não foram mais aqueles do tipo tais como a centésima gravação bem polida de alguma Sinfonia de Mahler ou Brahms, mas foram os álbuns e gravações de ousadas, experimentais e engenhosas peças escritas por compositores contemporâneos, compositores vivos, do nosso tempo. A começar pela indicação da obra para vozes de William Britelle, que faz uso de um hibridismo altamente intrigante entre as técnicas de canto medieval, técnicas vocais estendidas e os falsetes e vocalises do pop, a cargo do conjunto Roomful of Teeth, com a adição de arrojadas texturas de sintetizadores —— um projeto que une passado, presente e se projeta de forma imagética a um futuro distópico! Depois tivemos o neoclássico balé Dante, de Thomas Àdes, um projeto ousado que ressignifica a programática dos poemas sinfônicos de Berlioz e Liszt. Depois temos os surpreendentes projetos do percussionista Andy Akiho sendo indicados: há quem diga, aliás, que Akiho tem sido um divisor de águas em termos de composições camerísticas e sinfônicas para percussão, elevando a percussão a um destaque maior raramente dantes visto! E ainda mais surpreendente foi o fato de o trabalho de vozes ganhador ser o da genial compositora finlandesa (e recentemente falecida) Kaija Saariaho, um dos gênios incontestes dentro do conceito de música espectral! Ou seja, o fato é que, para além das mostras de como o Grammy finalmente enxergou a diversidade de culturas e gêneros, nesta edição os  projetos, peças e gravações de músicos e compositores contemporâneos tiveram mais destaque do que as já manjadas obras sinfônicas e camerísticas dos séculos 17, 18 e 19... 

Classical Field


Jazz, Pop Tradicional, Instrumental Contemporâneo e Teatro Musical


Neste certame de 2023/ 24 o Grammy foi um tanto conservador em algumas premiações do gênero "jazz". A saxofonista Lakecia Benjamin, após ter se recuperado um acidente com fratura na mandíbula e múltiplos ferimentos, lançou seu ótimo álbum Phoenix cheio de temas, arranjos e solos admiráveis e merecia ganhar ao menos uma das indicações: Melhor Performance de Jazz ou Melhor Álbum Instrumental de Jazz. Mas a comissão examinadora resolveu laurear mais uma vez a cantora Samara Joy e o veterano pianista Billy Childs, respectivamente. Na verdade, ao menos dois outros novos nomes do jazz contemporâneo poderiam figurar entre os indicados da categoria Melhor Álbum Instrumental de Jazz, ao invés de indicarem veteranos como Billy Childs e Kenny Barron, e ao invés de indicarem novamente, pela enésima vez, um álbum de Pat Metheny: algum dos registros da guitarrista Mary Halvorson seria, por exemplo, uma boa escolha; depois temos vários grandes músicos que se destacaram, tais como o trompetista Ambrose Akinmusire e o saxofonista Steve Lehman, entre outros. E não é que eu tenha algo a declarar contra os ótimos álbuns que os veteranos sempre lançam —— eles são mestres e já obtiveram experiência o suficiente para sempre lançar álbuns que combinam elegância com profundidade. Mas o fato é que esse momento inovador do "modern creative" pelo qual o jazz contemporâneo passa ainda precisa ser reconhecido pelo Grammy: já há  algum tempo que figuras como Ambrose Akinmusire, Mary Halvorson e Steve Lehman estão lançando registros inovadores que estão levando o jazz para novas modulações e direções, mas a banca examinadora do Grammy acha mais confortável ficar nos bons registros de veteranos e figuras já bem tarimbadas. Como se não bastasse, o ganhador da categoria Melhor Álbum em Grande Conjunto de Jazz foi o Basie Swings The Blues – The Count Basie Orchestra, registro dirigido pelo trompetista Scotty Barnhart, sendo que o melhor grande conjunto do ano foi, em termos de contemporaneidade, a big band Secret Society de Darcy James Argue em seu álbum Dynamic Maximum Tension. Ademais, achei um tanto vagas essas delimitações entre "Álbum Instrumental de Jazz", "Álbum de Jazz Alternativo" e "Álbum Instrumental Contemporâneo": o jazz feito hoje pode ser muito bem ser chamado de "instrumental contemporâneo"; e nas indicações do "instrumental contemporâneo" há registros repletos de jazz; e me pergunto que diacho seria "jazz alternativo"(???).... Bem, não é de hoje que o gênero "jazz" e sua nomemclatura suscita sempre as mais polêmicas indefinições, não é mesmo? Mas se é para usar rótulos e categorias, que o Grammy ao menos defina e delimite melhor os elementos e as nomenclaturas para que não fique vago e nem confuso. Ademais, as duas únicas premiações que achei justas foram para o prêmio Melhor Álbum de Jazz Latino dado para o álbum El Arte del Bolero Vol. 2 de Miguel Zenón e Luis Perdomo (os quais deveriam ser premiados já no primeiro volume, em 2022) e na premiação de Melhor Álbum de Jazz Alternativo para o ótimo álbum The Omnichord Real Book de Meshell Ndegeocello, que traz riqueza em participações e misturas de elementos vários. Abaixo segue, sublinhados e sinalizados com estrelas, os álbuns e performances nos quais eu apostei.

Melhor Performance de Jazz
Melhor Álbum Vocal de Jazz
Melhor Álbum Instrumental de Jazz
  • The Winds of Change – Billy Childs🏆
    • The Source – Kenny Barron
    • Phoenix – Lakecia Benjamin
    • Legacy: The Instrumental Jawn – Adam Blackstone
    • Dream Box – Pat Metheny
Melhor Álbum em Grande Conjunto de Jazz
  • Basie Swings The Blues – The Count Basie Orchestra dirigido por Scotty Barnhart🏆
    • The Chick Corea Symphony Tribute – Ritmo – ADDA Simfònica, Josep Vicent e Emilio Solla
    • Dynamic Maximum Tension – Darcy James Argue's Secret Society
    • Olympians – Vince Mendoza e Metropole Orkest
    • The Charles Mingus Centennial Sessions – Mingus Big Band
Melhor Álbum de Jazz Latino
  • El Arte del Bolero Vol. 2 – Miguel Zenón e Luis Perdomo🏆
    • Quietude – Eliane Elias
    • My Heart Speaks – Ivan Lins com Tblisi Symphony Orchestra
    • Vox Humana – Bobby Sanabria Multiverse Big Band
    • Cometa – Luciana Souza & Trio Corrente
Melhor Álbum de Jazz Alternativo
  • The Omnichord Real Book – Meshell Ndegeocello🏆
    • Love in Exile – Arooj Aftab, Vijay Iyer, Shahzad Ismaily
    • Quality Over Opinion – Louis Cole
    • SuperBlue: The Iridescent Spree – Kurt Elling, Charlie Hunter, SuperBlue
    • Live at the Piano – Cory Henry
Melhor Álbum Vocal de Pop Tradicional
Melhor Álbum Instrumental Contemporâneo
  • As We Speak 🏆 – Béla Fleck, Zakir Hussain, Edgar Meyer featuring Rakesh Chaurasia
    • On Becoming – House of Waters
    • Jazz Hands – Bob James
    • The Layers – Julian Lage
    • All One – Ben Wendel